segunda-feira, 29 de setembro de 2014

O tempo em que relógio nem tinha os ponteiros

Por milênios, o sol e a lua foram os grandes relógios da humanidade. Os dias eram guiados pela luz e não havia atividade noturna habitual. A noite era ameaçadora por essência, fazendo com que os homens se recolhessem em abrigos à espera da claridade solar redentora.
 Enquanto os ciclos da natureza regiam a vida humana, as estações do ano e as fases da lua aprisionavam a todos nos seus longos ciclos. Portanto, se quisessem seguir seus próprios caminhos, emancipando-se dos astros, os seres humanos teriam que criar suas próprias medidas de tempo diurno e noturno em menores fatias.
Os primeiros relógios eram mostradores solares que projetavam a sombra com grande precisão sobre signos correspondentes às horas. Horas essas que diferiam das atuais, porque eram flexíveis em função da duração dos dias. Isto é, 12 horas de sol de um dia de inverno eram mais curtas que as mesmas 12 horas de um longo dia de verão.
Ainda assim, limitados aos dias de sol pleno, esses relógios foram os primeiros instrumentos de medição. Diz Daniel Boorstin, autor do livro “Os Descobridores”, que no tempo do imperador Valentiniano I (364-375), os soldados romanos eram instruídos a marchar “à média de 20 milhas em 5 horas de verão”.
Para saber as horas noturnas, o homem desenvolveu medições a partir da fluidez da água. Como essa podia ser aprisionada em qualquer pequena vasilha, um furo permitiria o gotejamento em ritmo constante e o nível decrescente indicava o tempo decorrido, em qualquer horário e lugar, assegurando uniformidade ao dispositivo.
Até a invenção do relógio de pêndulo, por volta do ano 1700, o mais preciso medidor de tempo foi o relógio de água. Para pequenas medidas de tempo, a ampulheta, com carga de areia, foi muito utilizada, inclusive para regular o tempo dos tribunos legislativos e judiciários romanos.
A partir do ano 1300, surgem os primeiros relógios mecânicos instalados em torres de igrejas com a finalidade de prestar serviço de utilidade pública, orientando os cidadãos pelo badalar dos sinos acionados automaticamente ou por meio de pequenos relógios de câmara que acordavam o “guardião do relógio” para tocar os sinos e, assim, despertar os sacerdotes para o cumprimento das obrigações religiosas.
Eram os primeiros despertadores, chamados com o curioso nome de “horologia excitatoria”. Como a humanidade era, em sua imensa maioria, iletrada, tais relógios eram desprovidos dos ponteiros e algarismos; e anunciavam as horas por meio do badalar de sinos.
Nessa época não se via as horas, apenas as ouvia. Além disso, todos os relógios eram, na verdade, cronômetros isolados, pois não estavam sincronizados entre si para soar a mesma hora em uníssono.
Curiosamente, dizem que quem primeiro colocou ponteiros em relógios foi o italiano Jacopo de Dondi, em 1344, recebendo por isso o título de Relojoeiro.
Mas foi à descoberta das leis do movimento pendular pelo cientista Galileu que permitiu o surgimento dos relógios de pêndulo e garantiu grande precisão a essas máquinas. Apenas três décadas após a morte dele, o erro médio dos melhores mecanismos de medição do tempo caíra de 15 minutos para 10 segundos por dia.
Contudo, o ciclo de navegações que se iniciava exigia o conhecimento da hora exata na leitura das estrelas para obter a correspondente localização na latitude e longitude, fundamental para a orientação dos navegadores. Nesse caso, o avançado relógio de pêndulo era incompatível com o balanço natural do mar, o que inviabilizava sua utilização.
Desse problema, surge o aperfeiçoamento dos mecanismos acionados por mola – os chamados relógios de corda -, que exigiam modernas tecnologias de fabricação mecânica e cálculos avançados do projeto do eixo fuso a fim de manter o ritmo constante, ainda que a mola reduzisse gradualmente a pressão pela descompressão natural.
     Tal solução tecnológica implicou em eficiência de guerra e soberania nacional, transformando relojoeiros em estratégicos artífices. A arte relojoeira inaugurou novos tempos ao emancipar o homem da natureza solar; assemelhar a noite ao dia, antes mesmo da iluminação artificial; e, acima de tudo, ensinar o promissor caminho da união da ciência com a tecnologia em prol da resolução de grandes problemas. Na próxima semana, abordaremos o tempo em que, novamente, os relógios não tinham ponteiros.



Publicado no jornal Cinform de 29/09/2014 – Caderno Emprego


quinta-feira, 18 de setembro de 2014

segunda-feira, 15 de setembro de 2014

Escotismo e empreendedorismo social

O escotismo, movimento civil criado pelo inglês Baden-Powell no início do século XX, atraiu centenas de milhões de jovens, de dezenas de países, às suas fileiras nessas décadas de feliz existência. Pessoalmente, fui privilegiado por ter me engajado nesse movimento no Grupo Escoteiro Antonio Vieira, integrado ao colégio jesuíta de mesmo nome, em Salvador-BA. À época, muito me ajudaram na formação do caráter e da coragem, as grandes aventuras no campo, incluindo a então desconhecida, Chapada Diamantina. Sou muito grato por ter recebido essa formação cidadã plena.
O escotismo sempre pautou sua práxis no respeito ecológico e nos valores humanos, regulada pela Lei do Escoteiro com seus dez artigos, que objetiva expressar um ideal de Ser Humano. É relevante dizer da prática pedagógica direcionada ao desenvolvimento: de habilidades de convivência e sobrevivência; dos conhecimentos sobre a natureza; da disciplina formadora do caráter; da construção da autonomia; do autocuidado com a saúde e; do respeito aos valores cívicos e morais.
Muitas das atuais recomendações de preservação ecológica já estavam pautadas nos procedimentos escoteiros há mais de 100 anos. Assim, as atividades de campo sempre foram realizadas com respeito às populações locais, à fauna e à flora. Além disso, o escoteiro tem espírito fraternal atuante e uma permanente disponibilidade de ajudar o próximo; e ainda, é amigo de todos e irmão dos demais escoteiros, independentemente de origem, classe social, credo, língua e etnia.
A capacidade de iniciativa, a cultura do associativismo e o cuidado para com os necessitados, acrescido da disposição de atuar ao ar-livre e em equipe (patrulhas), formam os pré-requisitos ideais para o trabalho social. São qualidades que, infelizmente, parece faltar na maioria dos jovens atuais, ocupados apenas mentalmente e desorientados sobre como agir no mundo, ampliando a exposição deles aos riscos.
Vivemos em um País sacudido pela violência e precário na infraestrutura de serviços ao cidadão de baixa e média renda. Agrava esse cenário a cultura tão comum em nossas paragens de buscar resolver problemas nacionais com soluções individuais, à moda de Macunaíma. Exemplos não faltam: transporte escolar para universitários, como se fossem crianças; segurança particular; plano de saúde privado; escola paga e; isolamento crescente (dos que podem) do contato com o povo.
Aos olhos dos que possuem espírito empreendedor, esse cenário caótico traz inúmeras oportunidades de realizações bastante recompensadoras. Aliás, entenda-se empreendedorismo como a capacidade de construir sonhos e não, necessariamente, montar empresas comerciais. Dessa maneira, aliar as qualidades do escoteiro às demandas sociais pode ser o foco para o engajamento de jovens brasileiros a nobres e envolventes causas de ecologia, prioritariamente, urbana. Soma-se a isso, a oportunidade de formar novos líderes, verdadeiramente conhecedores da realidade do lugar e dotados de caráter exemplar.
Com efeito, dotar de competências de gestão de projetos sociais os Escotistas, os Pioneiros e os Escoteiros Seniores, pode ser o caminho de avanços na prática escoteira do século XXI. Portanto, um atrativo a mais para o jovem tipicamente urbano contemporâneo. Dessa forma, não há que se abrir mão dos consagrados fundamentos do escotismo, mas sim, ampliar as ferramentas e os espaços de atuação civil desse educativo serviço voluntário. Essa é a proposta deste texto, especialmente para o Brasil, País de elevada concentração urbana, acarretando em que cerca de 85% da população ocupa apenas 1,5% do próprio território.
Quem sabe, hei de ver a minha velha Patrulha Búfalo desenvolvendo um projeto de vacinação de todos os cães do bairro, protagonizando essa ação articulada com o Poder Público, a comunidade e as faculdades de veterinária. Modelo de ação cooperada, de interesse público, integrando vários atores, executada no campo urbano e capacitante para o trabalho profissional. Esse exemplo é um típico projeto ganha-ganha, para o benefício de todos, especialmente, para o jovem que esteja Sempre Alerta para o bem.

Publicado no jornal Cinform de 15/09/2014 – Caderno Emprego


segunda-feira, 1 de setembro de 2014

Que assim soja


 Os desafios brasileiros são inúmeros. A maior parte deles é de pleno conhecimento público, a exemplo da deficiente infraestrutura portuária. Recentemente, contudo, me deparei com mais um problema do nosso modelo econômico que, enquanto típico país em desenvolvimento, nos ameaça. Trata-se da chamada “maldição dos recursos naturais” ou “doença holandesa”. Um paradoxo econômico que atinge os países exportadores de commodities, especialmente os recursos naturais não renováveis como o petróleo e os minérios.
Há um debate em curso sobre o quanto a economia brasileira já sofre desse mal. A nossa pauta de exportações está recheada de commodities agrícolas e minerais, com promessas de exportação de petróleo, para breve. Estaria a nossa economia avessa ao crescimento, uma vez que o Produto Interno Bruto – PIB -, se mostra tímido demais, ou melhor, nem se mostra? Seria a supervalorização do Real, que provoca acelerada desindustrialização do País, fruto da exportação massiva de commodities primárias?
A chamada “maldição dos recursos naturais” surgiu a partir dos trabalhos de Sachs e Warner. Esses autores partiram de constatações de que países com abundância de recursos naturais tenderiam a apresentar uma menor taxa de crescimento do PIB que os demais. Assim, os países árabes, ícones na exportação de petróleo apresentaram uma taxa de crescimento médio do PIB per capita de 0,7% entre 1975 e 2005, metade da média mundial. Em oposição, países relativamente pobres em recursos naturais, como Japão, Hong Kong, Coréia, Singapura e Suíça experimentaram taxas de crescimento mais altas.
Segundo o Prêmio Nobel Joseph Stiglitz, são três os ingredientes principais associados a essa “maldição”: 1) países ricos em recursos naturais tendem a ter moedas mais fortes, o que não favorece outros tipos de exportações; 2) como a extração de recursos cria poucas oportunidades de ocupação, o desemprego aumenta; 3) a volatilidade dos preços dos recursos gera um crescimento instável, afetado pelos Bancos internacionais que investem, quando o preço das commodities sobe, e fogem, quando o valor cai.
Naturalmente, a economia brasileira supera com folga a de nossos vizinhos latinos e a de países africanos, igualmente exportadores de produtos primários. Semelhante à Rússia, a variedade de nossos ativos traz superior segurança sobre os países citados. Contudo, se não houver fomento ao empreendedorismo e à consequente diversificação produtiva, caminharemos a passos largos em direção a armadilha já criada por nossa reduzida pauta de exportações, composta basicamente por produtos baratos e intensivos.
Acrescente-se a isso, outro ingrediente para maior proteção: dar transparência do uso dos valores advindos das exportações e dos royalties, incluindo aí, a liberdade de imprensa e as redes sociais.
Dentre os países exportadores de petróleo, a Noruega é o que apresentou melhor solução para aplicar os petrodólares: criou um fundo petrolífero, a fim de capitalizar uma parte das receitas do petróleo para as gerações futuras e vinculou recursos obrigatórios para a Educação e a pesquisa.
Inspirado no modelo norueguês e consciente que um quilo de satélite artificial tem o mesmo preço que cem milhões de quilos de soja, o Brasil deve passar uma borracha em seus antigos ciclos de exportação e fazer do café uma nova receita: um ponto de encontro de ideias, um centro de partilha de informações e de convergência de todas as classes sociais e faixas etárias. Na diversidade está a chave da inovação e, apenas nessa, o segredo de gerar exportações de valores estratosféricos, emancipadoras econômica e socialmente.
A nossa diversidade cultural e étnica, aliada a elevada concentração urbana e o acesso fácil à internet, nos privilegia por termos ambientes tão favoráveis à inovação. Esse sim, um território único, a ser valorizado pelos próprios brasileiros por meio do empreendedorismo, da Educação, da cultura, do associativismo e da pesquisa. Pois, é das conversas de pequenos grupos nos cafés que pode surgir uma grande mudança no mundo e até, um novo jeitinho brasileiro. Que assim soja. 
                                                        
Publicado no Jornal Cinform em 01/09/2014 - Caderno Emprego