segunda-feira, 22 de março de 2010

Arte na educação: a poesia é de quem lê

         

A poesia é de quem lê, e não de quem escreve. A poesia é a experiência do leitor diante do poema. Ao autor restou o poema e a imaginação sobre qual é a extensão de sua obra. Nas artes, em geral, os limites são improváveis, o observador faz parte da obra e a complementa com sua exclusiva interioridade.


            Costumo dizer, quando falo com jovens estudantes, que o mundo tem o tamanho da nossa interioridade. Assim, quem desenvolve sua vida interior através de estudos, meditação, observação, escuta e diálogo está ampliando seu mundo. No Brasil, por exemplo, vivemos em uma era plural, na qual temos seres humanos vivendo experiências espaciais, temos até astronauta brasileiro (lembram-se?), e outros vivendo neste nosso país como se vivia há dez mil anos atrás, sem domínio da agricultura, dos metais, da cerâmica, da linguagem escrita, da criação de animais, e outras marcas relevantes da linha do tempo da tecnologia, em agrupamentos indígenas isolados ainda presentes na Amazônia.


            Essa pluralidade dá a possibilidade de nos colocarmos em realidades diferentes diante de um mesmo cenário. Os modernos meios de comunicação nos ampliaram o mundo e encolheram o planeta. Observando-se um mesmo evento, cada observador terá visões e interpretações diferentes, alguns mais profundas, como quem domina o assunto; outros mais superficiais, com baixa interatividade com o fenômeno. Porém, externamente o evento manifestou-se igual para todos.


            A arte deve estar presente em qualquer educação que se preze em proporção equivalente a formação intelectual. A arte é a educação do emocional, do conviver saudável e harmônico, da expansão da interioridade. Porém, falar em arte na educação é discurso fácil. Tem escola fazendo visita a museu ou estudando quem foi Van Gogh, e dizendo que é educação artística. Desculpem-me, mas isso é educação cognitiva e não artística, talvez seja estimulante para formar críticos, mas insuficientes para formar artistas. Arte tem que ser vivida, desafiadora para promover o crescimento. Arte é aprender a dominar a água numa pintura com guache, fazer de um violino, por exemplo, uma extensão do seu corpo e dos seus sentimentos. Arte é vida e comunicação!


            A educação do intelecto com a intensidade atual que se dá nas escolas é a causadora (e conseqüência também) do mundo caótico e desequilibrado de hoje. Só somos bons sobre o que reduzimos para dominá-lo. Desta forma, somos analfabetos, apesar dos nossos diplomas, em questões ambientais. Somos irresponsáveis, quando inviabilizamos a vida na Terra para nossos filhos e netos. Também, do mesmo jeito que se estuda para provas escolares, agimos priorizando o curto prazo sobre o longo prazo: temos que levar vantagem em tudo – Diria o Gerson. Que educação é essa?


            Vejamos exemplos de nossas ações reducionistas: Quando trabalhamos com os minerais extraímos suas preciosidades deixando em seu lugar apenas materiais amorfos e estéreis, descristalizados. Ao atuarmos sobre os vegetais, os mineralizamos com a adição abusiva de sais fertilizantes. Já, sobre os animais, os confinamos impiedosamente, reduzindo-os a uma vida vegetativa. Quanto aos humanos, nós os tratamos como uma manada, através da moda padronizadora e escravizante, e outras criações de desejos consumistas coletivos produzidos pela mídia de massa, reforçados via educação reprodutora destes valores. É o educar a todos como se fossem um só, infelizmente, tão presente em nossa escola.


            Vivemos a época da valorização da inteligência. Muitos são mais preocupados em ver os filhos bem colocados no vestibular que em vê-los felizes e bons. Os quatro pilares da educação para o século XXI, proposto pela UNESCO, prioriza o aprender cognitivo com tanta ênfase que até nos orienta a “aprender a ser”. Aprender? O mesmo se dá quando falamos em inteligência emocional. Pergunto: Inteligência? É essa a palavra certa para emoções? Talvez estejamos a criar uma sociedade cada vez mais fria e distante da visão holística do ser humano dotado de corpo físico, vital, emocional e da sua individualidade, ou identidade espiritual.


            Será que nosso modelo educacional está favorecendo a formação de pessoas com fraqueza de caráter? Será que nossos bandidos, estupradores e assassinos não passaram por escolas? Espero que não, mas posso estar enganado. Vejo muitos profissionais de nível superior (sic) criando procedimentos em benefício próprio lesando seus clientes ou pacientes. Vejo profissionais de confiança (sic) que traem seus clientes por trinta dinheiros. E esses, também não passaram pela escola?


            Será que uma escola que não é capaz de observar e agir sobre desvios de desenvolvimento do caráter, dificuldades elevadas de convivência social e outras patologias sociais de seus alunos, ainda que aprovados no vestibular de medicina, pode dizer que educou?         


            Certa vez, um velho pajé disse a um jovem: “dentro de mim existem dois cachorros. Um é fiel e protetor companheiro. Outro de péssima índole, traidor e ladrão. Ambos vivem brigando sempre”. Então, o atento ouvinte lhe perguntou: “Quem vencerá essa briga?” E o sábio índio respondeu: “Aquele que eu alimentar”.


            Fazer arte é exercer a liberdade plenamente e por este caminho educar o caráter. A educação proporcionada pela vivência artística chega como alimento à luz da alma humana, tornando-a irradiadora ao próximo.     




Publicado no jornal Cinform 22/03/2010 – Caderno Emprego