segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Metáforas organizacionais, empresas e máquinas



     O uso de metáforas enriquece nossa percepção sobre os mais diversos temas. Assim, falar em “céu da boca”, ao invés de palato, pode facilitar a imagem anatômica dessa parte bucal. Muitos fizeram uso de metáforas para ampliar a compreensão de suas mensagens, por vezes combinadas a parábolas ou a contos com mensagens morais, além dos poemas, é claro, que “adoçam” ao nos dizer que “minha vida era um palco iluminado”.

     Com as organizações empresariais não é diferente. Para melhor entender o complexo funcionamento das pessoas jurídicas, o professor de Administração Gareth Morgan, na década de 1980, elaborou uma relação de oito diferentes imagens para caracterizar a forma como as empresas atuavam em seus ambientes internos e externos. Para Morgan, essas metáforas são uma maneira de pensar e ver as organizações sob os seguintes ângulos: a empresa como máquina, organismo vivo, cérebro, cultura, sistema político, prisão psíquica, fluxo e transformação, e instrumento de dominação.

     Para nosso texto, as duas primeiras imagens são as mais significativas e contraditórias: a imagem de máquina e a orgânica. A associação da imagem de máquina às organizações é imediata quando vista pelas teorias clássicas da administração, inspiradas nos “princípios da administração científica” de Taylor e seus fundamentos derivados do paradigma mecanicista formulado por Descartes e Newton no século XVII, molde da sociedade ocidental. Ou seja, a empresa deve ser “uma máquina de ganhar dinheiro”, com controle e eficiência, na qual os homens são partes do “rolo compressor”.

     Contrariamente, a imagem orgânica nos permite projetar organizações sustentáveis, posto que, partem do mesmo princípio comum. Acresça a isso, que na moderna economia baseada no conhecimento, há grandes ganhos de produtividade, aprendizagem contínua, aquisição de novas habilidades para desenvolvimento de tecnologias, formação de redes, valorização das relações, além de outros requisitos que fazem do “capital intelectual” e do “aprendizado das organizações”, novos fundamentos da administração que espelham propriedades típicas dos sistemas biológicos abertos.

     Com efeito, se buscamos controle e domínio pleno sobre o objeto, então somente uma máquina nos permitirá isso. Como consequência, porém, não podemos esperar de uma máquina adaptações flexíveis para o aprendizado e para a evolução. Assim, não há dúvidas de que empresas administradas de maneira puramente mecânica não têm condições de sobreviver no ambiente econômico atual, complexo, orientado para o conhecimento e sujeito a mudanças rápidas. Ensina Fritjof Capra no livro “As conexões ocultas”.

     Muitos administradores sentem ameaças à própria credibilidade quando não usam modelos matemáticos e práticas científicas clássicas para demonstrar teses. Por vezes, recorrem a fundamentos da ciência do século XVII buscando segurança metodológica. A isso, William Bygrave, físico que se tornou estudioso das organizações, apelidou, com propriedade, de “inveja da física”, por ser essa a disciplina típica do modelo científico tradicional, ainda que inadequado para as ciências sociais e humanas.

     Mas “nem tudo são flores” no uso das figuras de linguagem, já que conforme o interlocutor, o significado pode ficar comprometido se levado ao “pé da letra”. Conforme o fato a seguir: Era uma vez, um jovem bandido que foi pego em flagrante praticando um furto. A população revoltada conteve o meliante com alguns mais exaltados querendo iniciar um linchamento.

     Diante dos ânimos mais coléricos, um corajoso sacerdote interferiu, e tomando a frente do ladrão, gritou para os populares ensandecidos:

     - Atire a primeira pedra quem nunca errou! 

     - Um senhor que estava bem próximo, aparentando 70 anos, imediatamente jogou uma pedra acertando de raspão a cabeça do delinquente.

     Com veemência, o sacerdote perguntou ao idoso: - O senhor nunca errou?

     - Assim, dessa distância, não! Foi a triste resposta.

  


Publicado no Jornal Cinform em 18/11/2013 - Caderno Emprego
Publicado na revista TI&N nº 16, de dez/2013


segunda-feira, 4 de novembro de 2013

Simplicidade voluntária

O título deste artigo nos remete a um modo de vida defendido pelo pesquisador norte americano Duane Elgin. Autor do livro de mesmo título, Elgin propõe um estilo de vida exteriormente simples, mas interiormente rico. Assim, garante ser a melhor maneira de respeitar a atual sociedade, que mantém padrões de consumo e desejos incompatíveis com o suporte do planeta e com a própria felicidade. Aliás, isso é o que revela uma pesquisa sobre o grau de felicidade das pessoas que iguala vaqueiros masai do Quênia aos multimilionários americanos.

     Muito interessante a abordagem do livro, embora portadora de um tom alarmista. Mas, também, capaz de oferecer soluções em que eventuais perdas materiais, são plenamente recompensadas com o crescimento da interioridade das pessoas. Desenvolver vida interior é uma experiência riquíssima, assegura o autor.

     Diante de uma mesma cena, duas pessoas quaisquer possuem vivências muito distintas. Por exemplo, ao olhar simultaneamente para a Lua, a moça enamorada vê uma imagem bem diferente daquela vista pelo ex-astronauta Edgar Mitchell, integrante da Apollo XIV, que lá pisou em 1971, e hoje, defende a simplicidade voluntária. Isso porque, diante de um mesmo cenário, temos a nossa compreensão limitada pela capacidade interior. Dessa forma, podemos afirmar que o mundo tem o tamanho da nossa interioridade. Isto é, o mundo é diretamente proporcional à sabedoria de cada um.

     Isso também disse o poeta Gilberto Gil, em sua música Parabolicamará: Antes mundo era pequeno / Porque Terra era grande / Hoje mundo é muito grande / Porque Terra é pequena. Nesses versos, foi muito feliz o compositor, ao comparar o tamanho do planeta (exterioridade) com o tamanho do mundo (interioridade) e a inversão ocorrida ao longo do tempo.

     Com efeito, valorizar o imenso mundo interior, é estar sintonizado com a realidade presente. Segundo Elgin, na década de 1970, esse movimento era uma subcultura que sensibilizava pouquíssimas pessoas. A mesma pesquisa, realizada em 2009, aponta que cerca de 20% dos americanos são aderentes a esse estilo de vida, o que demonstra um vertiginoso crescimento e uma tendência já consolidada.

     De acordo com a Pesquisa de Simplicidade Voluntária, a motivação mais comum para se adotá-la é viver de modo a integrar e equilibrar os aspectos interiores e não materiais da existência com os aspectos exteriores e materiais. Assim, ensina o pesquisador: “Ao contrário dos mitos da mídia, o consumismo propicia vidas de sacrifício, enquanto a simplicidade proporciona vidas de oportunidade”.

     Simplificar a vida é renunciar ao apelo de consumo excessivo e se libertar dele. É investir mais tempo e energia em atividades comuns com cônjuges, filhos e amigos. É buscar autenticidade entre o que pensa e o que faz. É ser coerente nos planos pessoais de longo e curto prazo. É estar mais intimamente ligado à Terra e à natureza. É melhorar a qualidade da alimentação, fugindo dos produtos altamente industrializados. É ser solidário e indignar-se com a pobreza extrema e as injustiças sociais. É estabelecer padrões de igualdade de direitos entre papéis masculinos e femininos. É reconhecer a individualidade como o grande valor, que faz de cada ser humano um ser único, independentemente de aparências ou limitações. É ver o universo como um ser vivo e mutante, em contraposição à imagem de um relógio, perfeitamente previsível.

     O mundo parece sair de um paradigma racionalista e mecânico para um novo paradigma integral e orgânico. Assim, indicam os conceitos científicos e espirituais que convergem para uma nova perspectiva que vê o universo como um tipo único de sistema vivo. Aparentemente, essa aproximação se dá, primeiro sob a ótica da ciência, depois, de acordo com as tradições mundiais de sabedoria. 

     Portanto, optar por bens duráveis, que permitam manutenções e reciclar tudo que seja possível é o que nos ensina um antigo ditado americano: “use, esgote, aproveite ou passe sem”.

  

         Publicado no jornal Cinform em 04/11/2013 - Caderno Emprego