terça-feira, 30 de novembro de 2010

Miguel Nicolelis e a ciência de educar



     O Brasil, país de grandes contrastes, enquanto apresenta números indesejáveis nos indicadores sociais, simultaneamente oferta grandiosidades de causar inveja às maiores nações de nosso planeta. Uma dessas grandiosidades chama-se Miguel Angelo Laporta Nicolelis, pesquisador chefe da equipe de neurociências da Universidade Duke, EUA.


Após cumprir extensa formação acadêmica com doutorado e pós-doutorado nas melhores universidades do mundo, Dr. Nicolelis desenvolve pesquisas muito promissoras no campo da neurociência despertando esperança para pessoas que sofrem danos neurológicos causados por traumas acidentais ou mesmo por doenças como o Mal de Parkinson.


Uma das linhas de pesquisa que integra o Brasil aos Estados Unidos é o implante de eletrodos no cérebro de cobaias para que comandem robôs a partir de estímulos cerebrais. Assim, máquinas são integradas a cérebros que as comandam pela “força do pensamento”. Em outras palavras, isso significa que será possível desenvolver próteses neurais que permitirão retomar a mobilidade de membros paralisados de pessoas com deficiência motora. O pioneirismo dessas pesquisas leva o nome do Dr. Nicolelis a constar na lista dos 20 maiores cientistas da atualidade, segundo a revista Scientific American e também a ser o único brasileiro que foi matéria de capa nos 140 anos de vida da renomada revista Science.


Autor de mais de 150 artigos publicados em importantes revistas científicas do mundo, Nicolelis é ainda detentor de cerca de 40 prêmios internacionais e, cá pra nós, forte candidato ao Prêmio Nobel de Medicina.    


 Em 1º de dezembro deste ano, teremos a presença do Dr. Nicolelis em Aracaju proferindo a palestra “A ciência como agente de transformação social”, numa promoção do SENAC local por contemplar diretamente seus eixos pedagógico, tecnológico e da saúde. Além do currículo primoroso, que por si só justifica a presença do nobre cientista em nossa terra, existem outros ingredientes que valorizam e diferenciam sua personalidade no mundo cientifico e tecnológico que ouso opinar a seguir.


- Do ponto de vista científico, o Dr. Nicolelis atua a partir de uma visão integral da atividade cerebral estudando conjuntos de centenas de neurônios simultaneamente, ao invés de isoladamente, numa visão metodológica que privilegia observar o funcionamento neural em rede, portanto, menos reducionista.


- Sob a ótica geopolítica, os principais centros de pesquisas nacionais estruturados pelo cientista se localizam no nordeste brasileiro, rompendo a regra de concentração da ciência e tecnologia na região sudeste. Embora tais investimentos não caracterizem uma ruptura, mas sim, uma integração nacional, posto que muitas dessas pesquisas envolvem o Hospital Sírio-Libanês de São Paulo com o Instituto Internacional de Neurociências de Natal, criação sua, no Rio Grande do Norte. 


- Pelo olhar social, são desenvolvidos programas inclusivos de apoio a gestação de alto risco e para pessoas com deficiência, além de projetos educacionais para estudantes da rede pública de ensino nos centros de pesquisa, centros de saúde e nos centros de educação científica infanto-juvenil. Estes últimos estão presentes no Rio Grande do Norte e na Bahia.


Este mês, pessoalmente visitei o Centro de Educação Científica, Escola Alfredo J. Monteverde, em Natal – RN, onde vi um belo trabalho pedagógico em ação. Trata-se de um ambiente escolar dotado de seis laboratórios científicos: Ciência e Tecnologia, Robótica, Química, Biologia, Física, História e  Ciência e Arte, além de Biblioteca Multimídia, Laboratório de Informática e Espaço de Convivência. Esta escola, gratuita, que abriga 600 alunos da rede pública de ensino selecionados através de sorteio, formam turmas bastante heterogêneas de 25 alunos em cada laboratório dotado concomitantemente de 2 professores. Os laboratórios e oficinas são muito bem estruturados de equipamentos e material didático, mas, o mais importante é a dedicação exclusiva e alto compromisso dos docentes com o projeto de ensino-aprendizagem e a sua própria educação continuada. Nessa escola, apesar de não haver qualquer critério de seleção dos alunos por mérito cognitivo ou comportamental, o que se vê é o brilhantismo do trabalho pedagógico que muito bem aplicado faz deste centro um lugar de harmonia, autodisciplina e produção acadêmica invejável a qualquer escola elitizada do nosso Brasil. Uma atuação pedagógica viva e vigorosa em que está presente a educação do pensar, do sentir e do agir. 
 

Parabéns aos brasileiros que fazem o encontro entre os expoentes nacionais, positivos com os negativos, reinventando o país com novos e inesperados protagonistas, frutos da liberdade que só uma educação verdadeira pode proporcionar. Parabéns Professor Nicolelis.





Publicado no jornal Cinform 29/11/2010 – Caderno Emprego

terça-feira, 9 de novembro de 2010

Biomimética, a galinha dos ovos de ouro


     A biomimética (imitação da vida) é um moderno ramo da ciência dedicado a estudos de princípios e modelos da natureza visando alcançar soluções engenhosas para a indústria, a saúde, a ecologia e outras diversas áreas da atuação humana. Paralelamente, a biônica também converge para finalidade semelhante, a exemplo do nobre desenvolvimento de próteses anatômicas e, mais recentemente, neurais, que permitirão cada vez mais a inclusão com qualidade de vida para milhões de pessoas com algum tipo de deficiência no mundo.


Mesmo sendo um ramo novo da ciência, a biomimética crescerá muito nos próximos anos devido ao fato de que a natureza que dispomos hoje é fruto de milhões de anos de evolução e aperfeiçoamento contínuo de seus processos vitais e ambientais. Temos que reconhecer que a natureza sempre alcança seus objetivos com economia, com um mínimo de energia, preservando seus recursos e reciclando completamente seus resíduos.


O Velcro, aquela tira aderente que se aplica a inúmeras finalidades, é a imitação do incomodo carrapicho que teima em permanecer agarrado a nossa roupa denunciando que caminhamos pelo mato. A máquina de diálise renal é outro exemplo inspirado na natureza, assim como o marca-passo cardíaco, ou até, um simples par de pés-de-pato usado por mergulhadores, a lente de contato e os aparelhos auditivos para idosos, são todos modelos tecnológicos copiados da natureza.


Na indústria existem pneus inspirados nas garras dos gatos, conferindo maior capacidade de frenagem. Também, asas de aviões, cascos de navios e submarinos que imitam a pele de peixes obtêm maior fluidez e a consequente economia de combustível. Merece destaque o carro criado pela Mercedes Benz, o Bionic, cuja estrutura é 1/3 mais leve que a de modelos semelhantes, oferece resistência estrutural 40% superior e o invejável coeficiente aerodinâmico de 0,19 que lhe assegura 20% de economia de gasolina; é o que aprendemos com seu modelo inspirador: o pequeno Peixe-Cofre, habitante de águas marinhas tropicais.


Porém, não só o aspecto funcional ou estrutural é motivo de estudo da biomimética, já que a natureza, como afirmamos, é muito econômica nos seus processos. Uma aranha consegue fazer teias com fios de seda finíssimos de alta resistência. Proporcionalmente, os fios da aranha são superiores ao mais resistente fio da engenharia humana, o Kevlar: produto da engenharia aeroespacial desenvolvido pela DuPont, composto de fibras orgânicas de poliamidas que possui propriedades de resistência a tração superiores ao aço. Mas o que queremos registrar no modelo natural é que a maior vantagem não está na resistência superior em si, e sim na forma de produzir o fio. Enquanto a produção do Kevlar exige altas pressões, concentrações elevadas de ácido sulfúrico e temperaturas superiores a 100° C, o menosprezado aracnídeo produz seu majestoso fio à temperatura corpórea. O mesmo podemos aprender com os moluscos, capazes de produzir conchas de dureza superior a cerâmica das ogivas de foguetes e colas de aderência inigualável que os mantêm grudados as superfícies de barcos por longos períodos em condições extremas. Também, sábias galinhas podem nos ensinar como fabricar cimento em condições econômicas, já que transformam calcário em casca de ovo, dotada de propriedades físicas melhores que as do cimento portland que fabricamos calcinando o mesmo calcário a cerca de 1480° C.


A natureza mostra-se de uma inteligência superior à de nossa ciência e tecnologia. São inúmeros casos de soluções naturais que nos podem ensinar muito a respeito de como melhorar nossos agressivos processos de produção. Mas, precisamos nos despir de vaidades e ansiedades para frearmos essa corrida tecnológica louca, em que é necessário acelerar continuamente na busca de resultados instantâneos. Assim então, creio que poderemos observar a natureza produzindo milagrosas metamorfoses no seu ritmo próprio. No século XIX, Goethe – poeta e cientista alemão, autor de um método de observação de fenômenos naturais - reclamava: “Não precisamos apenas de arte e ciência; precisamos também de paciência.”


Destruir a natureza sem conhecê-la é matar a galinha dos ovos de ouro. A biomimética é mais uma mensagem que nos chega dizendo que podemos crescer com preservação natural. O contrário é a insana busca pela satisfação imediata sem considerar o legado desastroso que deixaremos para nossos filhos e netos.


Para reflexão, um conto da antiga corrente judaica dos Chassidim:    

Num sonho eu entrei numa loja.
Atrás do balcão estava um anjo.
Eu lhe perguntei: “O que o senhor vende aqui?”
“Tudo que o senhor desejar”, disse o anjo.
“Oh”, disse eu, “isso é mesmo verdade?
Então eu gostaria de: paz na Terra, abolição da opressão, nenhuma fome mais, uma casa para refugiados,”...
“Espere”, disse o anjo, “o senhor não me entendeu.
Aqui não vendemos fruto algum, apenas sementes.”





            Publicado no jornal Cinform 08/11/2010 – Caderno Emprego