segunda-feira, 21 de julho de 2014

Inspirações alemãs: o negócio é ser humilde


 Vivemos uma época contraditória: nunca produzimos tantos excedentes materiais e, ao mesmo tempo, somos tão carentes de valores espirituais. Nesse ambiente sócio-competitivo e materialista, pequenos gestos nobres nos comovem a ponto de se tornarem sedutores ou fetiches.
Recentemente, assistimos a Copa do Mundo acontecida em nosso Brasil. Muito além do futebol, aliás, nativo da nossa alma, vimos outros gestos fenomenais. Simples e brilhante exemplo veio dos torcedores japoneses ao limpar, após os jogos, o espaço do estádio que ocuparam. Uma atitude que nos faz pensar tratar-se de uma torcida que fez uma campanha superior à do valente time oriental. Dificilmente, o time e seu futebol seria assunto para artigos jornalísticos pós-Copa, senão pela geração de valor do comportamento da educada torcida.
Igualmente superior, foi a performance extra-gramado da seleção alemã. A nobreza de comportamentos e atitudes do time germânico conquistou o Brasil. O massacre em campo contra nosso time, por 7x1, foi serenamente dissipado pelas demonstrações cavalheiras e respeitosas, dirigidas a nosso povo e símbolos. Venceram com mestria e dignidade.
Fosse uma empresa comercial, o time alemão seria vitorioso também. Aliás, o termo empresa se aplica corretamente a toda cruzada ou campanha que se realiza, conforme ensina o Dicionário Houaiss: “obra ou desígnio levada a efeito por uma ou mais pessoas; trabalho, tarefa para a realização de um objetivo; empreendimento. Ex.: as navegações portuguesas constituem e. notáveis”.
Com efeito, é com esse sentido de empresa que observamos o time campeão da Copa 2014, tirando algumas lições para nossos negócios: Valorizar a equipe como um todo pelo desempenho, ao invés de supervalorizar algumas estrelas; respeitar os adversários e, assim, valorizar mais a própria vitória; ser humilde e não tripudiar é reconhecer a transitoriedade dos fatos, já que ninguém será eternamente o melhor; como demonstrou a deslizada “dança do gaúcho”, em Berlim. Contudo, não seremos repetitivos nesse momento em que a mídia já disse tudo isso, inclusive da marca de gratidão e humildade que os vencedores registraram nos corações verde-amarelos.
A humildade é o contrário da arrogância. Por isso, os sábios e todos que têm sede de aprender são humildes. É típico do esnobe, pressupor que já sabe tudo, perdendo a chance de aprender mais e, assim, se desqualificando lentamente. “Tudo” é um nível impossível para a Educação e para a qualidade de nossos gestos, pois a potencialidade humana é ilimitada e elástica, esticando sempre quando dela necessitamos.
Ser humilde é ser humano. É ser fértil para o crédito alheio. Não por acaso, as palavras: humilde, humanidade e solo fértil derivam da mesma raiz latina “humus”. Simples: “do pó viemos e ao pó voltaremos”, faz a grande convergência. Então, ser humilde é atingir uma esfera humana tão primordial que desarma os argumentos mais bem elaborados nos conflitos e competições da vida, mesmo correndo o risco de ser mal interpretado em um meio social consumista e predador, porém dotado de posturas insustentáveis em prazos maiores.
Exemplo corajoso de humildade aconteceu em 1970, quando o chanceler alemão Willy Brandt, viajou à Polônia, para comparecer a uma cerimônia em memória das vítimas do Gueto de Varsóvia. Foi, certamente, um grande desafio fazer essa aproximação em meio a uma ferida tão recente. Mesmo tendo preparado o difícil e bem elaborado discurso, na hora da cerimônia, Brandt não conseguia achar as palavras certas; e, em silêncio total, ajoelhou-se e abaixou a cabeça, num profundo gesto de penitência que abriu os caminhos para a dolorosa reconciliação. Naturalmente, esse gesto gerou polêmica, mas valeu mais que mil discursos racionais, pois tocou diretamente nos indefesos corações de todos.
     Por fim, que os bons e verdadeiros exemplos sejam vistos como instrumentos de novas relações humanas. Assim, nos inspira mais um nobre cavalheiro alemão, J. W. Goethe, inspirador da Pedagogia Waldorf: “Tudo quanto se destina a surtir efeito nos corações, do coração deve sair”.


           Publicado no Jornal Cinform em 21/07/2014 - Caderno Emprego
Publicado na revista TI&N nº 19, de ago/2014

segunda-feira, 7 de julho de 2014

O novo Cacique Chá e o Senac


 Existem coisas que se eternizam e, até se tornam emblemáticas de épocas ou costumes de um povo. A Torre Eiffel virou o ícone de Paris, se incorporando de tal forma à paisagem da Cidade Luz, que gera em nossas cabeças uma vinculação imediata. A cultura possui seus símbolos, mas seus segredos mais profundos só se revelam aos autênticos ou iniciados. Daí, ser perturbador ao visitante externo, ter o contentamento realizado mais com o pitoresco do que com a essência do local.
Isso é o que acontece com o Cacique Chá e a cultura aracajuana. Pois, como inúmeras outras casas comerciais, esse restaurante-boate (familiar) foi inaugurado no ano de 1950, no centro da cidade de Aracaju. Porém, se torna único, por sua história, como um ponto de encontro da boêmia, da intelectualidade e da política sergipana. No duro período do regime militar, a casa abrigou as conversas da esquerda e dos que faziam a oposição possível, de então. Jornalistas e formadores de opinião renovavam e difundiam suas ideias, auxiliados por generosos goles etílicos e deliciosos petiscos. A ambiência favorecia os encontros, afinal alguém já disse que, “não é possível estar dentro da civilização e fora da arte”.
Certamente, a gastronomia é um atrativo para um restaurante; a simpatia dos proprietários e de sua equipe, também. Acrescente ao local a mais fina arte modernista brasileira e teremos a fórmula de décadas de sucesso desse empreendimento, hoje, tombado pelo Patrimônio Artístico. O autor dos painéis pintados diretamente sobre as paredes é o internacional Jenner Augusto. Sergipano, foi precursor da Arte Moderna. Atuante, pois, além da influência local, integrou o movimento de renovação das artes plásticas na Bahia, durante a década de 50, junto com Mário Cravo Jr., Genaro de Carvalho, Carlos Bastos e Carybé, entre outros.  

No site do Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo – USP -, constam ainda os seguintes dizeres sobre sua biografia: “Filho de uma professora, Jenner passou grande parte de sua infância mudando pelas cidades do interior de Sergipe. Humilde, trabalhou como engraxate, sapateiro, ajudante de alfaiate, pintor de paredes, até começar a fazer cartazes para filmes. Começa a se interessar pela obra de Horácio Hora (1853 - 1890) na década de 40, o que incentiva a sua pesquisa no campo da pintura. Seus primeiros trabalhos são acadêmicos, já que o contato com o Modernismo já amadurecido no Rio de Janeiro e em São Paulo era quase impossível. Por volta de 45, data de sua primeira exposição, começa a integrar-se no ambiente artístico de Aracajú, e em 49 realiza a decoração do Bar Cacique, marco da Arte Moderna no Sergipe, onde aparece clara influência de Portinari, prova que as informações dos centros culturais do país começavam a chegar às capitais”.

Esses dias, o Governo de Sergipe reinaugurou o prédio do Cacique Chá, restaurando com primor a rica obra de Jenner Augusto, assim resgatando uma bela parte da nossa história e acervo artístico. A utilização desse novo espaço se fará por meio do Senac em Sergipe, que está devidamente autorizado a oferecer amplo acesso à apreciação das obras  de Jenner, combinado com o funcionamento de uma confeitaria/café-escola. Desse modo, haverá convergência de ações culturais, educacionais, gastronômicas e turísticas, reforçando o interesse público no uso desse patrimônio, sua memória e enaltecendo os valores da terra.

Pelo visto, muito do que se realiza hoje foi sonhado ali, décadas atrás. Vários dos atuais “caciques” sergipanos foram jovens idealistas, frequentadores do Cacique Chá. Desejamos que nele, o Senac forme novos profissionais para o mundo do trabalho, futuros “caciques” com muitas competências, completando o famoso nome e perfazendo a correspondente sigla CHA (Conhecimentos, Habilidades e Atitudes).

    Parabéns para os responsáveis, pela sensibilidade e iniciativa de recuperar e disponibilizar, aos de hoje, essa obra prima das artes plásticas universais. Aliás, como disse Pablo Picasso: “Na arte, não existe passado nem futuro. A arte que não está no presente não existirá nunca”.


Publicado no Jornal Cinform em 07/07/2014 - Caderno Emprego
            Publicado no jornal Coerente de 01/08/14 p.03