terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Empresas não são máquinas



     É ainda bastante comum a imagem emblemática de uma empresa representada por engrenagens. Nada mais inadequado nos dias atuais que essa grotesca associação. O mundo dos negócios tanto reflete a cultura de uma sociedade quanto é capaz de influenciar nas suas mudanças. Assim, pensar a empresa como uma máquina com suas rodas dentadas é a imagem dos sonhos mecanicistas reinantes a partir do século XIX. Desses ideais cartesianos aplicados à economia surgiram correntes da administração de empresas que se tornaram clássicas, a exemplo do fordismo-taylorismo – a administração científica.


Nesta concepção econômica, a busca pela eficiência é determinante e centralizadora das ações empresariais, gerando como fruto maior a linha de montagem industrial, onde há um nível máximo de especialização dos operários em pequenas etapas do processo de produção. Trata-se, sob a ótica da dignidade humana, de um trabalho alienante e limitador do desenvolvimento integral do trabalhador. Neste ambiente, o homem é treinado para executar atividades mecânicas repetitivas como apertar sempre os parafusos fixadores de um elemento da máquina. Pedagogicamente falando, é o desenvolvimento da habilidade sem a ampliação correspondente do conhecimento e das atitudes. Aqui o homem é adestrado para substituir a máquina, numa concepção de educação condicionante à moda de Skinner. 


Como foi dito, o fordismo-taylorismo é uma corrente muito presente no nosso mundo econômico, extrapolando a aplicação original da linha de montagem industrial para grassar nos serviços, particularmente no serviço público, por meio da burocracia. Desta forma, a burocracia repete os princípios da linha de montagem industrial no setor de serviços, desumanizando (embora digam que é impessoalizando) esta atividade.  


O moderno paradigma da administração de empresas é holístico ou orgânico. Aqui, temos a imagem das organizações como se fossem seres vivos e, como tal, sujeitos a falhas, doenças, crescimento, aprendizagem, maturidade e morte. Nesta corrente, as pessoas são vistas como elementos essenciais do processo organizacional por seus valores, conhecimentos, atitudes e habilidades.


Na atual ordem econômica o conhecimento é o ativo de maior valor, desfazendo a lógica da produção fragmentada e imbricada ao produto em si. Na Califórnia, EUA, o PIB está dividido em 2% para a vigorosa agricultura, maior do país. A indústria californiana responde por 18% deste PIB e o setor de serviços abarca nada menos que 80% do produto interno bruto do mais rico estado americano. Os grandes motores da economia californiana são os entretenimentos de Hollywood e os softwares, marcas e patentes do Vale do Silício. É possível trocar os atores de um mesmo papel no meio do filme sem que isso seja visível e não altere a compreensão do enredo? É possível substituir um programador de sistemas no meio de um projeto sem transtornos maiores?


Penso que há uma única resposta para essas duas perguntas: Não!! Aqui o ser humano não é uma máquina que pode ser substituída por outra com baixo impacto na produção. Na linha de montagem taylorista a substituição de um trabalhador por outro não deveria ocasionar diferença no produto final. 


Devemos entender que a imagem orgânica é muito mais fiel à realidade das organizações. Assim como no corpo humano, nas organizações existem órgãos mais vitais que outros e também, atividades redundantes que permitem maior segurança ao seu funcionamento. Por exemplo, caso um hipotético tesoureiro falte ao trabalho por um dia, a empresa, certamente, não irá a falência por isso. Nem mesmo parará seu funcionamento, embora prejudicado.  O mesmo acontecerá com inúmeras outras pessoas e áreas da organização. Isso parece muito com o funcionamento do nosso corpo físico quando algum órgão deixa de funcionar temporariamente e o conjunto ressente disto mas não morre imediatamente. O mau funcionamento de um rim, por exemplo, acarreta em sobrecarga para o outro por todo o tempo necessário. Situação semelhante ocorre frequentemente nas empresas, onde um funcionário improdutivo obriga outros a fazerem a parte dele, adoecendo a empresa como um todo, porém sem implicar em falência do organismo.


Diferentemente, quando uma máquina tem uma engrenagem danificada interrompe instantaneamente seu funcionamento como um todo. A associação das organizações às máquinas é uma forma de tentar reduzir a complexidade natural de um sistema formado por pessoas em que se fazem presentes as individualidades e as interações entre elas, com seus humores, valores e culturas, colorindo o mundo sem economia de cores.


Afinal, empresas não são máquinas, equipes não formam engrenagens e homens não são rodas dentadas. São pessoas, físicas ou jurídicas.      

                                           

    

Publicado no jornal Cinform 20/12/2010 – Caderno Emprego

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Confiança, a célula-tronco da vida econômica



     Todos sabem que células-tronco ou células-mãe, são capazes de multiplicar-se e diferenciar-se nos mais variados tecidos do corpo humano (sangue, ossos, nervos, músculos, etc.). Sua utilização para fins terapêuticos representa muita esperança para o tratamento de inúmeras doenças. Assim, a célula-tronco é o fio condutor que pode ser transformada em várias outras células biológicas então, ela nos servirá de metáfora para exemplificar a vida econômica a partir de uma visão orgânica.


 Ao refletirmos sobre a confiança, enquanto valor da interação humana, podemos pensar nela como a célula-tronco de toda atividade social e econômica. Por quê?


Nas relações sociais, a confiança é um pressuposto básico. Ninguém quer a amizade de quem não confia. Seguramente pode-se afirmar que a confiança é um princípio anterior à própria célula-tronco humana. Senão, na visão criacionista, como explicar que Adão e Eva, primeiros portadores de células-tronco humanas na Terra, traíram a confiança de Deus ao cometerem o pecado original.  Ou, na versão evolucionista, quando confiamos na teoria do big bang já que aí também não havia nenhuma célula-tronco humana para testemunhar.


Que pensar então sobre o valor da confiança nas relações econômicas? Nesse campo, a confiança é o princípio maior. Princípio este, que rege todo o seu funcionamento, determinando desde a concessão de crédito e o valor das ações na bolsa de valores, até a escolha do consumidor por uma determinada marca ou a inflação típica de uma moeda desacreditada. Hoje, sabe-se que a reputação é um forte parâmetro para o valor de uma marca no mercado.


Com efeito, toda atividade mercadológica tende a afrouxar seus mecanismos burocráticos à medida que se ganha confiança entre as partes. Isso significa que a burocracia e as garantias contratuais são entraves para os negócios, tornando-se imposições desajustadas ao verdadeiro e legítimo ambiente econômico. A burocracia nos negócios é um conhecido mal necessário. 


Ainda na década de 50, o imortal autor da administração Peter Drucker afirmava sobre as organizações: “Mesmo quando naturalmente prescrições e controle, recompensa e punição são elementos constituintes de toda organização, confiança mútua forma o fundamento, o ponto de partida, o sangue vital”. Apesar de toda mudança de paradigma ocorrida no âmbito da administração de empresas ao longo de 40 anos, a confiança não perdeu qualquer espaço na base dos negócios, o que leva o famoso guru a reafirmar nos anos 90, na qualidade de visionário do ambiente de redes que vivenciamos hoje: “Nós precisamos, com base no reconhecimento da dependência mútua, refletir em conjunto e firmar acordos sensatos, realistas, que tragam vantagens para ambas as partes. Para isto é necessária a confiança. Essa rede mundial de dependências mútuas só pode funcionar na base da confiança mútua”.


É fascinante que Peter Drucker abra e encerre sua carreira profissional com este tema gerador: a força da confiança mútua é a única capaz de oferecer a uma vida econômica mundial, um fundamento saudável.


Mas, confiança é algo sutil e frágil. As crises econômicas, as manipulações de índices econômicos, as informações privilegiadas nos mercados de capitais, as falências fraudulentas, as auditorias coniventes, as moedas podres e outros cânceres do mundo econômico, fazem os laços de confiança implodirem verticalmente. Conseqüentemente, uma incorporadora de imóveis nega-se a dar crédito ao mutuário, e este, por sua vez, também desacredita na capacidade da empresa de cumprir o contrato e entregar o prometido bem pronto.


Nesse contexto surge uma nova forma de estabelecer vínculos de confiança entre os consumidores. O relacionamento horizontal, ou seja, entre consumidores que opinam sobre produtos e serviço através das redes sociais da internet com intensidade cada vez maior. Philip Kotler, o papa do marketing na atualidade, afirma em seu último livro (Marketing 3.0) que: “Hoje existe mais confiança nos relacionamentos horizontais que nos verticais. Os consumidores acreditam mais uns nos outros que nas empresas. A ascensão das mídias sociais é apenas um reflexo da migração da confiança dos consumidores das empresas para outros consumidores”.  Afinal, com igual desempenho da célula-tronco, a confiança constrói novos tecidos econômicos em substituição aos corrompidos, reorientando os fluxos de capitais para contextos mais saudáveis.


Espero ainda ver o mundo econômico movido pelo impulso da fraternidade, isto é, pela disposição de através do trabalho sempre servir o próximo. Que seja um mundo onde o capital social nasça do encontro amoroso da confiança, célula-mãe das relações humanas, com o crédito paternal. Crédito esse, que por razões obvias dispensa o exame de DNA.




Publicado no jornal Cinform 06/12/2010 – Caderno Emprego

terça-feira, 30 de novembro de 2010

Miguel Nicolelis e a ciência de educar



     O Brasil, país de grandes contrastes, enquanto apresenta números indesejáveis nos indicadores sociais, simultaneamente oferta grandiosidades de causar inveja às maiores nações de nosso planeta. Uma dessas grandiosidades chama-se Miguel Angelo Laporta Nicolelis, pesquisador chefe da equipe de neurociências da Universidade Duke, EUA.


Após cumprir extensa formação acadêmica com doutorado e pós-doutorado nas melhores universidades do mundo, Dr. Nicolelis desenvolve pesquisas muito promissoras no campo da neurociência despertando esperança para pessoas que sofrem danos neurológicos causados por traumas acidentais ou mesmo por doenças como o Mal de Parkinson.


Uma das linhas de pesquisa que integra o Brasil aos Estados Unidos é o implante de eletrodos no cérebro de cobaias para que comandem robôs a partir de estímulos cerebrais. Assim, máquinas são integradas a cérebros que as comandam pela “força do pensamento”. Em outras palavras, isso significa que será possível desenvolver próteses neurais que permitirão retomar a mobilidade de membros paralisados de pessoas com deficiência motora. O pioneirismo dessas pesquisas leva o nome do Dr. Nicolelis a constar na lista dos 20 maiores cientistas da atualidade, segundo a revista Scientific American e também a ser o único brasileiro que foi matéria de capa nos 140 anos de vida da renomada revista Science.


Autor de mais de 150 artigos publicados em importantes revistas científicas do mundo, Nicolelis é ainda detentor de cerca de 40 prêmios internacionais e, cá pra nós, forte candidato ao Prêmio Nobel de Medicina.    


 Em 1º de dezembro deste ano, teremos a presença do Dr. Nicolelis em Aracaju proferindo a palestra “A ciência como agente de transformação social”, numa promoção do SENAC local por contemplar diretamente seus eixos pedagógico, tecnológico e da saúde. Além do currículo primoroso, que por si só justifica a presença do nobre cientista em nossa terra, existem outros ingredientes que valorizam e diferenciam sua personalidade no mundo cientifico e tecnológico que ouso opinar a seguir.


- Do ponto de vista científico, o Dr. Nicolelis atua a partir de uma visão integral da atividade cerebral estudando conjuntos de centenas de neurônios simultaneamente, ao invés de isoladamente, numa visão metodológica que privilegia observar o funcionamento neural em rede, portanto, menos reducionista.


- Sob a ótica geopolítica, os principais centros de pesquisas nacionais estruturados pelo cientista se localizam no nordeste brasileiro, rompendo a regra de concentração da ciência e tecnologia na região sudeste. Embora tais investimentos não caracterizem uma ruptura, mas sim, uma integração nacional, posto que muitas dessas pesquisas envolvem o Hospital Sírio-Libanês de São Paulo com o Instituto Internacional de Neurociências de Natal, criação sua, no Rio Grande do Norte. 


- Pelo olhar social, são desenvolvidos programas inclusivos de apoio a gestação de alto risco e para pessoas com deficiência, além de projetos educacionais para estudantes da rede pública de ensino nos centros de pesquisa, centros de saúde e nos centros de educação científica infanto-juvenil. Estes últimos estão presentes no Rio Grande do Norte e na Bahia.


Este mês, pessoalmente visitei o Centro de Educação Científica, Escola Alfredo J. Monteverde, em Natal – RN, onde vi um belo trabalho pedagógico em ação. Trata-se de um ambiente escolar dotado de seis laboratórios científicos: Ciência e Tecnologia, Robótica, Química, Biologia, Física, História e  Ciência e Arte, além de Biblioteca Multimídia, Laboratório de Informática e Espaço de Convivência. Esta escola, gratuita, que abriga 600 alunos da rede pública de ensino selecionados através de sorteio, formam turmas bastante heterogêneas de 25 alunos em cada laboratório dotado concomitantemente de 2 professores. Os laboratórios e oficinas são muito bem estruturados de equipamentos e material didático, mas, o mais importante é a dedicação exclusiva e alto compromisso dos docentes com o projeto de ensino-aprendizagem e a sua própria educação continuada. Nessa escola, apesar de não haver qualquer critério de seleção dos alunos por mérito cognitivo ou comportamental, o que se vê é o brilhantismo do trabalho pedagógico que muito bem aplicado faz deste centro um lugar de harmonia, autodisciplina e produção acadêmica invejável a qualquer escola elitizada do nosso Brasil. Uma atuação pedagógica viva e vigorosa em que está presente a educação do pensar, do sentir e do agir. 
 

Parabéns aos brasileiros que fazem o encontro entre os expoentes nacionais, positivos com os negativos, reinventando o país com novos e inesperados protagonistas, frutos da liberdade que só uma educação verdadeira pode proporcionar. Parabéns Professor Nicolelis.





Publicado no jornal Cinform 29/11/2010 – Caderno Emprego

terça-feira, 9 de novembro de 2010

Biomimética, a galinha dos ovos de ouro


     A biomimética (imitação da vida) é um moderno ramo da ciência dedicado a estudos de princípios e modelos da natureza visando alcançar soluções engenhosas para a indústria, a saúde, a ecologia e outras diversas áreas da atuação humana. Paralelamente, a biônica também converge para finalidade semelhante, a exemplo do nobre desenvolvimento de próteses anatômicas e, mais recentemente, neurais, que permitirão cada vez mais a inclusão com qualidade de vida para milhões de pessoas com algum tipo de deficiência no mundo.


Mesmo sendo um ramo novo da ciência, a biomimética crescerá muito nos próximos anos devido ao fato de que a natureza que dispomos hoje é fruto de milhões de anos de evolução e aperfeiçoamento contínuo de seus processos vitais e ambientais. Temos que reconhecer que a natureza sempre alcança seus objetivos com economia, com um mínimo de energia, preservando seus recursos e reciclando completamente seus resíduos.


O Velcro, aquela tira aderente que se aplica a inúmeras finalidades, é a imitação do incomodo carrapicho que teima em permanecer agarrado a nossa roupa denunciando que caminhamos pelo mato. A máquina de diálise renal é outro exemplo inspirado na natureza, assim como o marca-passo cardíaco, ou até, um simples par de pés-de-pato usado por mergulhadores, a lente de contato e os aparelhos auditivos para idosos, são todos modelos tecnológicos copiados da natureza.


Na indústria existem pneus inspirados nas garras dos gatos, conferindo maior capacidade de frenagem. Também, asas de aviões, cascos de navios e submarinos que imitam a pele de peixes obtêm maior fluidez e a consequente economia de combustível. Merece destaque o carro criado pela Mercedes Benz, o Bionic, cuja estrutura é 1/3 mais leve que a de modelos semelhantes, oferece resistência estrutural 40% superior e o invejável coeficiente aerodinâmico de 0,19 que lhe assegura 20% de economia de gasolina; é o que aprendemos com seu modelo inspirador: o pequeno Peixe-Cofre, habitante de águas marinhas tropicais.


Porém, não só o aspecto funcional ou estrutural é motivo de estudo da biomimética, já que a natureza, como afirmamos, é muito econômica nos seus processos. Uma aranha consegue fazer teias com fios de seda finíssimos de alta resistência. Proporcionalmente, os fios da aranha são superiores ao mais resistente fio da engenharia humana, o Kevlar: produto da engenharia aeroespacial desenvolvido pela DuPont, composto de fibras orgânicas de poliamidas que possui propriedades de resistência a tração superiores ao aço. Mas o que queremos registrar no modelo natural é que a maior vantagem não está na resistência superior em si, e sim na forma de produzir o fio. Enquanto a produção do Kevlar exige altas pressões, concentrações elevadas de ácido sulfúrico e temperaturas superiores a 100° C, o menosprezado aracnídeo produz seu majestoso fio à temperatura corpórea. O mesmo podemos aprender com os moluscos, capazes de produzir conchas de dureza superior a cerâmica das ogivas de foguetes e colas de aderência inigualável que os mantêm grudados as superfícies de barcos por longos períodos em condições extremas. Também, sábias galinhas podem nos ensinar como fabricar cimento em condições econômicas, já que transformam calcário em casca de ovo, dotada de propriedades físicas melhores que as do cimento portland que fabricamos calcinando o mesmo calcário a cerca de 1480° C.


A natureza mostra-se de uma inteligência superior à de nossa ciência e tecnologia. São inúmeros casos de soluções naturais que nos podem ensinar muito a respeito de como melhorar nossos agressivos processos de produção. Mas, precisamos nos despir de vaidades e ansiedades para frearmos essa corrida tecnológica louca, em que é necessário acelerar continuamente na busca de resultados instantâneos. Assim então, creio que poderemos observar a natureza produzindo milagrosas metamorfoses no seu ritmo próprio. No século XIX, Goethe – poeta e cientista alemão, autor de um método de observação de fenômenos naturais - reclamava: “Não precisamos apenas de arte e ciência; precisamos também de paciência.”


Destruir a natureza sem conhecê-la é matar a galinha dos ovos de ouro. A biomimética é mais uma mensagem que nos chega dizendo que podemos crescer com preservação natural. O contrário é a insana busca pela satisfação imediata sem considerar o legado desastroso que deixaremos para nossos filhos e netos.


Para reflexão, um conto da antiga corrente judaica dos Chassidim:    

Num sonho eu entrei numa loja.
Atrás do balcão estava um anjo.
Eu lhe perguntei: “O que o senhor vende aqui?”
“Tudo que o senhor desejar”, disse o anjo.
“Oh”, disse eu, “isso é mesmo verdade?
Então eu gostaria de: paz na Terra, abolição da opressão, nenhuma fome mais, uma casa para refugiados,”...
“Espere”, disse o anjo, “o senhor não me entendeu.
Aqui não vendemos fruto algum, apenas sementes.”





            Publicado no jornal Cinform 08/11/2010 – Caderno Emprego



segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Empresas espelham homens



     Durante o processo de criação o homem vive um momento de inspiração, no qual ocorrem as idéias a serem aplicadas no seu desafio. Aqui, a palavra inspiração tem o mesmo sentido que o movimento da inspiração do ciclo da nossa respiração. É o momento em que trazemos para dentro de nós o elemento exterior que será metabolizado por nossa interioridade, para em seguida ser expirado por nossas narinas ou por nossas ações.


     Porém, que metabolismo é esse por que passam as idéias? É o processo de identificação conosco, ou seja, é a humanização da criação. Desta forma, podemos afirmar que tudo que o homem cria ou faz é a reprodução de si próprio.


     Podemos então, sem sustos, afirmar que o mundo exterior é plenamente espelhado ou refletido num mundo interior igualmente infinito. Esse mundo interior é o espaço a ser trabalhado através da educação, para que cresça e acomode uma compreensão mais ampla e complexa da realidade exterior.


     Se nos é difícil compreender isso hoje, temos um consolo e um forte estímulo também para reverter nossa limitação. Na antiga Grécia, em 400 a.C., Sócrates reafirmava: “Conhece-te a ti mesmo e conhecerás os deuses e o universo”.


     Quando criamos uma empresa ou qualquer outra instituição o fazemos a partir do modelo do desenvolvimento humano vivido, com primeira infância, segunda, adolescência e fase adulta.


     Na primeira infância, fase que vivemos dos 0 aos 7 anos, a prioridade é plasmar um corpo físico próprio, emancipado das células doadas pelo ventre materno. A criança dessa idade possui saúde instável e variações bruscas de febres que revelam pouco domínio sobre seu metabolismo. Do mesmo modo, as empresas nascentes priorizam a construção de seu corpo físico, dotado, frequentemente, de um espaço físico com móveis, utensílios e equipamentos imprescindíveis ao seu desenvolvimento. A saúde deste empreendimento é instável e, semelhantemente à criança, suas células podem ser fruto de empréstimos também.


     A fase seguinte, entre os 7 e 14 anos, é da criação de hábitos e ritmos na criança e pela busca de ídolos. Todos os hábitos, bons e ruins, cultivados nessa fase são, via de regra, solidificados pelo resto da vida. Nas empresas esse mesmo fenômeno se dá pela necessidade de criação de processos internos, de organizar suas rotinas, estabelecer alçadas e limites de competências, organogramas e evidenciar sua missão e visão, a serem idolatrados. Agora, a empresa necessita mais organizar seus processos que seus bens físicos.


     A adolescência, compreendida entre os 14 e os 21 anos, é conhecida por impulsionar os jovens em direção à construção do social. É o período em que há necessidade de buscar a identidade grupal, a delimitação de seu espaço coletivo e a afirmação da individualidade através de riscos a que se expõe. Uma fase, como sabemos, de conflitos freqüentes. 

     Paralelamente, nas empresas, uma vez superada a obrigação de ser organizar e estabelecer seus processos internos, a necessidade passa a ser a criação do social em seu setor de atividade. Neste ponto, as organizações passam a serem vistas como modelos potenciais em seu campo de atividade e, assim, seus gestores sentem-se convocados a participarem mais ativamente do movimento classista, seja por representação sindical, seja opinando na elaboração de políticas públicas atinentes ao seu negócio. A empresa atinge nesse momento uma grande visibilidade, que lhe confere alta exposição e consequentes riscos à sua imagem decorrentes de disputas por espaço político.


     Finalmente, a fase adulta se caracteriza pela formação da identidade. Nessa idade, os seres humanos fortalecem a própria imagem e expõe seu caráter como atributo construído ao longo da vida fazendo dele, por vezes, seu principal valor ao buscar reproduzir nos seus descendentes essa marca  individual. Nas empresas, chegada essa fase, ocorre um processo de institucionalização de sua imagem. É um período de engessamento de seus métodos e valores. Cria-se uma imagem tão sólida e impregnada de valores que oferece grande segurança aos seus funcionários, parceiros, fornecedores e clientes, mas que pode virar uma ameaça à sua própria sobrevivência na medida em que perde o dinamismo exigido pelo mercado.


     Essa comparação meramente ilustrativa é para mostrar a partir da imagem biográfica do ser humano organizada pela Antroposofia que as nossas criações são inspiradas em nós mesmos. Nas pessoas o ciclo biológico é muito próximo entre os indivíduos, permitindo homogeneizar a regra cronológica. Diferentemente, nas organizações a sequência é bastante comum a todas, porém, os tempos podem variar bastante entre elas. Isso já se dizia há mais de 25 séculos, na famosa Grécia quando Protágoras afirmava pelas esquinas que: “O homem é a medida de todas as coisas”.       



Publicado no jornal Cinform 25/10/2010 – Caderno Emprego

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Agora a educação vai pro espaço

 

Há mais de cinquenta anos, o mundo assistia ao lançamento do satélite pioneiro Sputnik, originado na extinta URSS. Fato este que marca o início da disputadíssima corrida espacial protagonizada por soviéticos e americanos. A conquista do espaço sideral representava o poderio militar dos países líderes de blocos geopolíticos. A superioridade americana só se tornou visível quando a nave Apolo XI, tripulada por três astronautas pousa na lua em 1969, levando o homem a por os pés no nosso satélite natural pela primeira vez. Cena transmitida ao vivo para um bilhão de espectadores na Terra. Famosa tornou-se a frase do astronauta Neil Armstrong, pioneiro a sair da cápsula e caminhar na lua: “Um pequeno passo para um homem, um grande salto para a humanidade”.   


Os astronômicos (literalmente) orçamentos destinados à corrida espacial foram reduzidos gradativamente após o fim da guerra fria, implicando na economia de bilhões de dólares. Embora a NASA, agência espacial americana, tenha gasto muito dinheiro na sua época áurea, também, foi uma das instituições mais transformadoras do mundo. Das suas pesquisas resultou o registro de cerca de 6.300 patentes de produtos inovadores, destacando filtros para água, aparelhos ortodônticos invisíveis, lentes óticas resistentes a arranhões, detectores de fumaça ajustáveis, ferramentas elétricas sem fio, dentre outros.


Hoje, a corrida espacial está mais difusa nos seus objetivos, ofertando serviços inestimáveis nas áreas de logística, navegação em geral, comunicação e controle ambiental. O GPS (sistema de posicionamento global) é fruto de tecnologia espacial, assim como as transmissões de sinal de TV de uma Copa do Mundo irradiada simultaneamente para centenas de países. O fato é que hoje, faz muito tempo que o homem não pisa na Lua.


Mas o que a corrida espacial tem a ver com educação? Do ponto de vista da educação profissional temos ai à oportunidade de gerar técnicos altamente qualificados para a crescente demanda por serviços prestados pelos mais diversos satélites artificiais, inclusive brasileiros. Já, sob a ótica da educação formal, temos no campo da astronomia e astronáutica a infinita possibilidade de atividades transversais ou interdisciplinares motivadoras. Certamente, por trás do lançamento de um projétil que percorrerá longos trajetos com alterações ambientais extremas, há de ser trabalhado um arranjo de várias disciplinas do conhecimento humano para a superação dos severos desafios impostos ao nosso foguete. Durante a viagem espacial, por exemplo, o lado voltado para o sol em um foguete chega a aquecer a mais de 120° C, enquanto o lado que está na sombra esfria a -100° C. Qual a alimentação adequada para os tripulantes? Como tratar os excrementos humanos? Como a ausência de gravidade altera a saúde física e psíquica dos seres humanos? Essas perguntas norteiam temas geradores para a pesquisa e a criatividade das respostas que, com efeito, ultrapassarão os conteúdos de qualquer disciplina escolar isolada.


Costumo diagnosticar que a deficiência educacional brasileira está na ausência ou no sub-dimensionamento de atividades pedagógicas para as boas práticas do conviver e do desenvolvimento de hábitos socialmente construtivos. Também definhamos nas atividades pedagógicas que eduquem a vontade, ou seja, a volição. Enquanto gestor de escola de educação profissional, tenho minha atenção voltada para a formação de nossos alunos no conhecimento, nas atitudes e nas habilidades necessárias aos profissionais competentes. Costuma-se exagerar na construção do conhecimento nos alunos, como se isso bastasse. Vejo o conhecimento como a porta de entrada para o trabalho, porém, o que conserva o emprego e garante ascendência na carreira profissional são as atitudes e habilidades do trabalhador. Menos de 20% das demissões são ocasionadas por falta de conhecimento do brasileiro.


Nesse cenário, o SENAC em Sergipe está desenvolvendo a corrida espacial entre centenas de adolescentes aprendizes que estão empenhados em levar a marca de suas empresas para o alto, estampadas em foguetes que  estão fabricando, aplicando conhecimentos diversos, desenvolvendo habilidades manuais e técnicas, e acima de tudo, aprendendo a trabalhar em equipe. Esses bólidos estão sendo construídos com material reciclado, e o combustível propulsor é água pressurizada. Inócuo, portanto, do ponto de vista ambiental. Nessa oficina existe um orientador habilitado pela Agência Espacial Brasileira e a contagem regressiva já está em curso até o dia 16 de outubro quando os foguetes serão lançados às 9 horas, no Parque da Sementeira. Esse espetáculo é uma homenagem aos professores pela passagem do seu dia, 15 de outubro.


Ah! E por que o homem não pisou mais na Lua? Talvez atendendo a pedidos diversos, como na marchinha:


“Todos eles estão errados/ A lua é dos namorados/ Lua, oh lua/ Querem te passar pra trás/ Lua, oh lua/ Querem te roubar a paz/ Lua que no céu flutua/ Lua que nos dá luar/ Lua, oh lua/ Não deixa ninguém te pisar.”

   



Publicado no jornal Cinform 11/10/2010 – Caderno Emprego



segunda-feira, 27 de setembro de 2010

A resposta está em suas mãos

 

Costumo dizer que possuímos maior facilidade de responder às nossas questões por meio de uma visão bipolar que de uma visão tridimensional. Tal forma de ler o mundo nos compromete a uma melhor compreensão devido à insuficiência de dados. Lamentavelmente, o homem costuma degradar para facilitar o que pretende controlar ou produzir, numa relação extremamente danosa para o equilíbrio da natureza e seus sistemas ecológicos. Essa degradação nos leva a descristalizar o reino mineral, de onde extraímos suas riquezas, abandonando substâncias amorfas. No reino vegetal adicionamos às plantas sais minerais, fertilizantes ou defensivos, talvez numa tentativa de mineralizar e, portanto, degradar os vegetais. Com os animais, tendemos, cada vez mais, ao confinamento abusivo, no qual há severas restrições à mobilidade. Mais uma vez, degradamos, agora com a aplicação de uma vida vegetativa ao reino animal. E, finalmente, quando avaliamos as práticas da condução do ser humano, vemos insistentemente, ações de coletivização contrárias ao desenvolvimento do livre arbítrio, objeto maior de nossa aventura humana. A negação da individualidade nos leva a sermos vistos como uma espécie dotada de comportamentos padrões massificados, e não como indivíduos únicos.     


A compreensão de um universo dotado de dois pólos é uma imagem simplista da verdadeira realidade. Luz ou escuridão, mercado ou Estado, dentro ou fora, criacionista ou evolucionista, simpatia ou antipatia, sujeito ou objeto, atração ou repulsa, vivo ou morto, dentre outros, é uma classificação pobre e insuficiente para a complexidade do nosso universo.


A chave inicial para ampliar a nossa compreensão do mundo está na tridimensionalidade das coisas, e não na bidimensionalidade. Desde quando nossos mais remotos antepassados começaram a observar as estrelas que notaram a tridimensionalidade das coisas presentes no mundo. A partir dos astros perceberam o tempo cronológico dividido em passado, presente e futuro. Também aprenderam a se deslocar no espaço físico, coincidentemente, dotado das três dimensões: altura, largura e profundidade.


Nós, seres humanos, somos dotados de instrumentos naturais para a leitura tridimensional do que observamos: o pensar, o sentir e o agir. Esses instrumentos se aplicam as três dimensões a seguir.


O pensar nos relaciona ao passado vivido e já registrado em nosso cérebro. Por isso, temos muito mais facilidade em dizer quais foram os últimos mil resultados de loterias já realizadas que apenas um único resultado futuro. No espaço tridimensional temos o pensar associado à profundidade.


Já o sentir, isto é, o emocional humano, é nosso instrumento de leitura do presente, do aqui e agora. É o sistema responsável por nos centrar no que fazemos e pensamos. Em resumo, é a sede de nossas atitudes e da nossa convivência social. No espaço tridimensional o sentir relaciona-se à largura, ou seja, à horizontalidade.


Assim, obviamente, o agir é o nosso instrumento do futuro. Através de nossas ações fazemos o futuro acontecer. É o elemento transformador. As mudanças resultantes de nossas ações são sempre posteriores a elas. Por isso, só podemos mudar o futuro e jamais o passado. Dentre as três dimensões espaciais, associamos o agir ao erguer, isto é, à verticalidade.


Para aplicarmos a tridimensionalidade nos exemplos anteriormente citados veremos: que entre a luz e a escuridão encontram-se todas as cores. Que, além de mercado e Estado encontramos o terceiro setor. Veremos ainda que a borda encontra-se tanto dentro quanto fora de uma figura geométrica. Que antropósofos formam uma terceira via entre criacionistas e evolucionistas. Que a empatia supera a simples simpatia ou antipatia. Que entre o objeto e o sujeito está o conhecimento, ou não haveria o sujeito. Que além da atração e repulsa estão todas as órbitas. Que para vivo ou morto, ops....prefiro que leiam abaixo.


No livro Artistas do invisível, de Allan Kaplan, há uma linda história, originada em uma vila de Botsuana, a respeito de alguns jovens que queriam desafiar a sabedoria do ancião da aldeia. O líder desses jovens pegou um passarinho, apertou-o com firmeza para escondê-lo na mão e foi ter com o ancião, levando o seguinte desafio: “Você, que tanto sabe, diga-nos se esse pássaro está vivo ou morto”. A ideia era que, se o ancião respondesse que o pássaro estava morto, o jovem o soltaria, para provar-lhe que estava errado. E, se o ancião respondesse que o pássaro estava vivo, o jovem o esmagaria na mão, para provar-lhe que estava errado. Enfim, não havia jeito de o ancião vencer a prova. Diante do desafio, o velho homem olhou bem nos olhos do jovem e disse, com toda segurança: “A resposta está em suas mãos”.





Publicado no jornal Cinform 27/09/2010 – Caderno Emprego

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Gestão e pedagogia: Princípios comuns

 

Guardo, com muito zelo, um exemplar da revista Informática Exame, de março de 1996. Esse querido exemplar me traz a perfeita noção do quanto nossa sociedade se transformou em tão pouco tempo. Lá está uma chamada para uma edição especial sobre tecnologia da informação com o seguinte título: “entre no mundo da informação sem limites”, com promessas de apresentar “a internet e o boom do comércio eletrônico”. Acontece que no anúncio consta um número de telefone à disposição dos promissores anunciantes, mas não há email ou endereço de internet disponível porque simplesmente, em 1996, não existia internet no Brasil, exceto algumas ilhas da rede. Nesta mesma revista, em outra página, tem um cupom para “acesso direto” aos anunciantes, via Correios, sem necessidade de selar. Encontro, ainda, uma propaganda de um computador Pentium 100, em imperdível promoção por R$ 4.200,00, cerca de R$ 8.000,00, hoje, se corrigido pelo dólar, ou seja, dez vezes o preço de um PC atual de capacidade muito superior.


Assim era o mundo em 1996, ano da promulgação da atual LDB – Leis de Diretrizes e Bases- que regulamenta todo o sistema educacional brasileiro. Embora seja uma Lei moderna, não foi desenvolvida para o contexto atual, o mundo da EaD - educação a distância, das redes sociais, do lap top para cada criança, das lan houses cidadãs, do ENEM, do ENADE, das cotas raciais (sic), dentre outras coisas.


Diante de uma transformação social tão veloz, há de se supor que, assim como muitos jovens de hoje são completamente incapazes de imaginar o mundo sem celular e sem internet, também, nos é impossível saber quais novas profissões surgirão em muito pouco tempo, oportunizando trabalho, inovação, e até uma total dependência tecnológica que não nos  faz a menor falta hoje, mas será indispensável em pouco tempo.


Paralelamente, existem coisas que não mudam, resistindo ao tempo através da sistemática e pobre polarização de valores. Algo como assim ou assado, luz ou escuridão, mercado ou Estado, dentro ou fora. Creio que tal estreiteza de visão está imbricada de pseudo-ideologia da dialética marxista, na qual é necessário se opor tecnicamente, para criar sustentação ao discurso, ainda que distorcido. Situação em que, uma frase apenas, isolada do contexto é usada para desqualificar uma palestra ou uma tese. É uma forma simplista de “vender” a realidade.


Como dizem os antigos, desde que Adão era cadete, isto é, desde quando nossos mais remotos antepassados começaram a observar as estrelas, e que perceberam a tridimensionalidade das coisas presentes no mundo. A partir dos astros, percebemos o tempo cronológico dividido em passado, presente e futuro. Também aprendemos com o céu a nos deslocar no espaço físico terrestre, coincidentemente, em três dimensões: altura, largura e profundidade.


Creio que a tridimensionalidade nos enriquece a compreensão do mundo que vivemos. Desta forma, se imaginamos um circulo, podemos ver que o seu centro pertence a dentro e a fora simultaneamente, igualmente a sua borda.  O mesmo acontece com os modelos de mercado e Estado que desconsideram a existência do terceiro setor, notadamente quando afirmamos que este é não-governamental e sem fins lucrativos. Só dizemos o que ele não é, pois falta-nos a tridimensionalidade natural para entendermos o mundo. Entre os pólos existe o limiar assim, como entre a luz e a escuridão estão todas as cores.


Penso que perguntas recorrentes do tipo “aluno ou cliente?” merecem respostas mais complexas e menos ideologizadas. Todo aluno deve ser tratado como cliente até que se comece um verdadeiro trabalho pedagógico, isto é, até por o pé na sala de aula. A partir daí passa a ser aluno. A relação da escola com o aluno deve ser profunda, pois até o destino deste está sendo definido. Portanto uma relação de profundidade, largura e altura superior à de uma empresa com seus clientes.


Igualmente, quando perguntado se a escola é uma empresa? Respondo que sim. A escola é uma empresa, seja do ponto de vista institucional, seja pelos compromissos orçamentários e financeiros que possui, ou ainda, pela desafiante sobrevivência mercadológica. Mas, acima de tudo, é uma empresa, por ter que ser sustentável para honrar seus compromissos econômicos e educacionais. Isso vale inclusive para a escola pública que tem que apresentar resultados de seu trabalho pedagógico maximizando seus recursos orçamentários.  


Devemos fugir da superficialidade na observação da realidade. Pedagogia e gestão são frutos de uma mesma ciência e, portanto, não podem divergir em seus princípios mais básicos. Tridimensionalmente, devemos educar o pensar, o agir e o sentir na pedagogia. Analogicamente, os gestores necessitam de conhecimentos, habilidades e atitudes, ou seja, competência de suas equipes. Todos os grandes autores afirmam ser a educação casada com o trabalho.





Publicado no jornal Cinform 13/09/2010 – Caderno Emprego
Publicado no Jornal do Comércio / SE – Editorial set/2010

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Educação e contexto



Toda sociedade procura se perpetuar e, para isso, utiliza da educação como forma de reproduzir seus valores, suas conquistas e sua visão de mundo para as novas gerações. Assim, em todas elas existe um modelo de educação, ainda que não seja explicito e que as pessoas da comunidade nem tenham consciência dele.


A educação é um direito de cada um, tornando-se então um dever nosso educar a outras pessoas. Daí, nessa relação educador-educando forma-se um vínculo profundo que deve fazer uma passagem útil, feliz e comprometida com o destino do educando. Importante dizer que nesse binômio educador-educando ocorre sistematicamente a troca de posições. Ora somos educadores, ora somos educandos. Afinal, existe melhor momento de aprendizagem do que quando ensinamos?


No mundo atual as exigências educacionais são bem mais rigorosas que em tempos passados. A educação sempre esteve diretamente atrelada ao mundo do trabalho. Em tempos remotos, acompanhar o pai ou a mãe em suas atividades diárias era suficiente para preparar o jovem para a vida, num processo de educação difuso e sem metodologia. Hoje, os filhos raramente têm a oportunidade de acompanhar os pais no trabalho e quando o fazem não o compreendem claramente, isso porque o trabalho tornou-se cada vez mais abstrato e menos tangível aos sentidos, exigindo grande capacidade cognitiva do trabalhador.


A educação formal é o calcanhar de Aquiles da moderna economia. E aqui no deparamos com uma enorme ameaça: a importação de modelos e metodologias que não nos respondam às nossas reais necessidades porque só há educação significativa com contexto. E todo contexto, por sua própria natureza, é ricamente interdisciplinar.


Nos Estados Unidos, há muitos anos atrás, seis nações indígenas assinaram um tratado de paz com os Estados de Virginia e Maryland. Ocorre que os governantes brancos ofereceram vagas em suas escolas para jovens índios e receberam como resposta uma carta com a recusa e o agradecimento dos chefes das seis nações, nos termos a seguir, que mais tarde Benjamin Franklin adotou o costume de divulgá-la.


“... Nós estamos convencidos de que os senhores desejam o bem para nós e agradecemos de todo coração. Mas aqueles que são sábios reconhecem que diferentes nações têm concepções diferentes das coisas e, sendo assim, os senhores não ficarão ofendidos ao saber que a vossa idéia de educação não é a mesma que a nossa.


... Muitos dos nossos bravos guerreiros foram formados nas escolas do Norte e aprenderam toda a vossa ciência. Mas, quando eles voltaram para nós, eles eram maus corredores, ignorantes da vida da floresta e incapazes de suportarem o frio e a fome. Não sabiam como caçar o veado, matar o inimigo e construir uma cabana, e falavam a nossa língua muito mal. Eles eram, portanto, totalmente inúteis. Não serviam como guerreiros, como caçadores ou como conselheiros.


Ficamos extremamente agradecidos pela vossa oferta e, embora não possamos aceitá-la, para mostrar nossa gratidão oferecemos aos nobres senhores de Virgínia que nos enviem alguns dos seus jovens, que lhes ensinaremos tudo o que sabemos e faremos, deles, homens”.


Certamente nessa carta dos índios estão algumas das questões mais importantes da educação que se discute hoje. Assim, fica evidenciado que não há um modelo único nem mesmo uma forma única. Creio até que nem exista uma educação melhor que outra se ocorrem em contextos diferentes dada a impossibilidade de comparar culturas e valores.


Precisamos cuidar de nossa educação filtrando modelos importados inadequados e desajustados a nossa realidade local. Diferentemente da situação tão delineada e distante entre as partes pacificadas relatada na carta acima, o Brasil tem na mistura de povos e etnias um valor cultural diferenciado para nossa educação.


Tenho certeza que encontraremos os legítimos valores brasileiros entre os extremos representados por personagens clássicos. De um lado, Iracema, a romântica virgem dos lábios de mel, índia que por fidelidade a seus princípios, renuncia o alto posto tribal que ocupa, para, uma vez apaixonada, viver o drama de casar com Martim, branco guerreiro que combate seus irmãos índios. Fato que a faz viver profundo drama, mas que dessa união nasceu Moacir. E opostamente, Macunaíma, negro, filho de índia, nascido na selva que se torna branco para ir para São Paulo, revelando sua natureza de herói sem nenhum caráter. Embora nenhum destes seja, por si, a expressão fiel do povo brasileiro, também não há como descartá-los: ambos comungam da miscigenação como elevado valor brasileiro.   


Respeitemos a riqueza de nossa cultura, farta de lendas, músicas, folclore, autores famosos e, acima de tudo, miscigenada como nenhuma outra, para juntos encontrarmos os bons e profundos valores próprios que estão presentes no íntimo de cada brasileiro e ajudar a fazer do Brasil uma Nação (com N maiúsculo mesmo). 





Publicado no jornal Cinform 30/08/2010 – Caderno Emprego