terça-feira, 9 de novembro de 2010

Biomimética, a galinha dos ovos de ouro


     A biomimética (imitação da vida) é um moderno ramo da ciência dedicado a estudos de princípios e modelos da natureza visando alcançar soluções engenhosas para a indústria, a saúde, a ecologia e outras diversas áreas da atuação humana. Paralelamente, a biônica também converge para finalidade semelhante, a exemplo do nobre desenvolvimento de próteses anatômicas e, mais recentemente, neurais, que permitirão cada vez mais a inclusão com qualidade de vida para milhões de pessoas com algum tipo de deficiência no mundo.


Mesmo sendo um ramo novo da ciência, a biomimética crescerá muito nos próximos anos devido ao fato de que a natureza que dispomos hoje é fruto de milhões de anos de evolução e aperfeiçoamento contínuo de seus processos vitais e ambientais. Temos que reconhecer que a natureza sempre alcança seus objetivos com economia, com um mínimo de energia, preservando seus recursos e reciclando completamente seus resíduos.


O Velcro, aquela tira aderente que se aplica a inúmeras finalidades, é a imitação do incomodo carrapicho que teima em permanecer agarrado a nossa roupa denunciando que caminhamos pelo mato. A máquina de diálise renal é outro exemplo inspirado na natureza, assim como o marca-passo cardíaco, ou até, um simples par de pés-de-pato usado por mergulhadores, a lente de contato e os aparelhos auditivos para idosos, são todos modelos tecnológicos copiados da natureza.


Na indústria existem pneus inspirados nas garras dos gatos, conferindo maior capacidade de frenagem. Também, asas de aviões, cascos de navios e submarinos que imitam a pele de peixes obtêm maior fluidez e a consequente economia de combustível. Merece destaque o carro criado pela Mercedes Benz, o Bionic, cuja estrutura é 1/3 mais leve que a de modelos semelhantes, oferece resistência estrutural 40% superior e o invejável coeficiente aerodinâmico de 0,19 que lhe assegura 20% de economia de gasolina; é o que aprendemos com seu modelo inspirador: o pequeno Peixe-Cofre, habitante de águas marinhas tropicais.


Porém, não só o aspecto funcional ou estrutural é motivo de estudo da biomimética, já que a natureza, como afirmamos, é muito econômica nos seus processos. Uma aranha consegue fazer teias com fios de seda finíssimos de alta resistência. Proporcionalmente, os fios da aranha são superiores ao mais resistente fio da engenharia humana, o Kevlar: produto da engenharia aeroespacial desenvolvido pela DuPont, composto de fibras orgânicas de poliamidas que possui propriedades de resistência a tração superiores ao aço. Mas o que queremos registrar no modelo natural é que a maior vantagem não está na resistência superior em si, e sim na forma de produzir o fio. Enquanto a produção do Kevlar exige altas pressões, concentrações elevadas de ácido sulfúrico e temperaturas superiores a 100° C, o menosprezado aracnídeo produz seu majestoso fio à temperatura corpórea. O mesmo podemos aprender com os moluscos, capazes de produzir conchas de dureza superior a cerâmica das ogivas de foguetes e colas de aderência inigualável que os mantêm grudados as superfícies de barcos por longos períodos em condições extremas. Também, sábias galinhas podem nos ensinar como fabricar cimento em condições econômicas, já que transformam calcário em casca de ovo, dotada de propriedades físicas melhores que as do cimento portland que fabricamos calcinando o mesmo calcário a cerca de 1480° C.


A natureza mostra-se de uma inteligência superior à de nossa ciência e tecnologia. São inúmeros casos de soluções naturais que nos podem ensinar muito a respeito de como melhorar nossos agressivos processos de produção. Mas, precisamos nos despir de vaidades e ansiedades para frearmos essa corrida tecnológica louca, em que é necessário acelerar continuamente na busca de resultados instantâneos. Assim então, creio que poderemos observar a natureza produzindo milagrosas metamorfoses no seu ritmo próprio. No século XIX, Goethe – poeta e cientista alemão, autor de um método de observação de fenômenos naturais - reclamava: “Não precisamos apenas de arte e ciência; precisamos também de paciência.”


Destruir a natureza sem conhecê-la é matar a galinha dos ovos de ouro. A biomimética é mais uma mensagem que nos chega dizendo que podemos crescer com preservação natural. O contrário é a insana busca pela satisfação imediata sem considerar o legado desastroso que deixaremos para nossos filhos e netos.


Para reflexão, um conto da antiga corrente judaica dos Chassidim:    

Num sonho eu entrei numa loja.
Atrás do balcão estava um anjo.
Eu lhe perguntei: “O que o senhor vende aqui?”
“Tudo que o senhor desejar”, disse o anjo.
“Oh”, disse eu, “isso é mesmo verdade?
Então eu gostaria de: paz na Terra, abolição da opressão, nenhuma fome mais, uma casa para refugiados,”...
“Espere”, disse o anjo, “o senhor não me entendeu.
Aqui não vendemos fruto algum, apenas sementes.”





            Publicado no jornal Cinform 08/11/2010 – Caderno Emprego



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