Todos sabem que células-tronco ou células-mãe, são capazes de multiplicar-se e diferenciar-se nos mais variados tecidos do corpo humano (sangue, ossos, nervos, músculos, etc.). Sua utilização para fins terapêuticos representa muita esperança para o tratamento de inúmeras doenças. Assim, a célula-tronco é o fio condutor que pode ser transformada em várias outras células biológicas então, ela nos servirá de metáfora para exemplificar a vida econômica a partir de uma visão orgânica.
Ao refletirmos sobre a confiança, enquanto
valor da interação humana, podemos pensar nela como a célula-tronco de toda atividade
social e econômica. Por quê?
Nas relações
sociais, a confiança é um pressuposto básico. Ninguém quer a amizade de quem
não confia. Seguramente pode-se afirmar que a confiança é um princípio anterior
à própria célula-tronco humana. Senão, na visão criacionista, como explicar que
Adão e Eva, primeiros portadores de células-tronco humanas na Terra, traíram a
confiança de Deus ao cometerem o pecado original. Ou, na versão evolucionista, quando confiamos
na teoria do big bang já que aí também não havia nenhuma célula-tronco humana
para testemunhar.
Que pensar
então sobre o valor da confiança nas relações econômicas? Nesse campo, a
confiança é o princípio maior. Princípio este, que rege todo o seu
funcionamento, determinando desde a concessão de crédito e o valor das ações na
bolsa de valores, até a escolha do consumidor por uma determinada marca ou a
inflação típica de uma moeda desacreditada. Hoje, sabe-se que a reputação é um
forte parâmetro para o valor de uma marca no mercado.
Com efeito,
toda atividade mercadológica tende a afrouxar seus mecanismos burocráticos à
medida que se ganha confiança entre as partes. Isso significa que a burocracia
e as garantias contratuais são entraves para os negócios, tornando-se
imposições desajustadas ao verdadeiro e legítimo ambiente econômico. A
burocracia nos negócios é um conhecido mal necessário.
Ainda na
década de 50, o imortal autor da administração Peter Drucker afirmava sobre as
organizações: “Mesmo quando naturalmente prescrições e controle, recompensa e
punição são elementos constituintes de toda organização, confiança mútua forma
o fundamento, o ponto de partida, o sangue vital”. Apesar de toda mudança de
paradigma ocorrida no âmbito da administração de empresas ao longo de 40 anos,
a confiança não perdeu qualquer espaço na base dos negócios, o que leva o
famoso guru a reafirmar nos anos 90, na qualidade de visionário do ambiente de
redes que vivenciamos hoje: “Nós precisamos, com base no reconhecimento da
dependência mútua, refletir em conjunto e firmar acordos sensatos, realistas,
que tragam vantagens para ambas as partes. Para isto é necessária a confiança.
Essa rede mundial de dependências mútuas só pode funcionar na base da confiança
mútua”.
É fascinante
que Peter Drucker abra e encerre sua carreira profissional com este tema
gerador: a força da confiança mútua é a única capaz de oferecer a uma vida
econômica mundial, um fundamento saudável.
Mas,
confiança é algo sutil e frágil. As crises econômicas, as manipulações de
índices econômicos, as informações privilegiadas nos mercados de capitais, as
falências fraudulentas, as auditorias coniventes, as moedas podres e outros
cânceres do mundo econômico, fazem os laços de confiança implodirem
verticalmente. Conseqüentemente, uma incorporadora de imóveis nega-se a dar
crédito ao mutuário, e este, por sua vez, também desacredita na capacidade da
empresa de cumprir o contrato e entregar o prometido bem pronto.
Nesse
contexto surge uma nova forma de estabelecer vínculos de confiança entre os
consumidores. O relacionamento horizontal, ou seja, entre consumidores que
opinam sobre produtos e serviço através das redes sociais da internet com
intensidade cada vez maior. Philip Kotler, o papa do marketing na atualidade,
afirma em seu último livro (Marketing 3.0) que: “Hoje existe mais confiança nos
relacionamentos horizontais que nos verticais. Os consumidores acreditam mais
uns nos outros que nas empresas. A ascensão das mídias sociais é apenas um
reflexo da migração da confiança dos consumidores das empresas para outros consumidores”. Afinal, com igual desempenho da
célula-tronco, a confiança constrói novos tecidos econômicos em substituição
aos corrompidos, reorientando os fluxos de capitais para contextos mais
saudáveis.
Espero ainda
ver o mundo econômico movido pelo impulso da fraternidade, isto é, pela
disposição de através do trabalho sempre servir o próximo. Que seja um mundo
onde o capital social nasça do encontro amoroso da confiança, célula-mãe das
relações humanas, com o crédito paternal. Crédito esse, que por razões obvias
dispensa o exame de DNA.
Publicado no jornal Cinform
06/12/2010 – Caderno Emprego
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