terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Empresas não são máquinas



     É ainda bastante comum a imagem emblemática de uma empresa representada por engrenagens. Nada mais inadequado nos dias atuais que essa grotesca associação. O mundo dos negócios tanto reflete a cultura de uma sociedade quanto é capaz de influenciar nas suas mudanças. Assim, pensar a empresa como uma máquina com suas rodas dentadas é a imagem dos sonhos mecanicistas reinantes a partir do século XIX. Desses ideais cartesianos aplicados à economia surgiram correntes da administração de empresas que se tornaram clássicas, a exemplo do fordismo-taylorismo – a administração científica.


Nesta concepção econômica, a busca pela eficiência é determinante e centralizadora das ações empresariais, gerando como fruto maior a linha de montagem industrial, onde há um nível máximo de especialização dos operários em pequenas etapas do processo de produção. Trata-se, sob a ótica da dignidade humana, de um trabalho alienante e limitador do desenvolvimento integral do trabalhador. Neste ambiente, o homem é treinado para executar atividades mecânicas repetitivas como apertar sempre os parafusos fixadores de um elemento da máquina. Pedagogicamente falando, é o desenvolvimento da habilidade sem a ampliação correspondente do conhecimento e das atitudes. Aqui o homem é adestrado para substituir a máquina, numa concepção de educação condicionante à moda de Skinner. 


Como foi dito, o fordismo-taylorismo é uma corrente muito presente no nosso mundo econômico, extrapolando a aplicação original da linha de montagem industrial para grassar nos serviços, particularmente no serviço público, por meio da burocracia. Desta forma, a burocracia repete os princípios da linha de montagem industrial no setor de serviços, desumanizando (embora digam que é impessoalizando) esta atividade.  


O moderno paradigma da administração de empresas é holístico ou orgânico. Aqui, temos a imagem das organizações como se fossem seres vivos e, como tal, sujeitos a falhas, doenças, crescimento, aprendizagem, maturidade e morte. Nesta corrente, as pessoas são vistas como elementos essenciais do processo organizacional por seus valores, conhecimentos, atitudes e habilidades.


Na atual ordem econômica o conhecimento é o ativo de maior valor, desfazendo a lógica da produção fragmentada e imbricada ao produto em si. Na Califórnia, EUA, o PIB está dividido em 2% para a vigorosa agricultura, maior do país. A indústria californiana responde por 18% deste PIB e o setor de serviços abarca nada menos que 80% do produto interno bruto do mais rico estado americano. Os grandes motores da economia californiana são os entretenimentos de Hollywood e os softwares, marcas e patentes do Vale do Silício. É possível trocar os atores de um mesmo papel no meio do filme sem que isso seja visível e não altere a compreensão do enredo? É possível substituir um programador de sistemas no meio de um projeto sem transtornos maiores?


Penso que há uma única resposta para essas duas perguntas: Não!! Aqui o ser humano não é uma máquina que pode ser substituída por outra com baixo impacto na produção. Na linha de montagem taylorista a substituição de um trabalhador por outro não deveria ocasionar diferença no produto final. 


Devemos entender que a imagem orgânica é muito mais fiel à realidade das organizações. Assim como no corpo humano, nas organizações existem órgãos mais vitais que outros e também, atividades redundantes que permitem maior segurança ao seu funcionamento. Por exemplo, caso um hipotético tesoureiro falte ao trabalho por um dia, a empresa, certamente, não irá a falência por isso. Nem mesmo parará seu funcionamento, embora prejudicado.  O mesmo acontecerá com inúmeras outras pessoas e áreas da organização. Isso parece muito com o funcionamento do nosso corpo físico quando algum órgão deixa de funcionar temporariamente e o conjunto ressente disto mas não morre imediatamente. O mau funcionamento de um rim, por exemplo, acarreta em sobrecarga para o outro por todo o tempo necessário. Situação semelhante ocorre frequentemente nas empresas, onde um funcionário improdutivo obriga outros a fazerem a parte dele, adoecendo a empresa como um todo, porém sem implicar em falência do organismo.


Diferentemente, quando uma máquina tem uma engrenagem danificada interrompe instantaneamente seu funcionamento como um todo. A associação das organizações às máquinas é uma forma de tentar reduzir a complexidade natural de um sistema formado por pessoas em que se fazem presentes as individualidades e as interações entre elas, com seus humores, valores e culturas, colorindo o mundo sem economia de cores.


Afinal, empresas não são máquinas, equipes não formam engrenagens e homens não são rodas dentadas. São pessoas, físicas ou jurídicas.      

                                           

    

Publicado no jornal Cinform 20/12/2010 – Caderno Emprego

Nenhum comentário:

Postar um comentário