É ainda bastante comum a imagem emblemática de uma empresa representada por engrenagens. Nada mais inadequado nos dias atuais que essa grotesca associação. O mundo dos negócios tanto reflete a cultura de uma sociedade quanto é capaz de influenciar nas suas mudanças. Assim, pensar a empresa como uma máquina com suas rodas dentadas é a imagem dos sonhos mecanicistas reinantes a partir do século XIX. Desses ideais cartesianos aplicados à economia surgiram correntes da administração de empresas que se tornaram clássicas, a exemplo do fordismo-taylorismo – a administração científica.
Nesta
concepção econômica, a busca pela eficiência é determinante e centralizadora
das ações empresariais, gerando como fruto maior a linha de montagem
industrial, onde há um nível máximo de especialização dos operários em pequenas
etapas do processo de produção. Trata-se, sob a ótica da dignidade humana, de
um trabalho alienante e limitador do desenvolvimento integral do trabalhador.
Neste ambiente, o homem é treinado para executar atividades mecânicas
repetitivas como apertar sempre os parafusos fixadores de um elemento da
máquina. Pedagogicamente falando, é o desenvolvimento da habilidade sem a
ampliação correspondente do conhecimento e das atitudes. Aqui o homem é
adestrado para substituir a máquina, numa concepção de educação condicionante à
moda de Skinner.
Como foi
dito, o fordismo-taylorismo é uma corrente muito presente no nosso mundo
econômico, extrapolando a aplicação original da linha de montagem industrial
para grassar nos serviços, particularmente no serviço público, por meio da
burocracia. Desta forma, a burocracia repete os princípios da linha de montagem
industrial no setor de serviços, desumanizando (embora digam que é
impessoalizando) esta atividade.
O moderno
paradigma da administração de empresas é holístico ou orgânico. Aqui, temos a
imagem das organizações como se fossem seres vivos e, como tal, sujeitos a
falhas, doenças, crescimento, aprendizagem, maturidade e morte. Nesta corrente,
as pessoas são vistas como elementos essenciais do processo organizacional por
seus valores, conhecimentos, atitudes e habilidades.
Na atual
ordem econômica o conhecimento é o ativo de maior valor, desfazendo a lógica da
produção fragmentada e imbricada ao produto em si. Na Califórnia, EUA, o PIB
está dividido em 2% para a vigorosa agricultura, maior do país. A indústria
californiana responde por 18% deste PIB e o setor de serviços abarca nada menos
que 80% do produto interno bruto do mais rico estado americano. Os grandes
motores da economia californiana são os entretenimentos de Hollywood e os
softwares, marcas e patentes do Vale do Silício. É possível trocar os atores de
um mesmo papel no meio do filme sem que isso seja visível e não altere a
compreensão do enredo? É possível substituir um programador de sistemas no meio
de um projeto sem transtornos maiores?
Penso que há
uma única resposta para essas duas perguntas: Não!! Aqui o ser humano não é uma
máquina que pode ser substituída por outra com baixo impacto na produção. Na
linha de montagem taylorista a substituição de um trabalhador por outro não
deveria ocasionar diferença no produto final.
Devemos
entender que a imagem orgânica é muito mais fiel à realidade das organizações.
Assim como no corpo humano, nas organizações existem órgãos mais vitais que
outros e também, atividades redundantes que permitem maior segurança ao seu
funcionamento. Por exemplo, caso um hipotético tesoureiro falte ao trabalho por
um dia, a empresa, certamente, não irá a falência por isso. Nem mesmo parará
seu funcionamento, embora prejudicado. O
mesmo acontecerá com inúmeras outras pessoas e áreas da organização. Isso
parece muito com o funcionamento do nosso corpo físico quando algum órgão deixa
de funcionar temporariamente e o conjunto ressente disto mas não morre
imediatamente. O mau funcionamento de um rim, por exemplo, acarreta em
sobrecarga para o outro por todo o tempo necessário. Situação semelhante ocorre
frequentemente nas empresas, onde um funcionário improdutivo obriga outros a
fazerem a parte dele, adoecendo a empresa como um todo, porém sem implicar em
falência do organismo.
Diferentemente,
quando uma máquina tem uma engrenagem danificada interrompe instantaneamente
seu funcionamento como um todo. A associação das organizações às máquinas é uma
forma de tentar reduzir a complexidade natural de um sistema formado por
pessoas em que se fazem presentes as individualidades e as interações entre
elas, com seus humores, valores e culturas, colorindo o mundo sem economia de
cores.
Afinal,
empresas não são máquinas, equipes não formam engrenagens e homens não são
rodas dentadas. São pessoas, físicas ou jurídicas.
Publicado no jornal Cinform
20/12/2010 – Caderno Emprego
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