segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Educação e contexto



Toda sociedade procura se perpetuar e, para isso, utiliza da educação como forma de reproduzir seus valores, suas conquistas e sua visão de mundo para as novas gerações. Assim, em todas elas existe um modelo de educação, ainda que não seja explicito e que as pessoas da comunidade nem tenham consciência dele.


A educação é um direito de cada um, tornando-se então um dever nosso educar a outras pessoas. Daí, nessa relação educador-educando forma-se um vínculo profundo que deve fazer uma passagem útil, feliz e comprometida com o destino do educando. Importante dizer que nesse binômio educador-educando ocorre sistematicamente a troca de posições. Ora somos educadores, ora somos educandos. Afinal, existe melhor momento de aprendizagem do que quando ensinamos?


No mundo atual as exigências educacionais são bem mais rigorosas que em tempos passados. A educação sempre esteve diretamente atrelada ao mundo do trabalho. Em tempos remotos, acompanhar o pai ou a mãe em suas atividades diárias era suficiente para preparar o jovem para a vida, num processo de educação difuso e sem metodologia. Hoje, os filhos raramente têm a oportunidade de acompanhar os pais no trabalho e quando o fazem não o compreendem claramente, isso porque o trabalho tornou-se cada vez mais abstrato e menos tangível aos sentidos, exigindo grande capacidade cognitiva do trabalhador.


A educação formal é o calcanhar de Aquiles da moderna economia. E aqui no deparamos com uma enorme ameaça: a importação de modelos e metodologias que não nos respondam às nossas reais necessidades porque só há educação significativa com contexto. E todo contexto, por sua própria natureza, é ricamente interdisciplinar.


Nos Estados Unidos, há muitos anos atrás, seis nações indígenas assinaram um tratado de paz com os Estados de Virginia e Maryland. Ocorre que os governantes brancos ofereceram vagas em suas escolas para jovens índios e receberam como resposta uma carta com a recusa e o agradecimento dos chefes das seis nações, nos termos a seguir, que mais tarde Benjamin Franklin adotou o costume de divulgá-la.


“... Nós estamos convencidos de que os senhores desejam o bem para nós e agradecemos de todo coração. Mas aqueles que são sábios reconhecem que diferentes nações têm concepções diferentes das coisas e, sendo assim, os senhores não ficarão ofendidos ao saber que a vossa idéia de educação não é a mesma que a nossa.


... Muitos dos nossos bravos guerreiros foram formados nas escolas do Norte e aprenderam toda a vossa ciência. Mas, quando eles voltaram para nós, eles eram maus corredores, ignorantes da vida da floresta e incapazes de suportarem o frio e a fome. Não sabiam como caçar o veado, matar o inimigo e construir uma cabana, e falavam a nossa língua muito mal. Eles eram, portanto, totalmente inúteis. Não serviam como guerreiros, como caçadores ou como conselheiros.


Ficamos extremamente agradecidos pela vossa oferta e, embora não possamos aceitá-la, para mostrar nossa gratidão oferecemos aos nobres senhores de Virgínia que nos enviem alguns dos seus jovens, que lhes ensinaremos tudo o que sabemos e faremos, deles, homens”.


Certamente nessa carta dos índios estão algumas das questões mais importantes da educação que se discute hoje. Assim, fica evidenciado que não há um modelo único nem mesmo uma forma única. Creio até que nem exista uma educação melhor que outra se ocorrem em contextos diferentes dada a impossibilidade de comparar culturas e valores.


Precisamos cuidar de nossa educação filtrando modelos importados inadequados e desajustados a nossa realidade local. Diferentemente da situação tão delineada e distante entre as partes pacificadas relatada na carta acima, o Brasil tem na mistura de povos e etnias um valor cultural diferenciado para nossa educação.


Tenho certeza que encontraremos os legítimos valores brasileiros entre os extremos representados por personagens clássicos. De um lado, Iracema, a romântica virgem dos lábios de mel, índia que por fidelidade a seus princípios, renuncia o alto posto tribal que ocupa, para, uma vez apaixonada, viver o drama de casar com Martim, branco guerreiro que combate seus irmãos índios. Fato que a faz viver profundo drama, mas que dessa união nasceu Moacir. E opostamente, Macunaíma, negro, filho de índia, nascido na selva que se torna branco para ir para São Paulo, revelando sua natureza de herói sem nenhum caráter. Embora nenhum destes seja, por si, a expressão fiel do povo brasileiro, também não há como descartá-los: ambos comungam da miscigenação como elevado valor brasileiro.   


Respeitemos a riqueza de nossa cultura, farta de lendas, músicas, folclore, autores famosos e, acima de tudo, miscigenada como nenhuma outra, para juntos encontrarmos os bons e profundos valores próprios que estão presentes no íntimo de cada brasileiro e ajudar a fazer do Brasil uma Nação (com N maiúsculo mesmo). 





Publicado no jornal Cinform 30/08/2010 – Caderno Emprego

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