terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Trabalho e fraternidade

 

Ao voltarmos um pouco no tempo, veremos que o trabalho sofreu grandes transformações na sua essência. Nem todos vemos isso com clareza, pois ainda somos fortemente influenciados por modelos mentais antigos e também pelo meio cultural em que vivemos. Paralelamente, existem no Brasil ambientes culturais profundamente diferenciados. Como exemplo, pode-se citar o contraste dos grandes centros financeiros e tecnológicos do Sudeste com a agricultura familiar de subsistência nordestina e também a cultura nortistas que ainda sobrevive da coleta na floresta.


Ao olharmos a linha do tempo do trabalho humano, vislumbramos que na Idade Média, excluindo-se o trabalho escravo, as famílias produziam o que podiam para elas mesmas. O agricultor produzia o que sua família necessitava consumir, assim como fazia o artesão. As possibilidades comerciais eram limitadíssimas e o mundo destas pessoas era menor ainda. Hoje, numa sociedade industrial ou pós-industrial, desconheço trabalhador que produza para si ou para a própria família. Auxiliados pela tecnologia, vivemos a época da grande produção de excedentes que têm sua distribuição potencialmente pulverizada por todo o globo.  


Saímos de uma relação socialmente restrita do trabalho para um contexto social amplo e complexo da nossa participação na vida econômica. Não se pode dizer que é uma mudança pequena ou desconsiderável. Trabalhamos para os outros, geralmente anônimos e desconhecidos. O fruto de nosso trabalho nas grandes organizações é destinado a consumidores inimagináveis, mas certamente exigentes de qualidade e segurança no que consomem.


A regra básica de sobrevivência econômica é produzir bens - e serviços -  da melhor forma possível para um consumidor desconhecido. Sem a obediência a essa lei, a chance de sucesso empresarial é nula. Penso que essa regra possui a mesma natureza original do conceito de fraternidade: fazer o bem sem olhar a quem.


Precisamos nos conscientizar da verdadeira lei que rege a atividade econômica, e portanto, nosso trabalho: a fraternidade. Quando estamos no nosso labor, estamos à disposição do outro, seja colega de empresa, fornecedor, consumidor, ou outros. Para eles dedicamos nosso conhecimento, nosso tempo, nossas ações e até, nossos sentimentos. Acredito que trabalharemos melhor e mais satisfeitos se pensarmos dessa forma, posto que enfrentaremos menos conflitos internos e externos.


Muitas vezes insistimos em erros que nem sabemos por que. Temos a tendência a reproduzir os ensinamentos que recebemos seguindo a mesma metodologia e, assim, somos conservadores e ousamos pouco. Porém, temos uma chama dentro de nós que nos alerta que algo que reproduzimos ou conceituamos hoje já não cabe bem frente à nova realidade. Creio que com o trabalho deve acontecer o mesmo quando insistimos em ser mais competitivos que colaborativos. Mas, a natureza humana é boa e cheia de luz, ainda que reprimida. Porém, quando lhe é dado espaço para se manifestar a explosão resultante contagia a todos à sua volta e nos faz viver momentos inesquecíveis do contato com essa luz interior, como em uma notícia divulgada na internet:


“Há alguns anos, nas olimpíadas especiais de Seattle, também chamada de Paraolimpíadas, nove participantes, todos com deficiência mental ou física, alinharam-se para a largada da corrida dos cem metros rasos.


Ao sinal, todos partiram, não exatamente em disparada, mas com vontade de dar o melhor de si, terminar a corrida e ganhar. Todos, com exceção de um garoto, que tropeçou no piso, caiu rolando e começou a chorar. Os outros oito ouviram o choro. Diminuíram o passo e olharam para trás. Viram o garoto no chão, pararam e voltaram. Todos eles!


Uma das meninas, com síndrome de down, ajoelhou-se, deu um beijo no garoto e disse: "pronto, agora vai sarar". E todos os nove competidores deram os braços e andaram juntos até a linha de chegada. O estádio inteiro levantou e não tinha um único par de olhos secos. E os aplausos duraram longos minutos.


E as pessoas que estavam ali, naquele dia, repetem essa história até hoje. Por que? Porque lá no fundo, nós sabemos que o que importa nesta vida é mais do que ganhar sozinho. O que importa é ajudar os outros a vencer”, cita a matéria.


A experiência da colaboração traz a todos nós a sensação de que é impossível agir de outra forma na construção de uma sociedade mais justa e solidária. E essa nova sociedade será fruto do nosso trabalho em equipe.


Reflita sobre sua ação no mundo e seja feliz, afinal Trabalho é fraternidade.





Publicado no jornal Cinform 28/12/2009 – Caderno Emprego
Publicado no Jornal do Comércio / SE – Editorial dez/2009

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Robótica e educação



 

                                    “Conhecer não é suficiente, deve ser aplicado.
Querer não é suficiente, deve ser feito”. Goethe.

  
Nos meus tempos de criança, várias vezes assisti o desenho animado “Os Jetsons”. Ali, o futuro se mostrava altamente cibernético e biônico.  Até os cachorros usavam patins à jato, tipo aeroespaciais. Esse seriado sinalizou a imagem do amanhã para muitos, como eu, que amava inocentemente as conquistas da revolução industrial e apostava num inesgotável aprimoramento físico-mecânico.


Hoje, olhando para trás, vejo que o futuro que se realizou é constituído pela pluralidade, pela fusão de conhecimentos, pelas metáforas insuperáveis, pela visão sistêmica/orgânica e pela interdisciplinaridade. Inversamente à monocultura mecânica do desenho animado.


Do ponto de vista técnico, a robótica não avançou na velocidade esperada porque se somos perfeitos no campo da mecânica e conseguimos milagres na eletrônica, o mesmo não podemos dizer do software. Em programação de computadores nós apenas engatinhamos e os desafios para a programação de um robô são os grandes obstáculos atuais. Os robôs industriais, aqueles das montadoras de automóveis, ainda são exageradamente limitados e limitantes na medida que não aceitam qualquer alteração na linha de montagem fora do que foram programados. Assim, o robô só age com a sua reconhecida precisão superior se todo o seu entorno também for rigidamente preciso. Um aparente contra-senso à tendência de flexibilização da indústria pós-fordista. Num robô, a mecânica é o corpo físico, a energia é a vitalidade e o software é a alma. Assim, o que caracteriza um robô é a possibilidade de alterar seu comportamento ou funcionamento sem mexer em um único parafuso ou dispositivo do seu corpo, apenas substituindo sua alma, ou seja, a sua programação.


É nesse contexto de hoje que exalto a robótica como instrumento educacional. A construção de um robô exige o desenvolvimento de conhecimentos e habilidades necessárias ao moderno mundo do trabalho, quais sejam: intimidade e compreensão do ambiente computacional, criatividade e autoria de soluções, desenvolvimento da colaboração e cooperação (quando se trabalha em equipe, conforme é recomendado), aceitação e superação dos erros honestos através da aprendizagem que eles nos proporcionam e a descoberta da existência de múltiplas soluções reais para problemas reais, diferindo das situações ideais com solução única, tão presente nos currículos e práticas escolares.


As principais teorias educacionais norteadoras do modelo educacional da robótica provêm de Piaget e Vygotsky. O construtivismo de Piaget se reconfigura como construcionismo a partir das contribuições do seu discípulo Seymour Papert, Diretor do Instituto de Tecnologia de Massassuchets - MIT (EUA), ao afirmar que a aprendizagem se dá pela motivação e inteligência somadas à ação frente a uma interessante problematização. Já a pedagogia de Vygotsky pressupõe que a aprendizagem é fundamentalmente uma experiência social de interação pela linguagem e pela ação. 


Por que se aprende tanto construindo robôs? Para tal pergunta, apresentamos as seguintes respostas: 1) A construção de um robô exige um contexto, isto é, o ambiente onde o robô funcionará, que definirá seu ótimo design físico-funcional. Uma proximidade com a engenharia e outras ciências exatas, além da possibilidade de usar materiais reciclados. 2) Suas fontes de suprimentos, a energia (eletricidade, petróleo, solar, etc) e o software (download, upload) a partir de um computador. Um espaço rico para as ciências biológicas, ambientais e sociais. 3) A animação, isto é, a dinâmica dos movimentos será conduzida por programação de computador, cujo design deve dialogar com a forma física construída para o melhor funcionamento. Um mergulho de corpo inteiro na lógica em um ambiente real, longe, portanto, da virtualidade ilusória do computador.


Pergunto: Que disciplina curricular é suficiente para atender todos os itens acima? Penso que individualmente nenhuma.  Então vamos inverter a pergunta: Que disciplina escolar fica excluída de todos estes itens acima? Também nenhuma, acredito.


Então concluímos que a natureza interdisciplinar é intrínseca à robótica.  Impossível construir coletivamente sem o exercício da comunicação e da linguagem. Também, não o fazemos sem aplicações diretas da matemática e da lógica. A missão que o robô executará será em um lugar geográfico, em um momento histórico, em um ecossistema, com impactos ambientais e sociais, para que benefícios ao homem? Todos ou quais?


Essa é a escola que defendo. A escola onde o mundo faça eco, que permita prazer à aprendizagem, que valorize a individualidade através da autoria e desenvolva os talentos num mergulho em si próprio. E que também valorize o coletivo através da colaboração de todos para a construção do projeto comum, com conseqüente desenvolvimento do caráter, tão necessário aos nossos dias, resultante dos embates naturais que permeiam o trabalho interativo e o aprendizado das regras de convivência social.





Publicado no jornal Cinform 14/12/2009 – Caderno Emprego

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

O empreendedorismo e a educação empreendedora

 

     Durante muito tempo associou-se o termo empreendedorismo à atividade comercial. Vem do economista Richard Cantillon (1680-1734) a definição de empreendedores para aqueles indivíduos que compravam produtos por um preço certo para vender por preço incerto. Isto é, eram obrigados a agregar valor ao produto para minimizar os riscos que assumiam e assim empreendiam mudanças. Mais adiante, outro economista famoso vem contribuir com nova definição para o termo empreendedorismo: Schumpeter (1883-1950) foi quem deu projeção ao tema, associando definitivamente o empreendedor ao conceito de inovação, apontando-o como o elemento que dispara e explica o desenvolvimento econômico.

     A definição que vigora hoje com maior propriedade é a de Filion, citado por Fernando Dolabela autor do livro O Segredo de Luíza, a qual consiste em  conceituar o empreendedor como alguém que “imagina, desenvolve e realiza visões”. Deste modo, as definições anteriores refletem apenas características do comportamento empreendedor, a exemplo de disposição para correr riscos calculados e de ser inovador e criativo, focando apenas sua repercussão na atividade econômica. Na atual definição, o empreendedor é visto como agente de mudanças em todas as áreas da atividade humana, seja na economia, na sociedade, na política, na educação, nas artes, na diplomacia ou em quaisquer outras. Deste modo, consideram-se igualmente empreendedoras as personalidades de Gandhi, Luther King, Juscelino Kubitschek, Barão de Mauá, Thomas Edison, Irmã Dulce, Delmiro Gouveia, Paulo Freire, Marco Pólo, Assis Chateaubriand, Orlando Villas-Boas e do Infante D. Henrique. Exemplos, já falecidos, que atuaram em campos tão diversos quanto importantes para o desenvolvimento humano e que deixaram marcas profundas no rastro de suas ações transformadoras.


     A atitude empreendedora extrapola, portanto, o âmbito empresarial e desliza para todas as atividades humanas. Para Louis Jacques Filion – Regente da Cadeira de Empreendedorismo HEC, The University of Montreal Business School, “mesmo que exista uma espécie de euforia em torno do empreendedorismo, não se trata, a meu ver, de uma moda, mas de uma evolução e de uma transformação profunda de conceber o ser humano que tirou seus fundamentos do pensamento liberal”.


     Ser empreendedor significa possuir atitudes e comportamentos como praticar a visão de longo prazo, planejar e monitorar sistematicamente, ter autoconfiança, liderar, correr riscos calculados, persistir, inovar, persuadir, ter iniciativa, formar redes de contatos, dentre outras características. Adquiri-las é comprovadamente possível através de programas de capacitação, especialmente aqueles originários de Harvard Business School (USA), e disseminados através do PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) da ONU, disponibilizados no Brasil via SEBRAE.



      Educação empreendedora.

     O Brasil é um país de empreendedores. Todas as pesquisas mundiais nos colocam entre as nações mais empreendedoras do mundo. O povo brasileiro possui umas das maiores riquezas que se pode desejar: o espírito empreendedor. Porém, esta riqueza por si só não é suficiente para a geração de valor econômico, precisa de conhecimento. O paradigma do trabalho está mudando em uma velocidade sem precedente na história da civilização humana. A exigência de conhecimentos, a velocidade e quantidade de informações obrigam o homem a, mais que possuir um saber cognitivo elevado, ser capaz de agir a todo instante diante de situações novas e inesperadas, às quais sua melhor performance virá da capacidade de criar e improvisar, elaborando de imediato um novo saber. Superar obstáculos, enfrentar desafios, criar novas respostas, isto é aprender a aprender.


     Este novo ambiente econômico exige do trabalhador a capacidade de responder por assuntos cada vez mais complexos e por quantidades de conhecimentos crescentes e desordenados. A convivência com esta situação requer a formação de redes de relacionamentos e o desenvolvimento de uma cultura de cooperação e colaboração, haja vista que sozinhos não somos capazes de responder à grandeza do desafio do trabalho atual. Assim, educar para o associativismo é aprender a conviver.


      Sabemos que uma das qualidades do empreendedor é a capacidade de construir sonhos. Para que esse processo aconteça, faz-se necessário metamorfosear o pensar presente na cabeça e no agir, simbolizado pelas mãos. Tal ligação revela a arte e a presença do sentir humano. Portanto, a escola deve educar o pensar, o sentir e o agir equilibradamente para o desenvolvimento de pessoas saudáveis, autônomas e socialmente construtivas. Educação empreendedora é aprender a fazer.   


            Busquemos por uma escola que ofereça a seus alunos a elevação da auto-estima, que os faça acreditar em si e na realização de seus sonhos, que os faça reconhecer os seus limites sem, contudo, deixar de ousar, que lhes apresente a sociedade como uma rede que permita a conexão de infinitos relacionamentos, que os emancipe dos abusos do mercado e das manobras oportunistas de governos. Para que empreendam a própria vida com independência. O resultado maior que a educação pode propiciar aos que saem da escola para atuar no mundo é aprender a ser.


     Recorremos aos quatro pilares da educação, apontados no Relatório Jacques Delors: “Educação: Um Tesouro a Descobrir”, MEC/UNESCO, que aponta os fundamentos para a educação no século XXI. Só a educação nos dá direito à verdadeira liberdade.



Publicado no jornal Cinform 23/11/2009 – Caderno Emprego

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

A difícil escolha profissional

 

     Um breve histórico: a humanidade sempre educou seus filhos. Nas sociedades tribais ou em outras organizações sociais primitivas, a educação se desenvolvia de forma difusa e desprovida de metodologia.   Assim, as crianças eram educadas a todo instante assistindo a atividades típicas de sua cultura, como caçar, pescar, dançar ou construir moradias. Um processo de aprendizagem por imitação.


     Nesse período, as profissões não existiam como existem hoje e a mobilidade social era impraticável. O aprendizado de tarefas se dava dentro das famílias e a educação era o reflexo da própria convivência grupal, não deixando margem para a escolha da ocupação especialmente nas famílias mais hierarquizadas, nas quais as atividades de todos eram definidas pelo chefe ou patriarca.


     Mais adiante, com as transformações ocorridas no mundo do trabalho e no modo de produção capitalista até o inicio do século XX, tornou-se necessário adaptar o ser humano ao trabalho visando maior produtividade. É então que surge o primeiro centro de orientação profissional em Munique no ano de 1902, com olhar direcionado para satisfazer a seleção de pessoal para a indústria. Note-se que este centro não está vinculado a educação e sim a critérios seletivos de admissão de pessoal em empregos, características da psicologia industrial.


     O primeiro campo de interesse dos estudos vocacionais é o aumento da produtividade no trabalho, seja pela satisfação de fazer algo que se tem aptidão, ou pela redução de acidentes de trabalho, mais comuns nos que demonstram menos aderência com suas tarefas.


     Diferentemente, no Brasil, a orientação vocacional surge promovendo a vinculação direta entre a orientação profissional e a educação. Os nossos serviços de orientação vocacional nascem dentro das escolas técnicas. Tradicionalmente, inclusive, a tarefa de realizar intervenções em orientação profissional, nacionalmente, cabe tanto ao psicólogo quanto ao pedagogo.


     Nas universidades brasileiras a evasão de alunos é objeto de pesquisas desde a década de 90, sendo também motivo de grandes prejuízos às próprias instituições, aos alunos evadidos, aos alunos potenciais que ficaram excluídos pela limitação de vagas no vestibular e ao erário publico pela capacidade ociosa do sistema educacional superior e profissionalizante.  Algumas pesquisas apontam uma evasão média em torno de 40%, com a ocorrência de picos superiores a 70%.


     As causas da evasão são geralmente classificadas em dois grandes grupos: a) motivos internos à instituição, que incluem descontentamento com qualidade docente, modelo pedagógico, horário ou outros problemas estruturais; e b) motivos externos à instituição e mais vinculados ao aluno, que são os mais freqüentes de acordo com as pesquisas. Dentro desse segundo grupo incluem-se a baixa integração social na escola, a deficiência escolar, as expectativas frustradas, as reprovações e atrasos, os problemas financeiros, a falta de informações sobre o curso e a profissão, a baixa autonomia na gestão dos estudos, etc. Mas as causas apresentadas acima não estão relacionadas em qualquer ordem de importância.


     Pelo visto, as instituições que trabalham com formação profissional e superior não podem se furtar a oferecer assistência vocacional ao estudante para minimizar evasões e flexibilizar a escolha de uma outra opção de curso aos seus estudantes.  


     Vou sair um pouco da natureza técnica até aqui apresentada convidando o leitor a uma reflexão a partir de nossa própria realidade sergipana. Com o advento da economia do conhecimento, conquistando cada vez mais postos de trabalho no mercado, temos experimentado uma abstração sempre crescente sobre o que é trabalhar. São inúmeros os profissionais que podem desenvolver suas tarefas independentemente do lugar onde estão, a exemplo de atendentes de call center, programadores de computador, web designers e repórteres, dentre outros.


     Igualmente, quando estamos em casa lendo e escrevendo emails de nossas empresas, atendendo o pronto telefone celular para ligações profissionais, estamos trabalhando de forma abstrata. Quando praticávamos ofícios, nossos filhos podiam ver e aprender a fazer o mesmo e compreendiam a vinculação direta entre trabalhar e fazer algo visível. Caso visitassem o ambiente de trabalho dos pais numa indústria ou estação ferroviária, tinha a plena certeza de que seus pais trabalhavam e produziam algo tangível ao tato, ao olfato, à visão, à audição, e quem sabe, ao sabor também?.  E hoje, o que ocorre quando o filho adolescente de um administrador de banco-de-dados vai visitá-lo em seu trabalho? Que impressões sensoriais chegam a esse jovem? Que ensinamento profissional ocorre? Difícil dizer.  Parece que transitamos ao longo da historia, de uma educação difusa para um trabalho difuso ou confuso.


     Dada a imaturidade natural dos estudantes com idade entre 15 e 19 anos de fazerem suas escolhas profissionais na inscrição do vestibular para uma profissão que futuramente abraçará, e daí há 8 anos quando esta mesma profissão poderá nem mesmo existir mais, é que penso que o apoio familiar e o escolar devem se fazer cada vez mais presentes no fortalecimento da autonomia e da construção do livre-arbítrio do adolescente através da educação do pensar, do sentir e do agir. Afinal, a decisão final da escolha profissional sempre será dele próprio. 




Publicado no jornal Cinform 09/11/2009 – Caderno Emprego

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Dinheiro traz felicidade?




A incômoda pergunta “dinheiro traz felicidade?” foi a questão norteadora de uma pesquisa científica realizada pela Universidade da Columbia Britânica, no Canadá e pela Harvard Business School, nos Estados Unidos. No primeiro grupo investigado, uma equipe de pesquisadores aplicou um teste numa amostra de 630 pessoas para conhecer seu perfil econômico, hábitos de consumo e seus rendimentos, além, obviamente, os níveis de felicidade que reportavam. Para o segundo grupo pesquisado, formado por 16 funcionários de uma firma em Boston, foram distribuídos bônus entre 3 e 8 mil dólares que tiveram sua destinação acompanhada e o decorrente impacto na felicidade dos abonados. Finalmente, um terceiro grupo composto de voluntários que receberam cerca de 20 dólares para gastar até determinada hora enquanto eram monitorados sistematicamente.

Definitivamente, a resposta a essa pergunta é: “Sim! Dinheiro traz felicidade. Porém...”. Porém, isso só acontece de forma duradoura e evidente quando o usamos a fim de comprar coisas para os outros e não para nós mesmos. “Gastar dinheiro com os outros pode representar um caminho efetivo para a felicidade”, afirmou Elizabeth Dunn, chefe da equipe de pesquisa.

Se olharmos bem para o funcionamento do sistema econômico veremos que há, paralelamente ao movimento financeiro visível, um grande ambiente de caráter afetivo ou emocional recheado de subjetividades e valores humanos. O crédito é uma ação econômica fundamental à saúde e sobrevivência dos mercados. E ele só acontece em um ambiente honesto quando confiamos em quem nos deverá, independentemente das garantias porventura exigidas. Ofertar crédito é acreditar, confiar e viabilizar o sonho do outro, ou seja, dar crédito é comprometer-se com a idéia do outro. Quantas emoções se fazem presentes nas transações creditícias?

Outro aspecto muito interessante está vinculado à regra geral de sobrevivência dos agentes econômicos. Por mais competitivo e selvagem que seja o ambiente onde seu negócio está inserido, você deve fabricar seu produto da melhor forma que lhe é possível sempre, mesmo sem saber a quem se destina. Assim, um fabricante de chinelos buscará fazê-los da melhor forma que possa satisfazer seus usuários, ainda que sejam completamente desconhecidos, podendo até ser um desafeto dele. É mais ou menos como, fazer o bem sem olhar a quem. Ou não?

Os recursos tecnológicos disponíveis pela revolução industrial e, mais recentemente, pela economia digital, nos fazem grandes produtores de excedentes a partir do nosso trabalho. Produzimos muito mais que somos capazes de consumir. Um simples liquidificador é utilizado apenas 5 minutos por dia para dar cabo de nossas necessidades, ficando o resto do tempo ocioso. O mesmo acontece com quem tem um sítio e um trator geralmente superdimensionado e, portanto, ocioso. Um pequeno forno é suficiente para produzir alimentos destinados a várias famílias. Que fazer com esses excedentes?

 Mais significativo ainda, é a nossa condição moderna resultante da economia do conhecimento, na qual a matéria-prima não se esgota com o uso. Pelo contrário, conhecimento não se divide – se multiplica. Passar conhecimento para outra pessoa não diminui este em nada, mas contrariamente, o amplia. Será o capital humano uma forma de capital absolutamente não degradável?

De forma pragmática, o que vemos nas relações comerciais é uma tendência crescente em direção a informalidade nas relações duradouras. À medida que convivemos com parceiros comerciais éticos, relaxamos naturalmente os nossos controles. Esse é o caminho espontâneo das transações econômicas: substituir valores materiais, as garantias e cauções, por exemplo, por valores humanos como a confiança e a solidariedade nas parcerias comerciais.

No início do século XX, Rudolf Steiner, pesquisador e filósofo austríaco, fundador da Antroposofia, desenvolveu um modelo de organização social que denominou de “Trimembração do Organismo Social”, no qual a atividade econômica, que é um dos 3 membros deste organismo, se inspirava na FRATERNIDADE. Tal modelo, implantado experimentalmente em uma pequena sociedade alemã foi logo desfeito em função de perseguições do dominante e crescente nazismo de então. Nesta proposta, a fraternidade é apresentada como sendo a origem arquetípica ou primitiva da atividade produtiva. De fato, a rigor nosso trabalho é realizado para os outros e pela necessidade dos outros – os nossos clientes, geralmente anônimos.   

Pode parecer difícil enxergar fraternidade no conturbado ambiente econômico, porém, me parece a cada dia mais evidente essa convergência. Os argumentos acima apresentados me fazem crer que Steiner estava certo na sua tese. Organizações que superaram esse paradigma tumultuado da visão de negócios através de parcerias, associativismo, cooperação ou práticas colaborativas nos negócios alcançaram patamares diferenciados no próprio fortalecimento e tornaram-se uma referência no que fazem. Acredito que a ganância, a cobiça, o consumismo e a indiferença aos valores humanos no meio dos negócios são apenas metamorfoses patológicas oriundas de uma leitura do mundo feita com a lente errada por um Ser Humano que também não se conhece e se ilude, mas que também é incapaz de alterar a verdade.


Publicado no jornal Cinform 26/10/2009 – Caderno Emprego


segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Lan house e educação em perfeita combinação

 

Na década de 90, as lan houses surgem como ambientes de jogos coletivos em computadores. Nessa época, os computadores eram bastante caros e as redes locais para conexão entre eles, ainda mais inacessíveis. Assim, as lan houses (lan significa Local Area Network e house significa casa) ou casas com redes locais de computadores, nesta primeira geração, adquirem o estigma de ambiente de jogos. Efetivamente, ainda hoje, algumas lan houses se configuram neste modelo ultrapassado. Uma segunda geração de lan houses surge a partir de 2000 ofertando além dos tradicionais jogos, o acesso à internet com maior velocidade que as linhas discadas domésticas e serviços de impressão, edição de imagens, digitação e gravação de CDs. Hoje, vivemos a 3ª geração de lan houses e cyber cafés que guarda diferenças importantes sobre as gerações anteriores e começa a organizar-se à medida que ganha consciência do destacado papel que cumpre na inclusão digital e social do Brasil.


No Brasil atual, as lan houses exercem um inestimável serviço às camadas mais pobres da população: de acordo com pesquisa encomendada pelo CGI/BR – Comitê Gestor da Internet no Brasil, 82% dos internautas brasileiros que ganham até 1 salário mínimo usam lan houses para acesso a grande rede. E mais, 68% dos internautas nordestinos também são usuários destes centros públicos de acesso pago. E uma boa notícia: 65% dos usuários de lan houses a procuram para fins de pesquisa acadêmica, 21% para fazer download de livros, 22% para buscar cursos e 10% para educação a distância. É ou não uma boa notícia? Pelo visto, ir contra a lan house é ir contra as classes menos privilegiadas.


A internet está influenciando decisivamente nosso cotidiano. Não fossem nossos preconceitos e hábitos (ou vícios) já estávamos muito mais envolvidos pelos serviços disponíveis nessa teia gigante. Por exemplo, que motivo há para enfrentarmos as infernais lojas de material escolar no início de cada ano, se podemos adquirir os mesmos livros confortavelmente através da internet em sites confiáveis. Desta forma, o comércio enfrenta novos desafios e precisa se renovar para entender este momento peculiar e dele tirar proveito ao invés de sentir-se ameaçado. Igualmente, muitos serviços públicos estão (alguns exclusivamente) disponíveis na internet, como a inscrição para o Enem, os concursos públicos, os pregões eletrônicos, o imposto de renda, o programa “Minha casa minha vida”, os editais, o Prouni, Boletins de Ocorrências (BO), emissão de Títulos de Eleitor, acompanhamento de processos judiciais, agendamento médico, matrícula escolar, emissão de certidões negativas, etc, etc e até divórcios. Em Salvador/BA, até autorização de obras, habite-se e outros serviços da prefeitura são solicitados via internet, exclusivamente através de lan houses credenciadas. Semelhantemente, em Manaus/AM as meia-passagens para estudantes são adquiridas em lan houses, livres de filas e gerando negócios para as pequenas empresas.


É interessante notar que a maior parte das dúvidas que temos no cotidiano também podem ser esclarecidas pela internet. Ou seja, se você quer aprender a dar nó em gravatas ou tirar mancha de ferrugem em tecidos, ou como produzir mudas de mangaba, a solução pode vir de algum site confiável sobre o tema. Também, pode-se usar a internet para manifestos políticos, participar de grupos de discussão ou redes sociais, e ainda usar os avançados serviços bancários disponíveis.


As lan houses podem ser lojas dos mais variados artigos sem estoque algum. Graças ao comércio eletrônico e à possibilidade de ser correspondente bancário, a lan house pode promover vendas interessantes até para quem não tem cartão de crédito ou conta bancária. Algumas já se especializaram em vender passagens aéreas ou terrestres, outras em vender anúncios classificados de jornais, e há também aquelas que vendem produtos de lojas locais facilitando a vida de milhares de pessoas. Afinal, é mais barato e rápido usar a lan house que pegar um ônibus.


Sergipe tornou-se referência nacional pelo seu pioneirismo em trabalhar a partir das lan houses. O principal projeto sergipano, oriundo do município de Estância, é orientado à educação. No referido projeto, as lan houses associadas e devidamente capacitadas, fizeram um convênio com a prefeitura para ofertar seus serviços aos estudantes da rede municipal e estadual de ensino que recebem o “webtíquete” dos seus professores. Para tanto, as lan houses estão preparadas para assistir ao estudante durante seu trabalho escolar. Caso, não ande na linha a casa é descredenciada perdendo os benefícios do convênio. Este projeto é motivo de orgulho para o estanciano, posto que já é objeto de estudo e desejo por duas capitais nordestinas e diversas outras cidades brasileiras atraindo a atenção de autoridades públicas e políticas dos mais diversos lugares.


Tudo que vimos aqui nos mostra a potencialidade da lan house no cenário atual. Tudo que a internet pode, a lan house pode. Como a maior parcela do povo brasileiro não tem qualquer intimidade com computadores e muito menos com a internet, isso exige mediação do gestor da lan house para que possam usufruir das coisas boas dessa moderna infovia.


As lan houses precisam superar o estigma negativo adquirido em outra época, assumindo uma posição mais responsável sobre o uso de seus computadores por menores, combatendo o anonimato absoluto, orientando novos usuários, não aceitando estudantes em horário de aulas. E esta nova postura já esta sendo adotada por muitas delas em todo o Brasil, seja através da adesão à rede CDI/LAN e ao seu código de conduta, seja pela legalização de sua atividade facilitada pelo novo código CNAE e nova Lei do Empreendedor Individual, ou ainda pelo associativismo exemplar de Estância e agora também em Aracaju com a fundação da primeira associação de lan houses da grande Aracaju.


Agora, se você é professor(a) e nada disso está acontecendo em sua região, faça como a professora baiana que levou seus alunos de 5ª e 6ª séries de uma escola pública a uma lan house para que pesquisassem sobre a cultura baiana e criassem um site sobre isso. Uma experiência pedagógica muito rica e significativa para todos. 




Publicado no jornal Cinform 12/10/2009 – Caderno Emprego

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Educador: o profissional que tem o tempo a seu favor





A maioria das profissões trabalha contra o tempo. Na engenharia, por exemplo, a ação do tempo é perversa com os materiais. O aço é corroído, a madeira é desintegrada, os plásticos ressecam. Na área de software e periféricos de informática, a obsolescência é ainda mais rápida. Na medicina, os remédios têm curta data de validade, bem como os exames clínicos. Jardineiros e agricultores combatem pragas e espécies invasoras permanentemente para evitar caros prejuízos. É possível explicitar várias atividades humanas, senão quase todas, onde o tempo traz regressões no seu desenvolvimento: musicistas, atletas, químicos, produtores de alimentos e estilistas, por exemplo.


Existem leis naturais que agem sobre os elementos físicos e químicos, arrastando-os na direção do mais absoluto caos. A entropia é uma dessas leis. Na natureza tudo tende a se espalhar e se tornar difuso. Assim, encontrar elementos minerais concentrados em um mesmo local é literalmente encontrar uma mina, ou seja, algo muito raro. Talvez um descuido natural ou um presente dos deuses para nós humanos.


Com a educação é diferente. Claro que me refiro a educação no sentido mais nobre do termo. As práticas pedagógicas corretamente aplicadas, isto é, com técnica e amor, semeiam a alma de crianças e adolescentes, fecundando uma referência na personalidade por toda a vida futura. Quem não se lembra de grandes professores que tivemos? Muitos deles são pessoas extremamente simples, porém, de alma tão rica e transbordante que na sua peculiar simplicidade marcou positiva e definitivamente nosso destino. Isso mesmo! A responsabilidade do professor está ampliada para muito além da sala de aula, é uma responsabilidade cármica. Pois, do mesmo jeito que nos lembramos docemente dos bons mestres, também, ainda degustamos do fel dos maus professores que passaram por nossas vidas. Porém, os bons mestres são os que nos chegam em lembranças vivas, acendendo em nosso interior a luz que fortalece nossas escolhas, às vezes caras, mas corretas, nas situações difíceis e conflituosas que enfrentamos na vida.


A Pedagogia Waldorf fundamenta-se em estudos biográficos dos seres humanos ao afirmar que na faixa etária dos 7 aos 13 anos geramos os hábitos e ritmos que manteremos por toda a vida. Quem, nessa fase da vida, tem pais disciplinadores e atentos aos ritmos dos filhos e da casa, adotará naturalmente estes mesmos hábitos e ritmos para sua vida toda. Quem, nesta idade escovou os dentes após as refeições ou foi acordado pelas manhãs sempre cedo, ainda que forçado por pais ou avós, assim procederá sempre, experimentando grande desconforto quando privado de tal procedimento. Ou seja, o tempo reforça e engrandece a educação recebida.


Se pequenos afazeres são perpetuados por uma zelosa educação doméstica, o que pensar sobre a formação do caráter a partir de belos exemplos de valores humanos, de gestos de amizade e respeito, de cuidado com a natureza, de um construtivo trato social, de belas vivências estéticas e artísticas e de religiosidade? Eu, particularmente, vivi a oportunidade em minha adolescência de ser escoteiro, e trago profundamente marcado em meu ser as ricas experiências de ecologia (nunca época em que não se falava nisso ainda), de cidadania, de disciplina e respeito ao coletivo, além, da superação do medo de aprender a conviver com o risco real, da construção da autonomia e da capacidade empreendedora.


Penso que seria muito oportuno à educação moderna a prática de ações voluntárias de interesse social feitas por nossos jovens e organizadas pelas escolas. Essas ações trariam contato com a realidade de nossa própria sociedade, especialmente para os alunos de escolas particulares, enriquecendo a formação educacional, para muito além dos conteúdos e macetes do moribundo vestibular. Certamente, todas essas ações sociais ou ambientais são permeadas por vastos conteúdos curriculares de todas as séries, que podem e devem servir como conhecimento vivo – aquele que efetivamente nos apropriamos e jamais nos desfazemos dele.


Imaginemos a riqueza de saberes e conteúdos educacionais atuantes em uma campanha de vacinação, por exemplo. Aí estão presentes as fórmulas químicas, os microorganismos e a biologia, a matemática na diluição e proporção das doses, a geografia com a cobertura territorial e ocupacional da campanha, a história com a comparação entre situações passadas e atuais, a comunicação como estratégia de mobilização comunitária, a física com o funcionamento dos instrumentos de aplicação dos remédios (seringas, conta-gotas, etc), a sociologia denunciando desigualdades e seus motivos na saúde pública, além do resgate de importantes vivências cívicas, só para citar alguns. E tudo isso ocorre sistematicamente nesta campanha de vacinação de forma interdisciplinar e consequentemente com todas as disciplinas escolares presentes, sem a separação artificial dos conteúdos que só acontece mesmo na escola e em mais nenhum outro lugar.


Como vemos, as chances para uma melhoria na educação são muitas, acessíveis, e mais dependentes de atitudes dos educadores (pais, professores, empresários da educação, pedagogos, governos, intelectuais e demais interessados) que de tecnologias importadas ou de fachadas. Nós educadores temos o privilégio, talvez exclusivo, de termos o tempo a nosso favor. Somos parceiros do tempo, e isso não é pouco.    




            Publicado no jornal Cinform 28/09/2009 – Caderno Emprego


segunda-feira, 14 de setembro de 2009

A importância estratégica da micro empresa




     Dias atrás, vivi a oportunidade de participar como palestrante no 1° Encontro de Empresas Juniores na UFS, quando falei sobre a economia sergipana e as tendências de mercado promissoras para nossas empresas juniores. Naturalmente, não possuo bola de cristal para adivinhar o futuro, mas passei para os jovens empreendedores indicadores que anunciam as mudanças mais claras, a exemplo de questões ambientais, envelhecimento populacional, empreendedorismo, interiorização e empoderamento local, dentre outras. Porém, a minha maior satisfação em participar do evento foi sair de lá com a certeza de que alguns tabus e dogmas começam a ser quebrados no ambiente acadêmico. Lá estavam empresas juniores de engenharia florestal, administração, economia, ciências contábeis, química e outras, apresentando caminhos que aproximam o valioso conhecimento acadêmico do grandioso espaço reservado às micro e pequenas empresas no campo da inovação.


É sabido que o Brasil pouco investe em P&D (pesquisa e desenvolvimento) na iniciativa privada. São diversas as razões para isso e podemos enumerar algumas: primeiramente, a pouca pesquisa realizada no Brasil está concentrada principalmente na universidade pública. Isto é, 73% dos pesquisadores brasileiros estão nas universidades, enquanto nos EUA apenas 13% estão nelas. Já os centros de pesquisas brasileiros têm 11% dos pesquisadores ante os 79% dos norte-americanos. Em segundo lugar vem o difícil relacionamento público-privado brasileiro, onde empresário e lucro são mal vistos. Com certeza, é muito difícil conseguir a cessão, ainda que temporária, de um pesquisador de universidade pública para desenvolver seu projeto em uma empresa privada. Diferentemente, este mesmo pesquisador é gentilmente cedido para algum órgão público. Assim afirma o doutor Jacques Marcovitch — reitor da USP de 1997 a 2001, autor da série "Pioneiros & Empreendedores".


Certamente, os argumentos que a universidade apresenta para defender seu ponto de vista são bem fundamentados e embasados em citações sólidas. Fortes também são os argumentos da iniciativa privada que necessita de P&D e não consegue fazê-lo deslanchar, embora todos saibam que a interação será vantajosa para todos, como disse Carlos Henrique de Brito Cruz, presidente da Fapesp: “Com orçamento anual de R$ 13 milhões, o Instituto de Física da Unicamp já deu origem a 12 empresas de alta tecnologia, que faturam R$ 300 milhões. Diga-me qual investimento rende mais de 20 vezes".


Os institutos de pesquisas devem mediar essa importante aproximação entre as demandas tecnológicas do mercado e a pesquisa universitária.  Assim aconteceu na Coréia do Sul, país que em apenas três décadas elevou a renda per capita de seu povo em seis vezes com relação à brasileira no mesmo período. Nessa Coréia, encontra-se a sede da Nokia, maior fabricante de telefonia celular do mundo, mas que na década de 80 era apenas um fabricante de botas de borrachas. Tal fato ilustra o esforço empreendido na formação de capital humano (educação, escolaridade, empreendedorismo, inovação, pesquisa) e capital social (confiança, identidade nacional, valores comuns), pilares da nova economia mundial.


Aqui entra a vantagem da micro empresa como fonte de inovação. Se olharmos para o cenário atual, veremos que grandes marcas líderes como Aplle, microsoft, HP, Bematech (Brasil), Mandic (Brasil), etc., nasceram em garagens, apartamentos ou em incubadoras de pequenas empresas ligadas a universidades. Está aí a grande vantagem competitiva para a micro e pequena empresa sobre as demais: a agilidade.


Diferentemente, na maioria das grandes empresas a idéia deve nascer no ano anterior para ser contemplada no orçamento corrente. Uma boa idéia pode sofrer bloqueio hierárquico devido a vaidades, insegurança ou outras questões de recursos humanos. Para assegurar o retorno sobre investimento e obter vantagem competitiva, uma boa idéia, durante sua fase de pesquisa e desenvolvimento, deve ser guardada em segredo, o que é muito difícil na grande empresa. Além de tudo isso, um pesquisador apaixonado por seu trabalho peleja em busca de uma resposta, horas seguidas, de forma incansável, independentemente se é dia, noite, sábado, domingo ou feriado. Como fazer isso numa empresa burocratizada, normatizada e zelosa para evitar contenciosos trabalhistas?


Naturalmente que o poder econômico está do lado da grande empresa. Dentre os 100 maiores PIBs do mundo, mais da metade são oriundos de conglomerados econômicos e só a menor parte é formada por países.  Por isso, uma boa idéia que se transforma em inovação finda por ser adquirida por grandes empresas, seja através de fusões, incorporações, sociedades ou pela simples compra da propriedade intelectual. Ainda assim, pode ser extremamente vantajoso para as micro e pequenas empresas negociarem seu invento.


Devemos defender a micro empresa e assegurar que disponha de um ambiente saudável para sua sobrevivência. A micro empresa não é um acidente de percurso simplesmente porque ainda não cresceu. Ela deve ser valorizada e protegida por leis para que possa cumprir o papel que a nova economia lhe tem destinado: ser um agente de inovação, criatividade, empreendedorismo e geração de empregos, trabalho e renda para nosso país. 





Publicado no jornal Cinform 14/09/2009 – Caderno Emprego



segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Burocracia e economia



     Quando Max Weber (1864-1920) desenvolveu sua teoria sobre a burocracia estava, como todos seus contemporâneos, encantado com as conquistas da revolução industrial. A máquina era, então, o modelo máximo da aventura humana na Terra. Certamente, Weber, ao propor a racionalidade burocrática para a organização pública, o fez imbuído das melhores intenções: proteger o bem público do patrimonialismo largamente dominante e estabelecer regras de funcionamento da estrutura pública visando torná-la mais institucionalizada e menos personalizada. Sua racionalidade, porém, se inspirava na frieza cartesiana das máquinas da época. Aliás, mesma fonte inspiradora da linha de montagem fordista.

Hoje, em muitos casos, vemos a burocracia ser um fim em si mesmo. Suspende-se o envio da merenda escolar a um município se este não apresentar os relatórios comprobatórios nos prazos estabelecidos. Isso porque  os papeis são mais importantes que a merenda de crianças famintas. O mesmo acontece com a falta de remédio em hospitais por causa de procedimentos licitatórios questionáveis. Confunde-se impessoalidade com desumanidade.

As organizações humanas seguem ou deveriam seguir modelos biológicos, inspirados no próprio ser humano, que são muito mais flexíveis e tolerantes que as engrenagens, polias e catracas. Uma máquina será inteira e imediatamente prejudicada no seu funcionamento caso uma engrenagem trave ou se solte. Nestas organizações, a relação entre um elemento e outro não é tão direta. Provavelmente, trabalharemos o dia todo em uma empresa sem saber se há um problema no funcionamento da portaria ou da tesouraria. Tal problema se agravará até comprometer o todo, somente após dias seguidos de crise. O mesmo acontece com nosso corpo, quando o mau funcionamento do estômago ou uma bursite, por exemplo, prejudica nossas atividades sem parar todo o organismo. Muitas vezes mudamos nossa alimentação ou hábitos para melhor convivermos com nossos males corpóreos, ou ainda assumimos papéis e rotinas de outros setores da empresa, posto que estes não desempenham adequadamente suas atribuições. Isto é o modelo orgânico que prevalece tanto em organismos biológicos quanto empresariais, governamentais e sociais.

A economia segue o modelo sistêmico ou biológico de forma plena, por vezes, desobedecendo aos inputs originados em um painel de controle. A economia, a biologia, a ecologia e as ciências humanas em geral, são incontroláveis a partir do modelo reducionista vigente. Ou seja, o modelo científico só responde aos problemas atuais que podemos isolar para estudarmos, o que é impossível nestas citadas áreas do conhecimento, nas quais nenhum dos atores consegue controlar o todo, mas apenas perturbá-lo.

À medida que nos afastamos da máquina como modelo de organização econômica, vemos que o modelo mais adequado tende a se estruturar em valores humanos, obviamente inexistentes nas insensíveis engrenagens. O berço do vínculo econômico é a confiança, que se transforma em capital humano e capital social - fundamentos do desenvolvimento local.  

Um estudo do Banco Mundial (1995) sobre 192 países concluiu que apenas uma fração do crescimento econômico (16%) se explica pelo capital físico (máquinas, edifícios e infra-estrutura); 20% provêm do capital natural (petróleo, hidrelétricas, florestas), e 64% são atribuídos ao capital humano e social.

 O ambiente das relações econômicas e negócios tem aversão, por sua própria natureza, à burocracia. Toda relação no mundo da economia tende para a informalidade. Por isso, faz grande diferença no relacionamento conhecer pessoalmente aquele fornecedor de outro Estado com quem só se comunicava por email ou telefone. Comumente, a relação muda, fica mais fácil quando há empatia e confiança mútua. A relação cliente-fornecedor tende a simplificar quando as partes cumprem seus contratos iniciais. Muitos são os casos em que caducam os contratos de papel e as transações comerciais prosseguem como se nada houvesse de irregular. O que está no papel só é usado nos litígios e contendas judiciais.

O crédito é uma forma de confiança. Quando o banco ou o fornecedor repassa capital, inicialmente exige cadastro e garantias para depois, uma vez cumprido o acordado, flexibilizar e incentivar a novas investidas.

A partir dessa tendência natural à informalidade nas relações econômica surgem grandes armadilhas. A informalidade (mesmo no sentido mais nobre do termo: estar à vontade com a outra parte, confiar) não é suportada pelo serviço público brasileiro nas suas relações com outras entidades, sejam públicas ou privadas. São inúmeros os casos de empresas que sofrem grandes prejuízos e até fecham suas portas, por haver confiado em agentes do serviço público já que este está regido pela impessoalidade. O inverso também é verdadeiro quando um preposto do serviço público contrata informalmente e/ou paga antecipadamente por um serviço ou fornecimento que não ocorreu. Este descuidado servidor pagará caro por isso.

 Diante da crise econômica atual, várias são as propostas de maior intervenção governamental na economia.  Creio que não será possível num ambiente econômico saudável esta aproximação. São entes de natureza tão divergentes, regidos por princípios e velocidades igualmente desencontrados que só conseguem conviver bem nos momentos em que o instinto de sobrevivência impera, qual o leão que nada lado a lado com a gazela na planície inundada. Quem será o leão?




Publicado no jornal Cinform 31/08/2009 – Caderno Emprego