segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Educador: o profissional que tem o tempo a seu favor





A maioria das profissões trabalha contra o tempo. Na engenharia, por exemplo, a ação do tempo é perversa com os materiais. O aço é corroído, a madeira é desintegrada, os plásticos ressecam. Na área de software e periféricos de informática, a obsolescência é ainda mais rápida. Na medicina, os remédios têm curta data de validade, bem como os exames clínicos. Jardineiros e agricultores combatem pragas e espécies invasoras permanentemente para evitar caros prejuízos. É possível explicitar várias atividades humanas, senão quase todas, onde o tempo traz regressões no seu desenvolvimento: musicistas, atletas, químicos, produtores de alimentos e estilistas, por exemplo.


Existem leis naturais que agem sobre os elementos físicos e químicos, arrastando-os na direção do mais absoluto caos. A entropia é uma dessas leis. Na natureza tudo tende a se espalhar e se tornar difuso. Assim, encontrar elementos minerais concentrados em um mesmo local é literalmente encontrar uma mina, ou seja, algo muito raro. Talvez um descuido natural ou um presente dos deuses para nós humanos.


Com a educação é diferente. Claro que me refiro a educação no sentido mais nobre do termo. As práticas pedagógicas corretamente aplicadas, isto é, com técnica e amor, semeiam a alma de crianças e adolescentes, fecundando uma referência na personalidade por toda a vida futura. Quem não se lembra de grandes professores que tivemos? Muitos deles são pessoas extremamente simples, porém, de alma tão rica e transbordante que na sua peculiar simplicidade marcou positiva e definitivamente nosso destino. Isso mesmo! A responsabilidade do professor está ampliada para muito além da sala de aula, é uma responsabilidade cármica. Pois, do mesmo jeito que nos lembramos docemente dos bons mestres, também, ainda degustamos do fel dos maus professores que passaram por nossas vidas. Porém, os bons mestres são os que nos chegam em lembranças vivas, acendendo em nosso interior a luz que fortalece nossas escolhas, às vezes caras, mas corretas, nas situações difíceis e conflituosas que enfrentamos na vida.


A Pedagogia Waldorf fundamenta-se em estudos biográficos dos seres humanos ao afirmar que na faixa etária dos 7 aos 13 anos geramos os hábitos e ritmos que manteremos por toda a vida. Quem, nessa fase da vida, tem pais disciplinadores e atentos aos ritmos dos filhos e da casa, adotará naturalmente estes mesmos hábitos e ritmos para sua vida toda. Quem, nesta idade escovou os dentes após as refeições ou foi acordado pelas manhãs sempre cedo, ainda que forçado por pais ou avós, assim procederá sempre, experimentando grande desconforto quando privado de tal procedimento. Ou seja, o tempo reforça e engrandece a educação recebida.


Se pequenos afazeres são perpetuados por uma zelosa educação doméstica, o que pensar sobre a formação do caráter a partir de belos exemplos de valores humanos, de gestos de amizade e respeito, de cuidado com a natureza, de um construtivo trato social, de belas vivências estéticas e artísticas e de religiosidade? Eu, particularmente, vivi a oportunidade em minha adolescência de ser escoteiro, e trago profundamente marcado em meu ser as ricas experiências de ecologia (nunca época em que não se falava nisso ainda), de cidadania, de disciplina e respeito ao coletivo, além, da superação do medo de aprender a conviver com o risco real, da construção da autonomia e da capacidade empreendedora.


Penso que seria muito oportuno à educação moderna a prática de ações voluntárias de interesse social feitas por nossos jovens e organizadas pelas escolas. Essas ações trariam contato com a realidade de nossa própria sociedade, especialmente para os alunos de escolas particulares, enriquecendo a formação educacional, para muito além dos conteúdos e macetes do moribundo vestibular. Certamente, todas essas ações sociais ou ambientais são permeadas por vastos conteúdos curriculares de todas as séries, que podem e devem servir como conhecimento vivo – aquele que efetivamente nos apropriamos e jamais nos desfazemos dele.


Imaginemos a riqueza de saberes e conteúdos educacionais atuantes em uma campanha de vacinação, por exemplo. Aí estão presentes as fórmulas químicas, os microorganismos e a biologia, a matemática na diluição e proporção das doses, a geografia com a cobertura territorial e ocupacional da campanha, a história com a comparação entre situações passadas e atuais, a comunicação como estratégia de mobilização comunitária, a física com o funcionamento dos instrumentos de aplicação dos remédios (seringas, conta-gotas, etc), a sociologia denunciando desigualdades e seus motivos na saúde pública, além do resgate de importantes vivências cívicas, só para citar alguns. E tudo isso ocorre sistematicamente nesta campanha de vacinação de forma interdisciplinar e consequentemente com todas as disciplinas escolares presentes, sem a separação artificial dos conteúdos que só acontece mesmo na escola e em mais nenhum outro lugar.


Como vemos, as chances para uma melhoria na educação são muitas, acessíveis, e mais dependentes de atitudes dos educadores (pais, professores, empresários da educação, pedagogos, governos, intelectuais e demais interessados) que de tecnologias importadas ou de fachadas. Nós educadores temos o privilégio, talvez exclusivo, de termos o tempo a nosso favor. Somos parceiros do tempo, e isso não é pouco.    




            Publicado no jornal Cinform 28/09/2009 – Caderno Emprego


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