quarta-feira, 8 de agosto de 2012

Trabalho decente para o empregador também


Esta semana acontece em Brasília a I Conferência Nacional de Emprego e Trabalho Decente. Trata-se de uma oportunidade para discutir políticas públicas que nortearão o futuro das relações de trabalho no Brasil. Torçamos para que haja lucidez e racionalidade nos produtos finais desse encontro de trabalhadores, empregadores e governos. Não se pode ser raso na interpretação de resoluções oriundas de órgãos externos como a OIT – Organização Internacional do Trabalho.

Vivemos em um país continental, em que cerca de 85% da população se concentra em 1,5% da área territorial. Isso, por si, já demonstra a escassez reinante entre os brasileiros espalhados pelos 98,5% do país, desassistidos de infraestrutura mínima de saúde, renda, educação, transporte, estradas, habitação, saneamento, segurança, energia elétrica, etc.

Lamentavelmente, nesses bolsões nacionais, o Estado em todas as suas esferas se faz presente para punir ainda mais os brasileiros desassistidos. Eu convivo com a realidade do sul do Piauí e sei do que afirmo aqui. Ano passado, me espantou o fato de um jovem ter sofrido um acidente de moto, fraturando uma perna na segunda-feira de carnaval. Este infeliz rapaz só veio a ter sua perna engessada na quinta-feira, após viajar 400 km em carro fretado e pagando pelo serviço médico numa clínica particular. Por se tratar de uma pessoa pobre, essa assistência só foi possível porque uma pequena empresa local, num gesto de solidariedade, providenciou os recursos financeiros. Onde estava o Estado?

Esse Poder, ausente no cumprimento de suas obrigações constitucionais, por vezes se faz presente na região, unicamente para exercer seu caráter fiscal e punitivo contra essa mesma pequena empresa, perfeitamente legalizada, ambientalmente sustentável, que gera empregos formais onde não há energia elétrica, nem internet, nem água tratada e seu acesso se dá por estradas municipais intransitáveis durante a chuva, ficando interrompido o trânsito por até uma semana inteira devido a inexistência de pontes e a abundância de atoleiros. Além disso, tal empresa dista 70 km do banco, 200 km do contador, 600 km do curso obrigatório de operador de motosserras, 900 km dos órgãos ambientais licenciadores e 1500 km de seus clientes – as siderúrgicas mineiras. Como visto, itens indispensáveis para o funcionamento desse empreendimento regido por leis palacianas, as mesmas aplicadas aos bancos multinacionais da avenida Paulista.

Os empreendedores pioneiros são os bandeirantes do século XXI, que abrem espaço para o crescimento da economia regional, sobrevivendo em condições de total adversidade nas atividades empresariais, sem incentivos justos, sem logística de transporte, punidos severamente por gerar empregos para brasileiros que não tiveram a sorte de haver nascido nas Paulíneas ou Londrinas, interiores presentes naquele privilegiado 1,5 % do território nacional. 

No Brasil os empresários não diferem muito dos trabalhadores quanto ao status precário da sua escolaridade, na má formação profissional, na dificuldade de acesso ao crédito e na renda familiar. Afinal, mais de 99% das empresas brasileiras são micro e pequenas, pertencentes a pessoas que se enquadram nos maiores estratos populacionais de nosso país: classes C, D e E.

Será justo defender o trabalho decente apenas para os empregados, já que não há diferenciação notável de seus patrões na quase totalidade dos casos? Acho que estão confundindo as imagens do empresário brasileiro com a do banqueiro internacional.

Aliás, defender o “trabalho decente” parece encantar a todos, porém, por sua imprecisão e abstração conceitual, pode ser a fórmula para politizar o tema e interpretá-lo da maneira mais aprazível ao discurso de uma elite camuflada, aproveitadora e utilitarista. Bem ao estilo do filósofo John Stuart Mill (20/05/1806–08/05/1873): “É melhor ser um ser humano insatisfeito que um porco satisfeito; melhor ser um Sócrates insatisfeito que um tolo satisfeito; e, se o tolo ou o porco tem uma opinião distinta, é porque eles só conhecem o seu próprio lado da questão”.


Publicado no jornal Correio de Sergipe em 08/08/2012 - Caderno B2

Publicado em:
http://www.cdlaju.com.br/site/index.php?option=com_content&view=article&id=155:trabalho-decente-para-o-empregador-tambem&catid=44:noticias&Itemid=109

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