A polêmica
Resolução do Conselho Nacional de Educação – CNE, estabelece a idade mínima de seis anos
completos até o dia 31 de março do ano para a criança ser matriculada no Ensino
Fundamental. Naturalmente há muita discussão sobre a pertinência da norma, bem
como sobre eventuais desconfortos de sua aplicação aos pais que acompanham o
desenvolvimento de seus filhos com grande expectativa, ou ansiedade.
Sabemos que
os amadurecimentos neurológico e psicológico das crianças não são tão
sincronizados ao calendário, como defendem os opositores da tal Resolução.
Também sabemos que há crianças que aceitam a precocidade do processo de
alfabetização com boa adaptação.
Porém,
existem inúmeras outras crianças que sofrem danos no seu crescimento,
comprometendo a autoestima
em maior ou menor grau por não conseguirem acompanhar as exigências cognitivas
aceleradas e infrutíferas, impostas por uma escola que desrespeita seus
direitos mais elementares, como por exemplo, concentrar suas energias no
desenvolvimento do seu próprio corpo e dos seus sentidos, instrumentos que necessitam ser saudáveis para o
resto de suas vidas.
Existem ritmos
biológicos que são imutáveis e, como tais, devem ser considerados pela
pedagogia para se iniciar adequadamente à alfabetização. O corpo da criança
revela sinais de amadurecimento neurológico: a conclusão da troca de dentes, a
proporção entre o tamanho da cabeça e o tamanho do corpo, o estirão que ocorre
em torno dos seis anos e o controle do organismo sobre febres, entre outros.
O resultado
do Provinha Brasil demonstra que as crianças mais novas têm pior desempenho,
segundo pesquisa da Fundação Carlos Chagas, realizadora do exame. Sendo assim,
qual é o ganho de antecipar o ingresso no ensino fundamental? Será que
esticando a grama ela crescerá mais rápido?
Vivemos uma
febre de intelectualidade em nossos tempos, a qual
ocasiona uma típica deformação social moderna. Ao aderirmos a essa exacerbada
racionalidade, negligenciamos a outras capacidades humanas indispensáveis para
a harmonia social. De que vale ser “inteligente” e ser um adulto
inseguro? Ser “o primeiro da classe” e não
saber respeitar a diversidade humana? Ingressar
na universidade aos dezesseis anos desconhecendo a própria vocação? Esses são
alguns exemplos muito comuns.
Particularmente, nós, brasileiros, vivemos em uma profunda crise de valores, paralela a um
apagão de criatividade e inovação tecnológica. Se de um lado produzimos muitos
artigos científicos, do outro, temos pouquíssimas patentes. Ou seja, somos
experts em colocar modelos no papel, mas não sabemos como realizá-los.
“Se você quer
que seu filho seja brilhante conte a ele contos de fadas. Se você o quer muito
brilhante, conte-lhe ainda mais contos de fadas”, disse com toda propriedade
Albert Einstein, gênio emblemático da racionalidade humana. Portanto, jamais
podemos tirar o direito à infância de nossas crianças sem comprometer seu
desempenho quando adulto. Foi o que disse a Carta da Rede Nacional Primeira
Infância - RNPI - e Associação Brasileira de Magistrados, Promotores de Justiça
e Defensores Públicos da Infância e da Juventude – ABMP - entregue a 1600
juízes, promotores públicos, defensores da infância e da juventude, advogados,
estudantes de direito e vários outros profissionais que trabalham com crianças
e adolescentes, no 23º Congresso da ABMP, em Brasília, no dia 5 de maio de
2010: “(...) Antecipar a entrada no ensino fundamental para a idade de cinco
anos é uma forma de reduzir a infância e impor exigências que acabarão por
produzir efeito contrário do desejado: estresse, desinteresse pela escola,
reprovação e abandono. Mas o efeito mais pernicioso se instala no íntimo da criança
e esse dificilmente será reparado, porque criança sem infância é, na grande
parte dos casos, adulto infeliz.” Vale registro que esse documento foi
encaminhado ao Senado por dezenas de instituições pedagógicas e de proteção à
infância, incluindo-se a UNESCO e a UNICEF.
Sejamos
radicalmente contrários à precocidade como regra a fim de não corrermos o risco
de gerar uma legião de excluídos sociais, por um engano irreparável do sistema
educacional. Muito cuidado. Semelhante ao erro médico existe o erro pedagógico –
igualmente danoso. Acredite!
Publicado no jornal Cinform em 28/11/2011 –
Caderno Emprego
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