O homem desenvolveu dois
métodos para lidar com os rejeitos poluentes: caso seja sólido, procura
concentrar para que seja isolado no ambiente. Caso seja fluido, isto é, gasoso
ou líquido, procura dispersar para não mais tornar-se visível. Assim, a
poluição atmosférica ou hídrica é socializada para todo o planeta
automaticamente, enquanto a poluição sólida dos aterros e lixões, por exemplo,
é delimitada geograficamente. Embora, a poluição sólida sempre reflita em
poluição aérea ou do lençol freático, e portanto socializada parcialmente.
Quero com isso fazer um
paralelo entre essas metodologias de combate a poluição e as metodologias
econômicas usuais no Brasil. Em nosso país, o tratamento que se dá aos
prejuízos econômicos se igualam ao tratamento de efluentes fluídos.
Socializa-se automaticamente, às vezes na calada da noite, outras vezes
acintosamente à luz dos olhos de todos. Emblematicamente, o sistema financeiro
repassa todo seu risco e prejuízo aos seus clientes através da taxa de juros,
das taxas de serviços ou do spread
bancário (diferença entre as taxas de captação e aplicação financeiras). Por
sua vez, a indústria e o comércio repassam estes custos para o preço dos seus
produtos, majorando o preço final pago pelo consumidor.
Quando uma empresa deixa
de honrar seus compromissos com uma instituição financeira, todos pagam. Desta
forma, é ingênuo pensar que se trata de um problema localizado, restrito aos
agentes relacionados diretamente com o infeliz empresário. Não, a lógica tem se
mostrado perversa: a instituição financeira lesada vai repartir o seu
“prejuízo” entre todos aqueles que mantêm negócios, inclusive clientes pessoas
físicas por meio de suas infindáveis e gordas taxas de juros e serviços ou as
anuidades de cartões de crédito.
Importante se faz entender
a prática do repasse de custos aos preços finais, o que socializa
indistintamente até potenciais prejuízos não efetivados. No preço dos produtos
de consumo obrigatório, tipo material escolar, leite para crianças, remédios,
transportes, higiênicos e comida, dentre outros básicos estão embutidas
externalidades financeiras que não dizem respeito direto ao consumidor,
especialmente os de mais baixa renda.
Isto faz do Brasil o país
único no mundo que conseguiu fazer um portentoso crescimento do PIB nos últimos
60 anos sem mudar a desigualdade da distribuição da renda. Coisa que só o
Brasil consegue. Seja pela criatividade de fazer políticas compensatórias como
tíquete-refeição, vale transporte, vale-gás, bolsa-família, etc. Seja pela
distribuição livre dos prejuízos a toda a sociedade, penalizando mais os de
baixa renda, perpetuando desigualdades e neutralizando ações de políticas
públicas reparadoras.
Já o lucro, tão visado
ideologicamente, é em tese, muito menos perverso. Com ele, acontece algo
semelhante à poluição de sólidos: mesmo concentrado e isolado, é socializado
através da “contaminação” dos fluidos ao seu entorno, inclusive na forma de
impostos. Portanto, muito mais controlável e saudável que o invisível prejuízo.
Como vemos, tratamos o
lucro com impulso concentrador e os prejuízos com impulso dispersor. Não
devemos crer que seja possível uma sociedade existir sem ambos já que derivam
da assunção de riscos inerentes ao mundo dos negócios.
Na minha visão, lucro e prejuízos
são entes naturais da atividade econômica. Não visualizo problemas em ambos
dentro de valores e padrões razoáveis.
Mas o que seria razoável? Talvez a visão orgânica da economia traga
respostas.
Na natureza, a produção de
excedentes é regra básica. Uma laranjeira dá milhares de laranjas com sementes
durante sua vida. Caso não houvesse excedente nessa planta, ela daria apenas
uma laranja com duas sementes no máximo, para repor sua existência. Sem mais.
O organismo humano produz
bilhões de espermatozóides e milhares de óvulos para pouquíssimos serem
fecundados. O risco de fracasso é alto e as possibilidades de reprodução são
baixas. Inúmeras perdas são freqüentes, ou seriam prejuízos? O excedente
corresponde ao risco e essa é a regra natural.
Tudo que é produzido pela
natureza é produzido com excedentes. Semelhantemente, na atividade econômica o
mesmo acontece com o uso intenso de tecnologias, é o caso de uma máquina de
produzir pneus que produzirá muito mais pneus que todos os envolvidos no
processo serão capazes de consumir. A diferença é que na natureza só há
cooperação e na economia predomina a competição.
O surgimento de uma
floresta é de uma beleza sem par. Os primeiros arbustos que surgem vêm apenas
para fazer sombra para as árvores secundárias, mais nobres. As secundárias
também visam sombrear idealmente o local para o crescimento protegido das
terciárias, ainda mais nobres e definitivas. Quando as sucessoras ultrapassam
as pioneiras, estas morrem e irão adubar o solo para o desenvolvimento bem
sucedido das plantas mais nobres. Assim, surge uma Mata Atlântica, por exemplo,
fruto da mais alta cooperação entre seres ditos irracionais.
Na natureza, como na
economia existem o excedente, o risco, a perda e a doença. Mas, penso que se
nos espelharmos no modelo orgânico para conduzir a moralidade econômica
viveremos em justa paz com desenvolvimento cooperado, ainda que alguns sejam
pioneiros e outros mais definitivos nas suas atividades. Mas igualmente
importantes para o todo.
Publicado no jornal Cinform
03/05/2010 – Caderno Emprego
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