segunda-feira, 8 de julho de 2013

Quando a escola exclui


Todos os dias, escutamos o clamor coletivo dos brasileiros em busca de superação das deficiências da nossa Educação. Interesses diversos tentam se apropriar da veste de “salvador da pátria” quando propõem soluções para esse cenário de precariedade. Infelizmente, muitas dessas soluções não passam de interesses corporativos diretos que olham exclusivamente para uma classe de atores da educação; ou ainda, os interesses mercadológicos travestidos de pedagógicos. Quaisquer desses são pontos de vista por demais limitados e unidirecionais, incapazes de diagnosticar com precisão a realidade complexa da formação educacional de uma criança no ritmo e idade ideais.

Não devemos ver com bons olhos a ansiedade de gestores da Educação em antecipar a alfabetização para menos de sete anos de idade, acreditando que assim conseguirão completar o processo de letramento das crianças até os 8 anos, estabelecido recentemente como meta nacional. Por quê? Ao observarmos o desenvolvimento de uma criança, vemos que o amadurecimento neurológico segue um ritmo biológico natural que não dá saltos e nem é passível de aceleração sob nosso comando. Disso decorre que a alfabetização só será satisfatória e saudável se encontrar o ambiente intelectual propício. Isto é, nos ensina Piaget, a criança deve possuir acomodação cognitiva suficiente para assimilar informações abstratas e simbólicas, que convencionamos como as letras e os algarismos.

Uma criança sem a devida maturidade neurológica e que venha a ser submetida a esforços intelectuais será, por certo, uma vítima da escola. Exigir dela aquilo que ela não pode alcançar é uma violência contra a criança, até então saudável, porém, agora submetida a um dilema – ou se adapta rapidamente deslocando forças de outras áreas (prioritárias) do seu metabolismo para o intelecto, comprometendo, assim, a saúde física; ou não responderá a contento com o desafio da intelectualização precoce e será vítima de “bullying” ou outros fatores prejudiciais à autoestima, adoecendo a alma. Ambas as situações lesionarão a integridade de uma pessoa que não possuía qualquer “atraso” ou preguiça, mas apenas seu ritmo natural adequado e, talvez, deficiência de forças para responder a esse injusto desafio e sair-se bem, como alguns outros conseguem.

Hipoteticamente, se dispomos de uma sala de alfabetização com alunos de 6 anos de idade, da qual somente metade chega ao final do ano com o desempenho de leitura desejado, certamente, teremos expectativas frustradas. Indaga-se: caso, essa mesma turma iniciasse esse processo escolar com o mesmo método e professor, agora com 5 anos de idade, teríamos um resultado superior ao da outra turma no final do ano? É lógico que não. Então, ao anteciparmos o processo de alfabetização na escola, bem como o ingresso ao ensino fundamental com seis anos, podemos estar dando um tiro no próprio pé.

A dificuldade só aumentará na aplicação do método com alunos mais novos e o número de crianças imaturas neurologicamente para a alfabetização será incrementado, obviamente. É a escola estreitando a boca do funil, em busca de um modelo idealizado por adultos, apesar das crianças.

Crer que ganharemos um ano a mais para alfabetizar até os oito anos de idade, antecipando o letramento, pode ser à custa de produzirmos uma legião de excluídos, frutos de um modelo escolar perverso. Por certo, todo educador atento vê os danos que o fracasso escolar imprime na personalidade daqueles que viveram essa situação.

Para avaliarmos a maturidade de crianças para alfabetização, existem ferramentas psicopedagógicas bem interessantes, como os kits desenvolvidos pelo pesquisador português, Dr. Rafael Pereira, de fácil aplicação. Ou, outro sinal mais simples, adotado mundialmente pela Pedagogia Waldorf: a troca dos dentes de leite por permanentes, sinalizando que o corpo físico está plasmado pela criança até na sua substancia mais dura – o esmalte dentário, liberando assim, forças para o “pensar”.


          Publicado no jornal Cinform em 08/07/2013 - Caderno Emprego
Publicado no jornal Coerente - Ano I, ed. 1ª, em 16/09/2013


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