segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Irmã Dulce, a empreendedora exemplar


 Em 13 de agosto de 1933, a Irmã Dulce recebeu o hábito da Congregação das Irmãs Missionárias da Imaculada Conceição da Mãe de Deus, aqui em Sergipe. Assim, nessa data, comemora-se a beatificação dela, conforme fixou o papa Bento XVI. Questões religiosas à parte, centremos nosso tema no que, certamente, todos concordam: a capacidade empreendedora da "bem-aventurada Dulce dos pobres".

A Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, celeiro mundial da gestão de negócios e considerada por “rankings como a melhor universidade do mundo, desenvolveu excelentes pesquisas sobre empreendedorismo. Entre os resultados, estão cursos para formação de empreendedores desenvolvidos para a Organização das Nações Unidas – ONU -, a exemplo do Empretec, ministrado no Brasil pelo Sebrae.

Um dos pontos de destaque dessa metodologia é a garantia de formar empreendedores a partir de capacitações, já que parte do principio de que o empreendedor pode ser “feito” não sendo, portanto, necessariamente um dom nato. Outro ponto fundamental é o reconhecimento do empreendedor pelo comportamento dele, ou seja, o empreendedor se revela pelas atitudes e não por ser dono de negócio ou empresa, contrariando o estigma de associar o empreendedor a uma atividade comercial.

Segundo essa exitosa metodologia, são dez as características atitudinais do empreendedor: 1- estabelece metas; 2- busca oportunidades e tem iniciativa; 3- exige qualidade e eficiência; 4- planeja e monitora sistematicamente; 5- tem comprometimento; 6- persiste; 7- corre riscos calculados; 8- busca informações; 9- tem persuasão e rede de contatos e 10- possui independência e autoconfiança. Tais características podem ser desenvolvidas por qualquer pessoa.

Se quisermos fazer um bom exercício sobre as características do empreendedor, basta identificá-las na vida de Irmã Dulce. A obra realizada por ela, que ainda funciona na Bahia, e as adversidades enfrentadas, que vão desde a saúde permanentemente debilitada às humilhações frequentes sofridas na busca pela sustentabilidade do empreendimento social dela, resultaram em um  trabalho inegavelmente fantástico, a começar pelo Hospital Santo Antônio, maior casa de saúde particular com atendimento exclusivamente gratuito do País, ainda em pleno funcionamento na Bahia.        

   Irmã Dulce morreu em 13 de março de 1992, pouco tempo antes de completar 78 anos. As últimas três décadas da vida dela foram marcadas pela fragilidade da saúde, abalada seriamente, já que tinha 70% da capacidade respiratória comprometida.
Ao nascer, em 26 de maio de 1914, em Salvador, recebeu o nome de Maria Rita de Souza Brito Lopes Pontes. Aos 13 anos, ela já havia transformado a casa da família em um centro de atendimento a pessoas carentes.

Os primeiros anos do trabalho da jovem missionária foram intensos. Em 1936, ela fundou a União Operária São Francisco e, em 1937, o Círculo Operário da Bahia, mantido com a arrecadação de três cinemas construídos através de doações. Em maio de 1939, Irmã Dulce inaugurou o Colégio Santo Antônio, escola gratuita para operários e os filhos deles. Ela, ainda, criou o bandejão, em 1950, para dar comida aos pobres, uma central de aleitamento materno e escolas profissionalizantes.

Inconformada, em 1939, Irmã Dulce invadiu cinco casas na Ilha dos Ratos para abrigar doentes que recolhia nas ruas. Após ter sido expulsa das casas, ela peregrinou durante uma década, levando os doentes por vários lugares até, por fim, instalá-los no galinheiro do Convento Santo Antônio, tendo improvisado um albergue que deu origem ao Hospital Santo Antônio. Também extremamente bem humorada, Irmã Dulce chegou a tocar acordeão e a cantar nas ruas de Salvador para arrecadar dinheiro. Em 1988, foi indicada para o Prêmio Nobel da Paz.  

Recomendo a leitura detalhada da biografia dessa notável personalidade,  encontrada fartamente na internet, na qual é possível localizar as dez características do perfil empreendedor em inúmeras passagens. Temos, portanto, um exemplo de empreendedorismo puro e inspirador para todos os que buscam a construção de sonhos, com ou sem milagres.



           Publicado no jornal Cinform em 27/08/2012 – Caderno Emprego

Publicado na revista Tecnologia da Informação & Negócios nº 09/2012

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

Asas para o Senac




Sempre que estou ensinando empreendedorismo para alunos de pedagogia, convido a um exercício que revela limites que impomos à própria realidade, maculando a nossa percepção. O exercício consiste em discutir livremente a criação de uma escola qualquer, regular, de idiomas ou profissionalizante. Em geral, os alunos se entusiasmam com a ideia e vão transpondo para o papel o projeto com fervor. A discussão origina sempre no modelo do prédio, tamanho das turmas, mobiliário, número e professores, área de recreação, localização da escola, salários e até o estilo da sala do diretor. Alguns raros “projetistas” vão ao modelo de negócio, finanças, viabilidade econômica e retorno sobre o investimento, a rigor, assuntos mais vitais ao empreendimento do que o estilo do prédio e da sala do diretor. Ficam ausentes, por exemplo, propostas de Educação a Distância - EaD - e os métodos pedagógicos que servirão de base para o trabalho escolar.

Isso demonstra o quanto estamos aprisionados ao paradigma das formas e das estruturas físicas na nossa visão de mundo. Todavia, a avassaladora tendência atual é priorizar os fluxos ao invés das formas. As modernas indústrias são desmontáveis ou descartáveis. Algumas são projetadas para durar o mesmo tempo que a campanha de fabricação de seus produtos, como a das impressoras HP, o que nos desfaz a imagem de fábrica como algo definitivo, pesado e irreversível. Assim, podemos transportar esse modelo para a escola que deve priorizar os fluxos de ensino e aprendizagem, mas não as suas estruturas físicas, como no caso de uma escola na modalidade EaD.

Esse é o novo mundo da economia do conhecimento, onde o patrimônio é tão imaterial quanto o “software” ou a reputação de uma empresa. Mundo esse, que já responde pela maior fatia do PIB mundial e que circula por meio de linhas telefônicas, dispensando portos e estradas. Também que oportuniza o surgimento de novos e impensáveis modelos de negócios amparados pela colaboração de milhares de anônimos cidadãos capazes de construir uma exitosa Wikipédia e, paralelamente, assistir à derrota da poderosa enciclopédia Microsoft Encarta, ancorada em um modelo comercial ultrapassado.

Nesse cenário, o Senac dá um salto qualitativo ao lançar sua nova marca. Uma instituição com mais de 60 anos de existência, dona de grande passado, validado pelos serviços prestados, dá um passo corajoso e integrador ao lançar essa nova identidade visual com adesão unânime dos regionais brasileiros. A nova marca faz essa passagem, sem ruptura com as coisas boas do passado ao aposentar uma marca criada em 1969, muito bem sucedida, porém, fruto de um Brasil que já não existe, na qual, a solidez das formas e a monocromática se revelam emblemáticas para uma nova marca criteriosamente estudada, mais leve, colorida, dinâmica, fluída, que alia bem a percepção de mobilidade social e o dinamismo da moderna economia, com a visão de futuro institucional e o empreendedorismo.
Inspirada na ideia de um avião, a marca estreante reforça a competência que buscamos incansavelmente para oferecer sempre o melhor aos nossos estudantes. Competência  refletida nas três cores: profunda do azul - associada ao conhecimento; expansiva e atuante do claro alaranjado – simbolizando as habilidades; ambas mediadas pela apaixonada cor laranja - que irradia nossas atitudes simpáticas. Ademais, a existência das asas indica a faculdade cognitiva: “aquele que compreende tem asas”.  

Com tais asas, alçaremos longos voos a novos e desconhecidos lugares, porém, muito seguros e planejados. Igualmente, não iremos abdicar da terra firme, sedimentada por décadas de bons serviços em educação profissional, para as imprescindíveis aterrissagens e decolagens.

Raras instituições dispõem de tão nobre histórico e, ao mesmo tempo, conseguem se expor ao risco típico dos empreendedores. Desse modo, a sociedade espera por inovação, desde que se perpetuem os mais nobres valores. Daí, o Senac, como ninguém, pode parafrasear o escritor Eduardo Galeano e dizer: “Temos um esplêndido passado pela frente!

       
Publicado no jornal Cinform em 13/08/2012 – Caderno Emprego

quarta-feira, 8 de agosto de 2012

Trabalho decente para o empregador também


Esta semana acontece em Brasília a I Conferência Nacional de Emprego e Trabalho Decente. Trata-se de uma oportunidade para discutir políticas públicas que nortearão o futuro das relações de trabalho no Brasil. Torçamos para que haja lucidez e racionalidade nos produtos finais desse encontro de trabalhadores, empregadores e governos. Não se pode ser raso na interpretação de resoluções oriundas de órgãos externos como a OIT – Organização Internacional do Trabalho.

Vivemos em um país continental, em que cerca de 85% da população se concentra em 1,5% da área territorial. Isso, por si, já demonstra a escassez reinante entre os brasileiros espalhados pelos 98,5% do país, desassistidos de infraestrutura mínima de saúde, renda, educação, transporte, estradas, habitação, saneamento, segurança, energia elétrica, etc.

Lamentavelmente, nesses bolsões nacionais, o Estado em todas as suas esferas se faz presente para punir ainda mais os brasileiros desassistidos. Eu convivo com a realidade do sul do Piauí e sei do que afirmo aqui. Ano passado, me espantou o fato de um jovem ter sofrido um acidente de moto, fraturando uma perna na segunda-feira de carnaval. Este infeliz rapaz só veio a ter sua perna engessada na quinta-feira, após viajar 400 km em carro fretado e pagando pelo serviço médico numa clínica particular. Por se tratar de uma pessoa pobre, essa assistência só foi possível porque uma pequena empresa local, num gesto de solidariedade, providenciou os recursos financeiros. Onde estava o Estado?

Esse Poder, ausente no cumprimento de suas obrigações constitucionais, por vezes se faz presente na região, unicamente para exercer seu caráter fiscal e punitivo contra essa mesma pequena empresa, perfeitamente legalizada, ambientalmente sustentável, que gera empregos formais onde não há energia elétrica, nem internet, nem água tratada e seu acesso se dá por estradas municipais intransitáveis durante a chuva, ficando interrompido o trânsito por até uma semana inteira devido a inexistência de pontes e a abundância de atoleiros. Além disso, tal empresa dista 70 km do banco, 200 km do contador, 600 km do curso obrigatório de operador de motosserras, 900 km dos órgãos ambientais licenciadores e 1500 km de seus clientes – as siderúrgicas mineiras. Como visto, itens indispensáveis para o funcionamento desse empreendimento regido por leis palacianas, as mesmas aplicadas aos bancos multinacionais da avenida Paulista.

Os empreendedores pioneiros são os bandeirantes do século XXI, que abrem espaço para o crescimento da economia regional, sobrevivendo em condições de total adversidade nas atividades empresariais, sem incentivos justos, sem logística de transporte, punidos severamente por gerar empregos para brasileiros que não tiveram a sorte de haver nascido nas Paulíneas ou Londrinas, interiores presentes naquele privilegiado 1,5 % do território nacional. 

No Brasil os empresários não diferem muito dos trabalhadores quanto ao status precário da sua escolaridade, na má formação profissional, na dificuldade de acesso ao crédito e na renda familiar. Afinal, mais de 99% das empresas brasileiras são micro e pequenas, pertencentes a pessoas que se enquadram nos maiores estratos populacionais de nosso país: classes C, D e E.

Será justo defender o trabalho decente apenas para os empregados, já que não há diferenciação notável de seus patrões na quase totalidade dos casos? Acho que estão confundindo as imagens do empresário brasileiro com a do banqueiro internacional.

Aliás, defender o “trabalho decente” parece encantar a todos, porém, por sua imprecisão e abstração conceitual, pode ser a fórmula para politizar o tema e interpretá-lo da maneira mais aprazível ao discurso de uma elite camuflada, aproveitadora e utilitarista. Bem ao estilo do filósofo John Stuart Mill (20/05/1806–08/05/1873): “É melhor ser um ser humano insatisfeito que um porco satisfeito; melhor ser um Sócrates insatisfeito que um tolo satisfeito; e, se o tolo ou o porco tem uma opinião distinta, é porque eles só conhecem o seu próprio lado da questão”.


Publicado no jornal Correio de Sergipe em 08/08/2012 - Caderno B2

Publicado em:
http://www.cdlaju.com.br/site/index.php?option=com_content&view=article&id=155:trabalho-decente-para-o-empregador-tambem&catid=44:noticias&Itemid=109