segunda-feira, 1 de setembro de 2014

Que assim soja


 Os desafios brasileiros são inúmeros. A maior parte deles é de pleno conhecimento público, a exemplo da deficiente infraestrutura portuária. Recentemente, contudo, me deparei com mais um problema do nosso modelo econômico que, enquanto típico país em desenvolvimento, nos ameaça. Trata-se da chamada “maldição dos recursos naturais” ou “doença holandesa”. Um paradoxo econômico que atinge os países exportadores de commodities, especialmente os recursos naturais não renováveis como o petróleo e os minérios.
Há um debate em curso sobre o quanto a economia brasileira já sofre desse mal. A nossa pauta de exportações está recheada de commodities agrícolas e minerais, com promessas de exportação de petróleo, para breve. Estaria a nossa economia avessa ao crescimento, uma vez que o Produto Interno Bruto – PIB -, se mostra tímido demais, ou melhor, nem se mostra? Seria a supervalorização do Real, que provoca acelerada desindustrialização do País, fruto da exportação massiva de commodities primárias?
A chamada “maldição dos recursos naturais” surgiu a partir dos trabalhos de Sachs e Warner. Esses autores partiram de constatações de que países com abundância de recursos naturais tenderiam a apresentar uma menor taxa de crescimento do PIB que os demais. Assim, os países árabes, ícones na exportação de petróleo apresentaram uma taxa de crescimento médio do PIB per capita de 0,7% entre 1975 e 2005, metade da média mundial. Em oposição, países relativamente pobres em recursos naturais, como Japão, Hong Kong, Coréia, Singapura e Suíça experimentaram taxas de crescimento mais altas.
Segundo o Prêmio Nobel Joseph Stiglitz, são três os ingredientes principais associados a essa “maldição”: 1) países ricos em recursos naturais tendem a ter moedas mais fortes, o que não favorece outros tipos de exportações; 2) como a extração de recursos cria poucas oportunidades de ocupação, o desemprego aumenta; 3) a volatilidade dos preços dos recursos gera um crescimento instável, afetado pelos Bancos internacionais que investem, quando o preço das commodities sobe, e fogem, quando o valor cai.
Naturalmente, a economia brasileira supera com folga a de nossos vizinhos latinos e a de países africanos, igualmente exportadores de produtos primários. Semelhante à Rússia, a variedade de nossos ativos traz superior segurança sobre os países citados. Contudo, se não houver fomento ao empreendedorismo e à consequente diversificação produtiva, caminharemos a passos largos em direção a armadilha já criada por nossa reduzida pauta de exportações, composta basicamente por produtos baratos e intensivos.
Acrescente-se a isso, outro ingrediente para maior proteção: dar transparência do uso dos valores advindos das exportações e dos royalties, incluindo aí, a liberdade de imprensa e as redes sociais.
Dentre os países exportadores de petróleo, a Noruega é o que apresentou melhor solução para aplicar os petrodólares: criou um fundo petrolífero, a fim de capitalizar uma parte das receitas do petróleo para as gerações futuras e vinculou recursos obrigatórios para a Educação e a pesquisa.
Inspirado no modelo norueguês e consciente que um quilo de satélite artificial tem o mesmo preço que cem milhões de quilos de soja, o Brasil deve passar uma borracha em seus antigos ciclos de exportação e fazer do café uma nova receita: um ponto de encontro de ideias, um centro de partilha de informações e de convergência de todas as classes sociais e faixas etárias. Na diversidade está a chave da inovação e, apenas nessa, o segredo de gerar exportações de valores estratosféricos, emancipadoras econômica e socialmente.
A nossa diversidade cultural e étnica, aliada a elevada concentração urbana e o acesso fácil à internet, nos privilegia por termos ambientes tão favoráveis à inovação. Esse sim, um território único, a ser valorizado pelos próprios brasileiros por meio do empreendedorismo, da Educação, da cultura, do associativismo e da pesquisa. Pois, é das conversas de pequenos grupos nos cafés que pode surgir uma grande mudança no mundo e até, um novo jeitinho brasileiro. Que assim soja. 
                                                        
Publicado no Jornal Cinform em 01/09/2014 - Caderno Emprego


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