segunda-feira, 31 de março de 2014

Tecnologia na escola não se faz no computador



     A história da tecnologia é quase tão antiga quanto a da própria humanidade, pois surge na confecção das primeiras ferramentas de caça, proteção ou transporte. Desde que o mundo é mundo, como diz o poeta, o homem usa dos recursos físicos e estratégicos para se impor sobre o meio. Assim, transportar água em vasos, por exemplo, deu autonomia para as conquistas territoriais. Lascar pedras ou arar a terra trouxe consequências sociais impactantes, além da invenção da roda e do controle do fogo. Porém, tecnologia é toda ferramenta, máquina, técnica, método ou processo que se aplica na resolução de problemas.

     Sob esse ponto de vista, computadores e redes informacionais são apenas ferramentas sofisticadas que, conjuntamente com o desenvolvimento de manipulações genéticas, biomédicas e as conquistas espaciais, formam o ápice da tecnologia atual.

     Será que o uso imediato dos computadores e das modernas TICs (Tecnologias da Informação e Comunicação) em escolas para crianças é um bom caminho para a conquista do almejado domínio tecnológico? Por certo, não! A precocidade provoca um salto frio e inteligível. Uma ruptura.

     Com efeito, apesar dessas TICs exercerem grande fascínio nas crianças e grande ansiedade nos adultos, são totalmente dispensáveis nas escolas infantis. Para os pequenos, representam coisas do passado. Daí dominarem o uso com certo desprezo e alguma arrogância afirmativa. Já para os pais, parecem coisas do futuro, além de serem desafiadoras ao extremo. Portanto, mais se deve à pressão dos pais e do mercado o uso dessas tecnologias na escola, do que uma necessidade pedagógica real. Aliás, desconheço projeto pedagógico de sucesso, com essas TICs, que seja mais envolvente e construtivo do que uma aula de esculturas de argila ou de pintura em aquarela. Afinal, não existe nada mais intolerante que o computador e suas frias simulações, a se valer, a priori, da visão e, perifericamente, da audição. Então, qual o cheiro da cor azul do Paint? Qual o gosto de uma jaca no Google? Qual o calor e a aspereza do pedaço de fóssil na Wikipedia? Qual o equilíbrio que se desenvolve ao guiar uma moto em um game? O que importa é só a aparência?

     Historicamente, Karl Marx (1818-1883) prefaciou, na primeira edição alemã de O Capital: “... a sociedade não pode nem ultrapassar por saltos nem abolir por decretos as fases de seu desenvolvimento natural, se bem que possa abreviar os períodos de gestação e aliviar as dores do parto de cada fase, desde que descubra a lei natural que preside a seu movimento”.

     São questionamentos como esses que nos fazem refletir se o uso antecipado das TICs nas escolas não é uma forma de alienação de alunos, pais e professores, pois há uma série de outras conquistas tecnológicas que as antecederam, criaram suas bases e são ignoradas nesse processo, provocando uma espécie de paraquedismo cognitivo.

     No início do século XX, o dinamarquês Jacob Riis, considerado o primeiro fotojornalista, disse esperançoso: “Quando nada parece ajudar, eu vou e olho o cortador de pedras martelando sua rocha talvez cem vezes, sem que nenhuma rachadura apareça. No entanto, na centésima primeira martelada, a pedra se abre em duas, e eu sei que não foi aquela a que conseguiu, mas todas as que vieram antes”.

     Por essas razões, devemos reconhecer o valor da Pedagogia Waldorf, ao adotar um currículo escolar que vivencia toda a história da tecnologia, na mesma ordem cronológica de seu surgimento. Por certo, uma forma de ofertar segurança e compreensão sobre a sociedade atual e os caminhos percorridos por ela. Decididamente, nenhuma linha pedagógica é tão apaixonada pela tecnologia e tão provedora de criatividade nos seus alunos. No Fórum Social Mundial, em 2003, Fritjof Capra indicou a Pedagogia Waldorf como modelo de educação transdisciplinar.

     “Onde está a vida que perdemos vivendo? Onde está a sabedoria que perdemos no conhecimento? Onde está o conhecimento que perdemos na informação?” T.S.Eliot.


                                                       .
Publicado no Jornal Cinform em 31/03/2014 - Caderno Emprego


terça-feira, 18 de março de 2014

Estacionamentos e garagens: sempre bem nas paradas


     Cerca de vinte e cinco anos atrás, morando na cidade de São Paulo e trabalhando na região central, descobri uma razão muito própria para o ideologizado bordão, “São Paulo não pode parar”: a escassez e o preço dos estacionamentos. A verdade é que, já naquela época, um carro parado custava mais caro do que um rodando por igual período. De fato, assim São Paulo nem podia parar. De lá para cá, com o agravamento da circulação de veículos na cidade dos quilométricos engarrafamentos, nem mais sabemos se São Paulo, além de não poder parar, também não pode andar.

     Hoje, temos em Aracaju, como em qualquer outra capital brasileira, uma crise de mobilidade urbana. Os congestionamentos, a deficiência no transporte público e a falta de estacionamentos, provocam estresse e mudanças de hábitos. Almoçar em restaurantes, para muitos aracajuanos se torna uma necessidade diária, diferentemente dos costumes de até uma década atrás, quando alguns mais conservadores, consideravam “feio” almoçar na rua sem a família.

     Contudo, o que é sofrimento para uns, é oportunidade para outros. Aliás, dizem que a pessoa empreendedora é aquela que quando vê todos chorando, ao invés de entrar na comoção geral, enxerga uma chance imperdível de vender lenços e, assim, atender a essa demanda. Por certo, com esse espírito empreendedor, muitos sonham com a possibilidade de conseguir um terreno ou um velho casarão para demoli-lo e, então, ofertar vagas de estacionamento particular no centro da cidade, realizando um lucrativo negócio.

     Se, enxergamos oportunidades empreendedoras nos estacionamentos e nas garagens, inclusive de shoppings, temos que admitir a nossa modéstia frente a outros povos, particularmente, os norte-americanos, que desenvolveram grandes impérios mundiais a partir de simples garagens. Não por acaso, nasceram em garagens as seguintes marcas: Hewlett-Packard - HP, Harley Davidson Motors, Disney, Mattel, Google, Aplle, Amazon e Lotus Cars (inglesa).

     Desnecessário comentar sobre o valor e a importância dessas marcas. Porém, existem pelo menos três fatores que dão a esses empreendedores estrangeiros superioridade sobre nós: 1- Ambiente favorável ao empreendedorismo, como cultura nacional; 2- níveis de escolaridade e interesse pela pesquisa tecnológica, superiores ao brasileiro e; 3- valorização das micro e pequenas empresas, posto que estas são o principal celeiro da inovação tecnológica.

     Para os norte-americanos, a garagem tem um simbolismo muito especial, associado à criatividade e à inovação. Por conta disso, a Microsoft construiu em seu campus, em Redmond, um galpão – The Garage -, ao qual, os funcionários têm acesso 24 horas por dia e sete dias por semana, funcionando com uma “fábrica de ideias”. Diz o site da empresa, que por essa garagem passaram mais de três mil funcionários e que produziram cerca de dez mil projetos inovadores. Desses, destacamos o mouse sem limite, que permite ao operador-capitão comandar uma frota de computadores simultaneamente, ofertando recursos do tipo copiar-colar ou arrastar arquivos, entre máquinas distintas.

     Por outro lado, neste último mês de fevereiro, comemoramos 50 anos de Beatlemania, movimento mundial disparado a partir do primeiro show dos Beatles na excursão pelos Estados Unidos, em 1964. Esse evento aconteceu na consternada cidade de Washington, três meses após o assassinato de John Kennedy e dois dias após uma aparição ao vivo, no programa The Ed Sullivan Show, que rendeu a audiência recorde de 74 milhões de espectadores, ou seja, metade da população do país.

     Mas, o que a Beatlemania tem a ver com o tema desse artigo? Tudo. O show inaugural dessa histeria coletiva aconteceu no Washington Coliseum, sobre um ringue de luta, dentro de um grande galpão que servia para apresentações de boxe, com arquibancadas para 7 mil pessoas. Confiante em investir nas paradas - Yesterday é a música mais executada no mundo -, o antigo galpão é hoje um carismático estacionamento coberto.


                                                       .                                                      .

Publicado no Jornal Cinform em 17/03/2014 - Caderno Emprego
Publicado na revista TI&N nº 17, de abr/2014

segunda-feira, 3 de março de 2014

Uma parceria do Céu com a Terra

É evidente o crescimento do trabalho em equipe nas atividades produtivas. Por certo, Santos Dumont, o inventor (solitário) do avião há cem anos, hoje, teria que saber trabalhar em grupo para repetir o feito. Afinal, em nossos dias, ninguém fabrica avião sozinho.

     Já se foi o tempo em que trabalhávamos para nós mesmos. Produzíamos o que necessitávamos consumir, gerando poucos excedentes para trocas e, invariavelmente, convivendo com crônica escassez material e fome. A história de nossos antepassados é uma saga de sofrimentos insuportáveis para a “ar condicionada” humanidade atual. Talvez, seja mais confortável nossa favela do século XXI, que um sombrio castelo medieval europeu.

     À medida que a tecnologia avançou, a produção de bens de consumo cresceu excepcionalmente. Isso levou os produtores a buscarem mercados para seus produtos, posto que o trabalho passou a gerar muito mais que seu próprio potencial de consumo. Assim, atualmente, trabalhamos para outros, quase exclusivamente. E, em paralelo, muitos trabalham para nós, formando uma grande rede de cooperação, ainda que invisível e inconsciente. Discretamente, alguém faz o pão fresco que consumiremos mais tarde e a gasolina de amanhã. Reciprocamente, escrevi este artigo para você, caro e anônimo leitor.

     Existem produtos incríveis, frutos de trabalhos compartilhados em larga escala, a exemplo do Linux – programa de computador -, desenvolvido por meio da internet, resultado do esforço de milhares de programadores voluntários, espalhados pelo mundo. Aliás, o Linux é o grande concorrente histórico do Windows. O mesmo, se aplica ao acervo de vídeos do YouTube.

     A evolução do bem estar da humanidade se torna realidade, a partir do trabalho cooperado e da consequente rede de produção. Dessa forma, percebemos que o homem é fruto do meio, ao mesmo tempo em que o meio é fruto do homem. Assim, nos ensina uma das mais belas imagens bíblicas, em Gênesis: “E disse Deus: Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança...”. Interessante o plural “façamos”. Aqui reside a parceria Céu e Terra, na qual o ser humano também protagoniza a criação da própria humanidade e a responsabilidade pelo futuro de todos.

     Philip Kotler, no livro Marketing 3.0, revela que o segredo do marketing contemporâneo é cumprir rigorosamente a missão institucional, obtendo assim, a confiança dos consumidores. Afirma ainda, que as relações horizontais são mais confiáveis que as verticais e que cerca de 90% dos consumidores confiam nas recomendações de conhecidos e, 70% confiam nas opiniões de clientes postadas na internet. Além disso, dão mais crédito a estranhos na sua rede social do que a especialistas.

     Com efeito, negócios são exercícios de confiança. Só queremos negociar com quem confiamos. Não há, portanto, pré-requisito maior para a Economia do que esse valor espiritual. Aliás, só é possível a parceria do “céu”, se nossos propósitos forem honestos e trabalharmos pelo bem comum da humanidade. Dessa maneira, parece ser ideal a fusão dos modelos de empresas comerciais com ONGs, integrando o fator comercial ao interesse público. Daí, fazer do lucro uma consequência da sua útil e respeitosa atuação no mercado. Em resumo, que sejam as empresas e os homens agentes da saudável evolução, aquela alinhada à Divina Providência.

     Para sintetizar uma boa e bem humorada parceria, apresentamos o texto, a seguir, extraído do livro As mais belas parábolas de todos os tempos: Um pastor comprou um bom terreno, mas em péssimo estado: mato e entulho por todo lado. Pacientemente, cada fim de semana limpava um pouco. Depois de limpo, plantou flores e árvores frutíferas e frondosas. Muitos finais de semana depois, já tinha construído uma pequena casa com varanda. O lugar ficou realmente aprazível, e ele, então, convidou um colega religioso para ver como tinha ficado. O colega, ao ver o lugar, exclamou:
     - Puxa pastor, você e Deus fizeram um ótimo trabalho aqui!
     - Pois é. Você precisava ver quando Deus cuidava disso aqui sozinho!

                                                       

Publicado no Jornal Cinform em 03/03/2014 - Caderno Emprego