segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Somos todos astronautas


O astronauta é o ser humano plenamente dependente da tecnologia para a própria sobrevivência. Qualquer falha de procedimento ou dos equipamentos pode implicar inevitável fatalidade. É um ser tecnodependente por excelência, vivente em uma natureza inabitável e, portanto, totalmente vulnerável.

    O desenvolvimento da tecnologia aeroespacial se confunde com o próprio transcorrer do século XX, desde Santos Dumont com seu artefato “mais pesado que o ar” até o Space Shuttler, ônibus espacial da NASA – Agência Espacial Norte Americana. Porém, é impossível determinar com certeza quando o homem tentou voar pela primeira vez. Existem indícios de tentativas na China no século V a.C., porém, sob o aspecto tecnológico, Arquimedes (séc. III a.C.), formulou o princípio do empuxo, que sustenta – literalmente -, toda a aeronáutica e astronáutica.      

    No século XV, Leonardo da Vinci fez projetos interessantes, inclusive protótipos de helicópteros. Mas, foi o padre brasileiro Bartolomeu de Gusmão, em 1709, o primeiro a construir um balão, que chamou de “Passarola” e, nele voou, pioneiro.

     Essa corrida histórica revela o impulso humano de criar sua própria natureza (artificial), se afastando do ambiente natural. A 12 de Abril de 1961, Yuri Gagarin tornou-se o primeiro homem a ir ao espaço, quando completou uma órbita terrestre e, acima da atmosfera, anunciou ao mundo a cor do Planeta: "A Terra é Azul!". Afinal, saber a cor do planeta é abstrair-se dele, isto é, vê-lo de fora.

     Reforça esse feito, a louca e incessante busca pela soberania humana no universo retratada em missão posterior pelo cosmonauta soviético Titow, ao declarar publicamente que, flutuando em longínquos espaços, não viu Deus. E, a partir disso, se propôs a testemunhar a favor do ateísmo científico.

     Por outro lado, Neil Armstrong, primeiro homem a pisar no solo lunar, em 1969, disse a famosa frase: “É um pequeno passo para um homem, mas um passo gigante para a humanidade” que revela a prometida perfeição tecnológica atingida. De fato, em tecnologia somos perfeitos, pois, já mandamos missões a outros planetas: Voyager I e II, naves não tripuladas que saíram do sistema solar, após visitar Júpiter, Saturno, Urano e Netuno, numa viagem que durante 12 anos enviou a Terra milhares de fotografias singulares. Até o Brasil possui astronauta e lança foguetes. Mas, se em tecnologia a palavra-chave é perfeição, no social é exclusão e no ambiental é erosão, ainda, infelizmente.

     Sob a ótica da qualidade de vida, parece não haver remédio para os astronautas. Apenas 3%, no máximo, do peso de um foguete correspondem ao módulo habitável e equipamentos da missão. O resto é combustível e motores, principalmente. Dessa forma, é um paradoxo crer que conquistar o espaço é estar comprimido dentro de uma cápsula, se alimentando de pílulas por vários dias. 

     Com efeito, a dependência tecnológica se faz presente também em terra firme. Peritos afirmam que o maior perigo de uma guerra nuclear seria a destruição do fornecimento de eletricidade e da rede de  informática, acarretando a ruptura de toda forma de comunicação e transações financeiras eletrônicas. Poucos transportes funcionariam sem sistemas GPS, eletricidade e petróleo, atestando a vulnerabilidade do modelo civilizatório atual.

     Por volta de 1970 podemos ter dado um passo fatídico, passando de uma era em que a maioria dos seres humanos era capaz de cuidar de si mesmo, em caso de emergência, para uma em que apenas um pequeno punhado de indivíduos o consegue fazer. Essa é a imagem que fazemos de nosso planeta Terra, nave-mãe onde somos todos astronautas, igualmente tecnodependentes.

    Por fim, se foi necessário sair da Terra para vê-la de fora e afirmar que ela é azul, então, penso que o mesmo terá que acontecer para vermos Deus. O que não ocorreu, para felicidade do ingênuo astronauta soviético e de toda a humanidade, pois, nesse sentido, significa que estamos bem unidos a Deus.     
  
         Publicado no jornal Cinform em 21/10/2013 - Caderno Emprego
  

segunda-feira, 7 de outubro de 2013

Aversão histórica a ciência & tecnologia


     São inegáveis as contribuições que a Roma imperial legou ao mundo. Muitas de nossas bases na política, no direito, na administração e nos Governos espelham a origem romana. Porém, se no campo das ciências humanas tanto herdamos, o mesmo não se pode falar sobre ciência e tecnologia.

     Conta a história que Gaius Plinius Cecilius Secundus, conhecido como Plínio, o Velho, italiano nascido em 23 d.C., foi um comandante naval, escritor, naturalista, filósofo e autor de uma enciclopédia composta de 37 volumes que, dentre vários assuntos, um em particular, nos chama bastante a atenção.

     Plínio conta a história de um ourives que trouxe um prato de jantar incomum à corte do imperador Tibério. Aquele prato era espantoso, feito de um metal novo, bem leve, quase tão brilhante quanto a prata. O ourives contou que o extraíra da argila comum, usando uma técnica secreta, cuja fórmula somente ele e os deuses conheciam.

     O metal era o alumínio, nessa altura, mais raro que o ouro. Conta o autor, que o imperador mandou decapitar o ourives ao invés de recompensa-lo. Por certo, Tibério, possuidor de tesouros em ouro e prata, temeu por suas perdas caso esse novo metal surgisse e desvalorizasse os demais.

     O resultado dessa história é que por dezoito séculos a humanidade não conheceu os benefícios do alumínio, metal extremamente abundante na natureza, mas exigente em tecnologia para seu aproveitamento.

     Infelizmente, esse não foi um fato isolado. Com efeito, a ciência romana era atrasada. Havia uma impressionante falta de interesse pela ciência e pela tecnologia. Sabe-se, por exemplo, que Herão, de Alexandria, inventou uma espécie de motor a vapor no século I d.C. Designado eolípila, consistia numa esfera oca montada de forma que pudesse girar em dois tubos ocos que forneciam vapor de um caldeirão por baixo. Poderia ter servido para desempenhar trabalho útil, mas aparentemente, foi tratado como um brinquedo divertido.

     Por causa disso, outros dezesseis séculos se passaram até a máquina a vapor revolucionar o mundo. Assim, durante vários séculos, o transporte de homens e cartas era feito em lombo de cavalos. O poder do vapor poderia ter resolvido alguns dos mais incômodos problemas do império: a lentidão das comunicações.

     Quinhentos anos após a implantação do império romano, os mesmos graves problemas de distribuição de alimentos persistiam. As revoltas de populações famintas eram contidas pela força militar, pois era mais fácil transportar soldados que alimentos de uma região para outra.

     O nosso sangue latino parece arrastar esse DNA da tecnofobia. Embora, nenhuma universidade brasileira figure no ranking das 200 melhores do mundo, ainda assim, acreditamos que possuímos excelentes universidades.

     Na educação básica, os latino-americanos estão muito satisfeitos com seus sistemas educacionais públicos, entre 85% (Costa Rica) e 72% (Paraguai), com os demais países entre esses extremos. Comparativamente, só 66% dos alemães e 67% dos americanos dizem o mesmo. Há algo de muito errado nisso.

     “Os latino-americanos, em geral, estão mais satisfeitos com sua educação pública do que os resultados dos exames internacionais justificam. Estão satisfeitos sem fundamento”, disse Eduardo Lora, o economista do BID que coordenou os estudos.

     Atualmente, 57% dos universitários da América Latina fazem cursos da área de ciências sociais e apenas, 16% cursam engenharia e tecnologia. São três psicólogos para cada engenheiro. Três filósofos para cada físico e três licenciados em história para cada cientista da computação. Muitos recursos econômicos e financeiros para pesquisar o passado e pouco para exercer as carreiras vinculadas às inovações do futuro.

     Falar dessa ilusão latino-americana é fácil, pois não se exigem doutrinas, utopias ou dogmas. Os números falam por si, nas avaliações internacionais de educação comparada, nas matrículas universitárias ou no número de patentes registradas.


           Publicado no jornal Cinform em 07/10/2013 - Caderno Emprego


           Publicado na revista TI&N em 10/2013 – nº 015