Desculpem-me
pelo uso de uma palavra da língua inglesa no título deste artigo, mas, por
vezes, existem algumas que exprimem com absoluta clareza o que queremos dizer.
O vocábulo “indoor” se aplica a situações em que o fato ou o evento ocorre em locais
fechados. Assim, são chamadas “kart indoor” as competições de kart que se
realizam dentro de galpões.
Semelhantemente,
muitos de nossos jovens, em especial aqueles moradores das grandes cidades,
levam a vida em ambientes fechados, sem contato com a natureza e desconhecendo
até a existência da própria lua.
Um
professor de ensino médio de São Paulo me contou a seguinte história: “Um aluno
escreveu que a Terra possui quatro luas: a lua cheia, a lua minguante, a lua crescente
e, por último, a lua nova. Totalizando, dessa forma quatro luas.”
Questionado
pelo professor, que, a princípio, acreditou se tratar de uma brincadeira, o jovem assegurou a plena
crença na existência das quatro luas, pois a interpretara assim a partir da
leitura de livros. Essa cena lamentável
exibe a distância crescente entre nossas vidas e a mãe natureza. Facilmente,
esse acidente de percurso de aprendizado pode estar acontecendo com uma geração
inteira, na medida em que jovens vivem em shoppings indiferentes à luz do sol;
circulam em metrôs subterrâneos; mergulham na internet em uma sobrevivência
relacional por meio de redes sociais artificiais e estudam em escolas que
poucas atividades executam ao ar livre.
Existe
um movimento econômico que favorece a padronização dos produtos e serviços que
consumimos chamada “comoditização”, termo aportuguesado a partir da palavra
inglesa “commodity”, que significa
produto ordinário, de fácil substituição por outro de origem diversa, devido à
baixa diferenciação. Exemplo disso são os produtos do agronegócio, como a soja,
o trigo, o milho, o açúcar, entre outros. De igual maneira, situam-se o
petróleo e o minério de ferro. Essa tendência se expande a setores antes bem
diferenciados, mas, agora, altamente assemelhados, a exemplo dos modernos carros,
que estão submetidos à ditadura do design aerodinâmico, cuja tendência maior é
tornar todos eles muito parecidos entre si e, em particular, os modelos “hatch”, que se parecem com a forma ideal de
um ovo.
É
tão fácil quanto alienante ligarmos um aparelho elétrico numa tomada em casa ou
no escritório e desfrutarmos a presença da energia elétrica naquele ponto.
Quanto ao conforto, não há o que discutir. Porém, sob a ótica da alienação,
ocorre uma total desvinculação entre causa e efeito. Nada nos diz sobre a
origem daquela energia. Será ela oriunda de uma termoelétrica, de uma
hidrelétrica do Rio São Francisco ou de uma placa solar? Não sabemos. Mas que diferença
isso faz na qualidade da energia elétrica em si? Em princípio, nada disso muda para
o usuário, exemplificando, aqui, o efeito da “comoditização” industrial a
distanciar a causa do efeito.
Sob
a ótica pedagógica, estamos usufruindo
um mundo de fenômenos vazios, no qual o GPS faz o papel das estrelas
fixas na orientação dos navegadores, o raio laser substitui o prumo
gravitacional nas construções e as estações do ano pouco alteram nossas rotinas
e nossas provisões, exceto pelas novas coleções da moda. Assim, somos usuários
de produtos e serviços de um mundo distante, inimaginável até. Deixamos de ser
provedores para sermos ferrenhos consumidores, ou melhor, consumistas
contumazes. Vivemos a fazer downloads de água nas torneiras, de energia elétrica
nas tomadas, de imagens televisivas, de informações desconexas e de produtos
digitais na internet. Com certeza, estamos a “baixar” amores fortuitos ao
“ficarmos” casualmente com parceiros ou parceiras nas baladas, cinemas e praças
de alimentação “macdonaldas”, para em seguida deletá-los por rápida
obsolescência aplicada e aprendida na escola no descarte anual de livros
escolares, de professores que ficam para a série anterior e de fardamentos que
saem de moda. Só nos interessa o modelo do ano ou da estação.
Espero
não chegar o tempo em que teremos saudade dos alienados que viviam no mundo da
lua, pois os de hoje, de repente, nem lá estão.
Publicado
no jornal Cinform em 10/09/2012 – Caderno Emprego
Concordo!
ResponderExcluirMuitos jovens ficam acomodados por existir facilidades em diversas tarefas nos dias de hoje, por exemplo, trabalhos escolares, eles não fazem como os jovens de anos atrás que iria ler livros e fazer seu resumo, pois além de todo conhecimento do conteúdo tinham a certeza que estudou a estar preparado para tal assunto caso fosse questionado mais na frente, já HOJE, é aquele famoso COPIAR e COLAR da INTERNET, muito comodismo em locais fechados como diz o título do texto, acho que eles dizem: se tem internet, p/ quer ler?
Eles não sabem o que estão perdendo...
Livros são verdadeiros, conteúdos da internet nem sempre...
Aos mais de idade fica a dica de sair do “indoor” com a troca da esteira elétrica por uma caminhada nas ruas, parques e etc. Como o Sr. Paulo mesmo disse, vamos ver a natureza, a luz do sol...
Muitos desses começa com a educação dada pelos pais, eles são os grandes responsáveis por tais motivos.
Fiquei com uma dúvida, sobre o jovem de são paulo, será que foi falta de interesse nos estudos ou ele tem algo relacionado a dislexia como dito pelo neuropsicólogo português, Dr. Rafael Silva Pereira a uns meses atrás aí no Senac.
Sr. Paulo, mais uma vez gostei muito do texto, bem interessante para nos colocar em fundos pensamentos da troca de hábitos.
E o filme assistiu?
Quando ficar de férias vou aí na sede conhecer o senhor pessoalmente.
Um grande abraço :)
Caro Lucas,
ResponderExcluirNão tenho maiores detalhes sobre o jovem de SP. Apenas tomei conhecimento desse fato a partir de uma conversa com a professora dele. Creio que quem nunca acompanhou o ciclo lunar, que é tão natural pra nós, pode nem imaginar a realidade. Quanto a leitura do livro e o equivoco gerado, pode ser um simples erro de interpretação de texto, e não ter a ver com algum transtorno de aprendizagem.
Continuo devendo o filme. Apareça na sede quando quiser.
Um abraço
Caro Paulo,
ResponderExcluirParabéns por esta reflexão.
Dias deste vi uma charge em que uma criança brincava com seu videogame e a mãe aconselhou-o a brincar “lá fora”, no quadro seguinte aparece ele com o joystick do lado de fora da janela.
A questão é estamos apresentando às nossas crianças e jovens outras opções, ou o indoor é mais cômodo para todos?
Na década de 1980 vi uma publicidade dos Escoteiros de Santa Catarina na qual três crianças se encostavam entediadas a um muro tendo ao lado uma bola de futebol, e sobre eles a seguinte frase “Ai se eles soubessem que lá fora há estrelas, riachos e matas”.
Como educador voluntário em um Grupo Escoteiro, casualmente do sistema S, o SEST SENAT, vejo com tristeza que ano após ano não conseguimos incrementar o nosso efetivo, não por culpa das crianças e jovens, mas dos pais, que colocam vários obstáculos para que os filhos sejam apresentados ao mundo que existe lá fora.
Só quem já viu a alegria de lobinhos (membros do Escotismo na faixa etária dos 7 aos 10 anos )no Escotismo) ao conseguir identificar constelações e planetas, e saber que pode se orientar pelas estrelas, compreende a importância da educação extra-escolar e não formal.
Mas um movimento como o escoteiro não fica somente no “ora direis ouvir estrelas” cada atividade tem um propósito, e só o futuro é que revela para estes jovens que aquilo que aprendeu brincando tem um valor enorme para ele. Não há nada melhor para um educador, especialmente um voluntário receber uma mensagem de agradecimento.
Mas além da comodidade para a família, o indoor também é fruto do sistema educacional, que deveria se chamar instrucional ou preparatório, pois cada etapa só prepara para mais uma etapa (indico o documentário La Educación Prohibida que pode ser baixado no site do projeto www.educacionprohibida.com ).
O que eu temo é no futuro termos uma geração medrosa, sem coragem de enfrentar desafios, mas ao mesmo tempo de arroubos que desatam em violência. Uma geração que não sabe liderar, nem ser liderada, a propósito ver este artigo http://www.administradores.com.br/informe-se/artigos/quer-ser-um-lider-eficaz-consulte-os-escoteiros/21080/
Carlos Nascimento
Caro Escoteiro,
ExcluirObrigado por suas palavras e por sua fundamentada contribuição. Fiquei particularmente feliz por receber esse retorno de um nobre escoteiro. Tudo que voce ponderou eu concordo.
Tive a felicidade de ser escoteiro na minha adolescência e sei o quanto essa experiencia foi importante para a minha formação. Ainda hoje sou um admirador da natureza e me contento com a simplicidade. Assim, como escrevi, lamento que nossos talentosos jovens estejam se distanciando da vida e, nessa rotina indoor, formando um caráter de integridade duvidosa - devido ao hábito de um cotidiano subterrâneo ou camuflado nas redes sociais.
São vítimas dos pais que querem filhos felizes (mesmo que comprando essa "felicidade" ao satisfazer suas mais fúteis vontades), ao invés de filhos fortes, autônomos, equilibrados e bons.
Farei a leitura dos sites que recomenda e comentarei depois.
Um abraço, sempre alerta,