Existe no ar uma
expectativa positiva quanto ao crescimento do PIB brasileiro em 2010.
Certamente os interesses políticos com esse número são grandes e assim, por
certo, nem toda notícia econômica é imparcial ou isenta neste ano eleitoral.
Mas, tudo faz crer que este ano será melhor para as contas nacionais que o ano
passado, marcado por uma crise internacional.
O que é o PIB? É o Produto
Interno Bruto, em termos de metodologia, é o sistema de contas nacionais
elaborado ainda nos anos 1950 no quadro das Nações Unidas, com ajustes em 1993,
que reflete a soma dos valores e custos de produção de bens e serviços,
restringida portanto à área de atividades mercantis. Desse modo, não espelha
indicadores sociais ou de qualidade de vida de uma sociedade. Assim nos ensina
o economista Ladislau Dowbor.
Já o colesterol é
conhecido em dois tipos: o LDL (o mau) e o HDL (o bom). Grosso modo, podemos
dizer que o LDL facilita a deposição de gordura nas paredes dos vasos
sanguíneos e o HDL remove o excesso de gordura no sangue, o encaminhando para o
catabolismo no fígado.
Com base nas definições
acima, quero usar o colesterol como metáfora para entendermos melhor as
diferentes qualidades do PIB. O PIB
(mau) é incrementado com a contabilização dos desastres e acidentes, bem como
com o impedimento do público ao lazer gratuito ou com as despesas de saúde e
recuperação ambiental decorrentes da poluição. Porém, também, são aditivos ao
crescimento o PIB (bom) decorrente da atividade econômica saudável, aquela que
gera empregos e renda sem destruição ambiental e que ainda traz vantagens para
a qualidade de vida das pessoas naquele lugar, a exemplo de obras de
abastecimento de água, esgotos, moradias, educação, dentre outros. A partir
destes parâmetros, o PIB da pequena e histórica cidade de São Luiz do
Paraitinga (SP), destruída recentemente pela enchente calamitosa do rio do
mesmo nome, terá crescimento superior em 2010 com os investimentos de
recuperação dos prejuízos calculados em R$ 100 milhões. Pergunto: crescimento
do PIB impulsionado por tragédia é bom para a comunidade? Em 1999 o naufrágio
do navio petroleiro Exxon Valdez nas costas do Alaska torna-se um caso
clássico, pois elevou fortemente o PIB da região devido aos inúmeros contratos
de empresas para limpar as costas atingidas pela maré negra. Como pode a
destruição ambiental aumentar o PIB?
O PIB é alimentado por
fluxos monetários dos meios e não pelo alcance dos fins. Assim, o volume de
atividade econômica independentemente de serem úteis ou nocivas é registrado
igualmente no cálculo deste indicador.
Preocupa-me que uma
leitura superficial do crescimento do PIB por autoridades que tomam importantes
decisões a partir destes dados possam induzi-las a erros que comprometerão a
qualidade de vida dos cidadãos atuais ou futuros. A venda de petróleo ou o
desmatamento da amazônia elevam nosso PIB, quando, em verdade, nos
descapitaliza pois vendemos nossos estoques, por vezes, de forma irreversível.
A leitura do PIB segue frequentemente a lógica simplória do curto prazo: baixo
crescimento significa desemprego, recessão econômica e dificuldades eleitorais.
Já o alto crescimento se traduz como novos empregos, expansão econômica e
vantagens eleitorais. Mas, cuidado! “Crescer por crescer, é a filosofia da célula
cancerosa” dizia um banner colocado por estudantes na entrada de uma
conferência sobre economia.
Sei que existem esforços
no sentido da criação de indicadores de desenvolvimento que reflitam maior
responsabilidade sobre o uso de recursos naturais e sociais por diversos
pesquisadores e autores renomados. Até o Banco Mundial já revisa o PIB através
de nova metodologia mais realista e economicamente sustentável. Assim como o
colesterol total não é suficiente para a leitura da saúde do paciente, também o
PIB total não nos atende mais para o diagnóstico de uma economia.
Concluo certo de que não
nos será possível atravessar o século XXI com a ética do século XX e apresento
abaixo um discurso feito em 1968 pelo senador americano Robert Kennedy,
extraído na internet do site //dowbor.org, que além de eloqüente mostra-se
visionário.
“Durante um tempo
demasiadamente longo, parece que reduzimos a nossa excelência pessoal e os
valores da comunidade à mera acumulação de coisas materiais. O nosso Produto
Interno Bruto, agora, já supera os US$800 bilhões por ano, mas este PIB, – se
julgarmos os Estados Unidos da América por este critério – este PIB contabiliza
a poluição do ar e a publicidade de cigarros, e as ambulâncias para limpar a
carnificina nas nossas autoestradas. Soma as fechaduras especiais para as
nossas portas e as prisões para as pessoas que as rompem. Soma a destruição
florestal e a perda da nossa maravilha natural na expansão caótica urbana...E
os programas de televisão que glorificam a violência para vender brinquedos
para as nossas crianças. No entanto, o produto nacional bruto não conta a saúde
das nossas crianças, a qualidade da sua educação ou a alegria das suas
brincadeiras. Não inclui a beleza da nossa poesia ou a solidez dos nossos
casamentos, a inteligência do nosso debate público ou a integridade dos nossos
funcionários públicos. Não mede nem o nosso humor nem a nossa coragem, nem
nossa sabedoria nem a nossa aprendizagem, nem a nossa compaixão nem a nossa
devoção ao nosso país. Resumindo, mede tudo, exceto aquilo que faz a vida valer
a pena”.
Publicado no jornal Cinform
11/01/2010 – Caderno Emprego
Publicado no Jornal do
Comércio / SE – Editorial jan/2010
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