terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Economia e ecologia

 

Ao analisarmos as palavras economia e ecologia percebemos de imediato que ambas nascem a partir do mesmo radical grego oikos (eco) que significa casa. Assim, economia, ou oikos nomos, é a ordem ou a organização da casa, e ecologia, ou oikos logos, é o estudo da casa. De imediato vemos que a abrangência da ecologia é superior ao da economia porque encarrega-se de compreender o todo, já a economia, prende-se a compreensão de um conjunto de regras. De fato, embora estes termos devam ser tão próximos nas suas aplicações quanto na grafia, lamentavelmente o que temos é um preocupante afastamento das suas ações e compreensões pelo homem.


O desenvolvimento econômico está ancorado no desenvolvimento tecnológico, assim, a tecnologia alavanca o trabalho humano gerando mais riqueza, o que nos leva a crer, erroneamente, que o desenvolvimento tecnológico é sinônimo de desenvolvimento humano, resultando numa evolução capenga. Nosso capacidade de criar e implementar aparatos tecnológicos é a própria perfeição: mandamos jipes para Marte e o guiamos a partir de nossos centros aeroespaciais para que cumpram suas missões e retornem à Terra na hora e local exatos. Nesse segmento do desenvolvimento nós realmente surpreendemos, superamos nossas próprias expectativas. Porém, muitas vezes não conseguimos deliberar pacificamente em uma reunião de um pequeno condomínio de seis apartamentos o novo horário de funcionamento da portaria, ou mesmo, adotar medidas de combate ao desperdício de água, por exemplo. Que desenvolvimento é esse? Todas as ações acima envolvem a economia e, contraditoriamente, parece mais fácil mandar o jipe para o espaço que fazer um acordo com o vizinho.


O termo sustentabilidade nos obriga a ampliar nossa visão do trabalho humano e suas conseqüências sobre a economia, a sociedade e o meio-ambiente. Este é o tripé que deve ser contemplado positivamente nas ações do desenvolvimento humano. A atividade econômica deve produzir excedentes e riquezas se, e somente se, a sociedade for beneficiada nas gerações atuais e futuras, e o ambiente não sofrer degradação, isto é, tiver suporte para tal atividade. E aqui começa o desencontro entre os modelos econômicos e ecológicos vigentes.


A economia tradicional considera que os suportes ambientais são inesgotáveis e assim, podemos crescer com nossas atividades transformadoras indefinidamente, sem levar em conta a descapitalização do planeta através do capital natural que esgotamos hoje, usurpando gerações futuras. Além disso, a escassez agrega valor econômico aos bens. Deste modo a poluição de uma praia, antes acessível a todos gratuitamente pode ser interessante do ponto de vista econômico, pois, nos obrigará a pagar para ter acesso a outra praia mais distante através de sedutores pacotes de viagem. Esta visão da economia respalda-se na utópica idéia do modo perpétuo ao adotar leis da física newtoniana de duzentos anos atrás, inválida para legitimar a complexa relação de atores presentes nos sistema humanos atuais. Por estes motivos, a divergência entre a economia e o planeta só tende a aumentar enquanto acreditarmos que crescimento econômico é gerador de bem estar social.


De acordo com o economista Hugo Penteado, autor do livro “Ecoeconomia: Uma nova abordagem, nosso futuro comum”, as razões para o conflito são muito simples, pois a economia possui três características que a definem:


            1) Linear (extrai, produz, consome, descarta num ciclo exagerado de extenso desperdício e ineficiência  e o mito do jogar fora ou deixar os países mais avançados exportar sujeira, produção suja e viver de exportação de bens e recursos às custas de ecossistemas ainda existentes no mundo em desenvolvimento, tudo isso a custo zero),


2) infinita (produz crescimento exponencial contínuo de coisas, alimentos, pessoas, etc.) e


3) degenerativa (introduz materiais degenerativos nos ecossistemas como transgênicos, queima de combustíveis fósseis, compostos químicos, metais pesados, etc.). 


No entanto, a natureza e o planeta, sistema maior do qual a economia e nossa sociedade é um subsistema dependente , é justamente o oposto:


1) circular (reaproveita tudo  com um ciclo fechado  em si mesmo e uma solução é a economia reaproveitar tudo ao máximo  e parar de fazer de conta que é um sistema aberto),


2) finita (a finitude territorialmente é óbvia demais embora a infantilidade dos economistas tente negar que sobre um território finito não há problema alguma acumular um estoque crescente de carros, casas, coisas,  poluição de todos os tipos, cacarecos e pessoas nem buscar uma demanda infinita por energia, quando já desperdiçamos mais da metade da energia disponível para nosso consumo desnecessário) e


3) regenerativa (a água é um bom exemplo, porque não só poluímos a água, como usamos além da sua capacidade de reposição e vários países estão caminhando para esgotamento de estoques hídricos simplesmente porque extraem mais do que os aquíferos recebem e bons exemplos dessa atrocidade são os Estados Unidos e a China, mas Brasil vai pelo mesmo caminho ao destruir o Cerrado e a Amazônia).


Usemos a ciência e a tecnologia aliadas a responsabilidade que temos sobre o planeta e a sociedade para juntos construirmos uma ética do século XXI que, perdoem o trocadilho, a economia faça eco na ecologia e vice-versa.



     

Publicado no jornal Cinform 25/01/2010 – Caderno Emprego

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

PIB e colesterol: tem o bom e o mau


Existe no ar uma expectativa positiva quanto ao crescimento do PIB brasileiro em 2010. Certamente os interesses políticos com esse número são grandes e assim, por certo, nem toda notícia econômica é imparcial ou isenta neste ano eleitoral. Mas, tudo faz crer que este ano será melhor para as contas nacionais que o ano passado, marcado por uma crise internacional.


O que é o PIB? É o Produto Interno Bruto, em termos de metodologia, é o sistema de contas nacionais elaborado ainda nos anos 1950 no quadro das Nações Unidas, com ajustes em 1993, que reflete a soma dos valores e custos de produção de bens e serviços, restringida portanto à área de atividades mercantis. Desse modo, não espelha indicadores sociais ou de qualidade de vida de uma sociedade. Assim nos ensina o economista Ladislau Dowbor.


Já o colesterol é conhecido em dois tipos: o LDL (o mau) e o HDL (o bom). Grosso modo, podemos dizer que o LDL facilita a deposição de gordura nas paredes dos vasos sanguíneos e o HDL remove o excesso de gordura no sangue, o encaminhando para o catabolismo no fígado.


Com base nas definições acima, quero usar o colesterol como metáfora para entendermos melhor as diferentes qualidades do PIB.  O PIB (mau) é incrementado com a contabilização dos desastres e acidentes, bem como com o impedimento do público ao lazer gratuito ou com as despesas de saúde e recuperação ambiental decorrentes da poluição. Porém, também, são aditivos ao crescimento o PIB (bom) decorrente da atividade econômica saudável, aquela que gera empregos e renda sem destruição ambiental e que ainda traz vantagens para a qualidade de vida das pessoas naquele lugar, a exemplo de obras de abastecimento de água, esgotos, moradias, educação, dentre outros. A partir destes parâmetros, o PIB da pequena e histórica cidade de São Luiz do Paraitinga (SP), destruída recentemente pela enchente calamitosa do rio do mesmo nome, terá crescimento superior em 2010 com os investimentos de recuperação dos prejuízos calculados em R$ 100 milhões. Pergunto: crescimento do PIB impulsionado por tragédia é bom para a comunidade? Em 1999 o naufrágio do navio petroleiro Exxon Valdez nas costas do Alaska torna-se um caso clássico, pois elevou fortemente o PIB da região devido aos inúmeros contratos de empresas para limpar as costas atingidas pela maré negra. Como pode a destruição ambiental aumentar o PIB?


O PIB é alimentado por fluxos monetários dos meios e não pelo alcance dos fins. Assim, o volume de atividade econômica independentemente de serem úteis ou nocivas é registrado igualmente no cálculo deste indicador.


Preocupa-me que uma leitura superficial do crescimento do PIB por autoridades que tomam importantes decisões a partir destes dados possam induzi-las a erros que comprometerão a qualidade de vida dos cidadãos atuais ou futuros. A venda de petróleo ou o desmatamento da amazônia elevam nosso PIB, quando, em verdade, nos descapitaliza pois vendemos nossos estoques, por vezes, de forma irreversível. A leitura do PIB segue frequentemente a lógica simplória do curto prazo: baixo crescimento significa desemprego, recessão econômica e dificuldades eleitorais. Já o alto crescimento se traduz como novos empregos, expansão econômica e vantagens eleitorais. Mas, cuidado! “Crescer por crescer, é a filosofia da célula cancerosa” dizia um banner colocado por estudantes na entrada de uma conferência sobre economia.   


Sei que existem esforços no sentido da criação de indicadores de desenvolvimento que reflitam maior responsabilidade sobre o uso de recursos naturais e sociais por diversos pesquisadores e autores renomados. Até o Banco Mundial já revisa o PIB através de nova metodologia mais realista e economicamente sustentável. Assim como o colesterol total não é suficiente para a leitura da saúde do paciente, também o PIB total não nos atende mais para o diagnóstico de uma economia.


Concluo certo de que não nos será possível atravessar o século XXI com a ética do século XX e apresento abaixo um discurso feito em 1968 pelo senador americano Robert Kennedy, extraído na internet do site //dowbor.org, que além de eloqüente mostra-se visionário.


“Durante um tempo demasiadamente longo, parece que reduzimos a nossa excelência pessoal e os valores da comunidade à mera acumulação de coisas materiais. O nosso Produto Interno Bruto, agora, já supera os US$800 bilhões por ano, mas este PIB, – se julgarmos os Estados Unidos da América por este critério – este PIB contabiliza a poluição do ar e a publicidade de cigarros, e as ambulâncias para limpar a carnificina nas nossas autoestradas. Soma as fechaduras especiais para as nossas portas e as prisões para as pessoas que as rompem. Soma a destruição florestal e a perda da nossa maravilha natural na expansão caótica urbana...E os programas de televisão que glorificam a violência para vender brinquedos para as nossas crianças. No entanto, o produto nacional bruto não conta a saúde das nossas crianças, a qualidade da sua educação ou a alegria das suas brincadeiras. Não inclui a beleza da nossa poesia ou a solidez dos nossos casamentos, a inteligência do nosso debate público ou a integridade dos nossos funcionários públicos. Não mede nem o nosso humor nem a nossa coragem, nem nossa sabedoria nem a nossa aprendizagem, nem a nossa compaixão nem a nossa devoção ao nosso país. Resumindo, mede tudo, exceto aquilo que faz a vida valer a pena”.





Publicado no jornal Cinform 11/01/2010 – Caderno Emprego
            Publicado no Jornal do Comércio / SE – Editorial jan/2010