A maioria das profissões
trabalha contra o tempo. Na engenharia, por exemplo, a ação do tempo é perversa
com os materiais. O aço é corroído, a madeira é desintegrada, os plásticos
ressecam. Na área de software e periféricos de informática, a obsolescência é
ainda mais rápida. Na medicina, os remédios têm curta data de validade, bem
como os exames clínicos. Jardineiros e agricultores combatem pragas e espécies
invasoras permanentemente para evitar caros prejuízos. É possível explicitar
várias atividades humanas, senão quase todas, onde o tempo traz regressões no
seu desenvolvimento: musicistas, atletas, químicos, produtores de alimentos e
estilistas, por exemplo.
Existem leis naturais que
agem sobre os elementos físicos e químicos, arrastando-os na direção do mais
absoluto caos. A entropia é uma dessas leis. Na natureza tudo tende a se
espalhar e se tornar difuso. Assim, encontrar elementos minerais concentrados
em um mesmo local é literalmente encontrar uma mina, ou seja, algo muito raro.
Talvez um descuido natural ou um presente dos deuses para nós humanos.
Com a educação é
diferente. Claro que me refiro a educação no sentido mais nobre do termo. As
práticas pedagógicas corretamente aplicadas, isto é, com técnica e amor,
semeiam a alma de crianças e adolescentes, fecundando uma referência na
personalidade por toda a vida futura. Quem não se lembra de grandes professores
que tivemos? Muitos deles são pessoas extremamente simples, porém, de alma tão
rica e transbordante que na sua peculiar simplicidade marcou positiva e
definitivamente nosso destino. Isso mesmo! A responsabilidade do professor está
ampliada para muito além da sala de aula, é uma responsabilidade cármica. Pois,
do mesmo jeito que nos lembramos docemente dos bons mestres, também, ainda
degustamos do fel dos maus professores que passaram por nossas vidas. Porém, os
bons mestres são os que nos chegam em lembranças vivas, acendendo em nosso
interior a luz que fortalece nossas escolhas, às vezes caras, mas corretas, nas
situações difíceis e conflituosas que enfrentamos na vida.
A Pedagogia Waldorf
fundamenta-se em estudos biográficos dos seres humanos ao afirmar que na faixa
etária dos 7 aos 13 anos geramos os hábitos e ritmos que manteremos por toda a
vida. Quem, nessa fase da vida, tem pais disciplinadores e atentos aos ritmos
dos filhos e da casa, adotará naturalmente estes mesmos hábitos e ritmos para
sua vida toda. Quem, nesta idade escovou os dentes após as refeições ou foi
acordado pelas manhãs sempre cedo, ainda que forçado por pais ou avós, assim
procederá sempre, experimentando grande desconforto quando privado de tal
procedimento. Ou seja, o tempo reforça e engrandece a educação recebida.
Se pequenos afazeres são
perpetuados por uma zelosa educação doméstica, o que pensar sobre a formação do
caráter a partir de belos exemplos de valores humanos, de gestos de amizade e
respeito, de cuidado com a natureza, de um construtivo trato social, de belas
vivências estéticas e artísticas e de religiosidade? Eu, particularmente, vivi
a oportunidade em minha adolescência de ser escoteiro, e trago profundamente
marcado em meu ser as ricas experiências de ecologia (nunca época em que não se
falava nisso ainda), de cidadania, de disciplina e respeito ao coletivo, além,
da superação do medo de aprender a conviver com o risco real, da construção da
autonomia e da capacidade empreendedora.
Penso que seria muito
oportuno à educação moderna a prática de ações voluntárias de interesse social
feitas por nossos jovens e organizadas pelas escolas. Essas ações trariam
contato com a realidade de nossa própria sociedade, especialmente para os
alunos de escolas particulares, enriquecendo a formação educacional, para muito
além dos conteúdos e macetes do moribundo vestibular. Certamente, todas essas
ações sociais ou ambientais são permeadas por vastos conteúdos curriculares de
todas as séries, que podem e devem servir como conhecimento vivo – aquele que
efetivamente nos apropriamos e jamais nos desfazemos dele.
Imaginemos a riqueza de
saberes e conteúdos educacionais atuantes em uma campanha de vacinação, por
exemplo. Aí estão presentes as fórmulas químicas, os microorganismos e a
biologia, a matemática na diluição e proporção das doses, a geografia com a
cobertura territorial e ocupacional da campanha, a história com a comparação
entre situações passadas e atuais, a comunicação como estratégia de mobilização
comunitária, a física com o funcionamento dos instrumentos de aplicação dos
remédios (seringas, conta-gotas, etc), a sociologia denunciando desigualdades e
seus motivos na saúde pública, além do resgate de importantes vivências
cívicas, só para citar alguns. E tudo isso ocorre sistematicamente nesta
campanha de vacinação de forma interdisciplinar e consequentemente com todas as
disciplinas escolares presentes, sem a separação artificial dos conteúdos que
só acontece mesmo na escola e em mais nenhum outro lugar.
Como vemos, as chances
para uma melhoria na educação são muitas, acessíveis, e mais dependentes de
atitudes dos educadores (pais, professores, empresários da educação, pedagogos,
governos, intelectuais e demais interessados) que de tecnologias importadas ou
de fachadas. Nós educadores temos o privilégio, talvez exclusivo, de termos o
tempo a nosso favor. Somos parceiros do tempo, e isso não é pouco.
Publicado no jornal Cinform 28/09/2009 – Caderno Emprego