segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Sobre dar o peixe



     São muitos os dirigentes públicos, gestores de programas de responsabilidade social, intelectuais, artistas, homens da imprensa e da comunicação, influentes formadores de opinião, portanto, que aderiram ao discurso de que é errado dar o peixe e que o correto seria ensinar a pescar. É o pensamento “politicamente correto” ou até a expressão da moda. Porém, não é bem assim que as coisas funcionam. Senão vejamos, Stephen Kanitz, administrador de empresas, articulista da Veja, escreveu certa vez: “Todo ano analiso mais de 400 ONGs e descobri algo muito constrangedor. Nas organizações que fazem "mero assistencialismo", 80% dos recursos doados são revertidos em uma cadeira de rodas, em óculos para um deficiente visual ou em um prato de comida. Ou seja, o dinheiro vai para quem precisa, enquanto nas ONGs que "ensinam a pescar" 85% das doações terminam no bolso dos professores, não no bolso dos alunos carentes”.

Acredito que não é possível ensinar alguém a pescar se não lhe é acessível o anzol, a rede, o barco, o freezer, o acesso à comercialização do pescado, o crédito, especialmente o capital de giro. Nesta hora, parece que o instrutor de pesca lava as mãos. Talvez tenha finalizado “sua parte” no projeto que nasceu bom para o professor e insuficiente para o aluno. Também, o financiador pode estar satisfeito porque cumpriu a carga horária, o orçamento, o prazo e o mandato. Justificou o “retorno sobre o investimento” e “alavancou” benefícios comprovados no seu “balanço social”. É muito capitalismo para pouca fraternidade. É o cumprimento frio e burocrático de etapas de um projeto míope, às vezes, criado apenas para retro-alimentar seus idealizadores.

Estranhamente, muitos consultores que aprimoram a gestão de iniciativas sociais do terceiro-setor, enaltecem a importância do trabalho voluntário, mas, ali, naquele momento cobram caríssimo por sua aula e, alguns, nunca experimentaram uma ação voluntária própria.

Precisa-se urgentemente de visão sistêmica para elaborar e executar projetos sociais. Muitos atores devem participar e protagonizar ações que somem resultados reais sobre o público alvo. Resultados estes, que avaliem e vinculem o êxito do projeto a metas transformadoras na comunidade beneficiada pelas ações do projeto. Exemplo: crescimento da renda, volume comercializado, abertura de novos mercados, formalização de empreendimentos, taxa de desemprego e outros indicadores finalísticos.

Ensinar é esforço empreendido visando um resultado final transformador. Apenas ministrar N horas-aulas não garante sucesso. O resultado deste esforço deve ser medido a partir do efeito que esta carga horária executada promoveu nos alunos. O mais importante de uma empresa, acontece fora de seus muros, é quando o consumidor usa seu produto, é o momento onde a empresa efetivamente se realiza e é avaliada. Com educação não deve ser diferente. O verdadeiro certificado de formação profissional não é o “canudo” entregue ao final do curso, e sim, a carteira de trabalho assinada ou a promoção conquistada, ou então, a realização do próprio empreendimento.

Como ensinar a pescar quando a pobreza é profunda e irreparável, porque não é só material? Como apenas ensinar a pescar a excluídos ou expulsos do amor humano, que querem colo? As entidades promotoras de ações sociais brasileiras, na sua maioria, só estão aptas a trabalhar com o pobre com potencial para deixar de ser pobre. Este é o público alvo predileto. O financiador colocar seu dinheiro e o resultado logo aparece, através de transformações visíveis e eternizadas, mais facilmente ainda, se o publico alvo for composto por crianças ou adolescentes.

Não quero elencar qual o público que necessita de receber o peixe, todos nós sabemos. Só precisamos de trinta segundos de reflexão para contar inúmeros (igualmente) brasileiros que não têm qualquer chance de serem atendidos pelos programas mais comuns de inclusão e cidadania disponíveis, ampliando a exclusão para seus familiares (igualmente) abandonados.

Peço desculpas ao caríssimo leitor se estou muito ácido neste texto, mas, falar desse assunto exige posicionamento firme e claro. O politicamente correto é uma nova elitização na nossa muito estratificada sociedade.

Não é possível na complexa sociedade atual ditar soluções universais. Há horas em que se deve dar o peixe. Outras tantas são momentos eficazes de ensinar a pescar. E há outros momentos em que não se deve dar o peixe, nem tampouco ensinar a pescar, e sim, formar piscicultores. Temos, certamente, em nossas mãos os recursos financeiros, tecnológicos, humanos e materiais que devem nos permitir realizar, agora através de nossas mãos, o novo Milagre dos Peixes.




Publicado no jornal Cinform 17/08/2009 – Caderno Emprego
Publicado em http://www.administradores.com.br/artigos/empreendedorismo/sobre-dar-o-peixe/84273/


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