São muitos os dirigentes públicos, gestores de programas de responsabilidade social, intelectuais, artistas, homens da imprensa e da comunicação, influentes formadores de opinião, portanto, que aderiram ao discurso de que é errado dar o peixe e que o correto seria ensinar a pescar. É o pensamento “politicamente correto” ou até a expressão da moda. Porém, não é bem assim que as coisas funcionam. Senão vejamos, Stephen Kanitz, administrador de empresas, articulista da Veja, escreveu certa vez: “Todo ano analiso mais de 400 ONGs e descobri algo muito constrangedor. Nas organizações que fazem "mero assistencialismo", 80% dos recursos doados são revertidos em uma cadeira de rodas, em óculos para um deficiente visual ou em um prato de comida. Ou seja, o dinheiro vai para quem precisa, enquanto nas ONGs que "ensinam a pescar" 85% das doações terminam no bolso dos professores, não no bolso dos alunos carentes”.
Acredito que não é possível ensinar alguém a
pescar se não lhe é acessível o anzol, a rede, o barco, o freezer, o acesso à
comercialização do pescado, o crédito, especialmente o capital de giro. Nesta
hora, parece que o instrutor de pesca lava as mãos. Talvez tenha finalizado
“sua parte” no projeto que nasceu bom para o professor e insuficiente para o
aluno. Também, o financiador pode estar satisfeito porque cumpriu a carga
horária, o orçamento, o prazo e o mandato. Justificou o “retorno sobre o
investimento” e “alavancou” benefícios comprovados no seu “balanço social”. É
muito capitalismo para pouca fraternidade. É o cumprimento frio e burocrático
de etapas de um projeto míope, às vezes, criado apenas para retro-alimentar
seus idealizadores.
Estranhamente, muitos consultores que
aprimoram a gestão de iniciativas sociais do terceiro-setor, enaltecem a
importância do trabalho voluntário, mas, ali, naquele momento cobram caríssimo
por sua aula e, alguns, nunca experimentaram uma ação voluntária própria.
Precisa-se urgentemente de visão sistêmica
para elaborar e executar projetos sociais. Muitos atores devem participar e
protagonizar ações que somem resultados reais sobre o público alvo. Resultados
estes, que avaliem e vinculem o êxito do projeto a metas transformadoras na
comunidade beneficiada pelas ações do projeto. Exemplo: crescimento da renda,
volume comercializado, abertura de novos mercados, formalização de
empreendimentos, taxa de desemprego e outros indicadores finalísticos.
Ensinar é esforço empreendido visando um
resultado final transformador. Apenas ministrar N horas-aulas não garante
sucesso. O resultado deste esforço deve ser medido a partir do efeito que esta
carga horária executada promoveu nos alunos. O mais importante de uma empresa,
acontece fora de seus muros, é quando o consumidor usa seu produto, é o momento
onde a empresa efetivamente se realiza e é avaliada. Com educação não deve ser
diferente. O verdadeiro certificado de formação profissional não é o “canudo”
entregue ao final do curso, e sim, a carteira de trabalho assinada ou a promoção
conquistada, ou então, a realização do próprio empreendimento.
Como ensinar a pescar quando a pobreza é
profunda e irreparável, porque não é só material? Como apenas ensinar a pescar
a excluídos ou expulsos do amor humano, que querem colo? As entidades
promotoras de ações sociais brasileiras, na sua maioria, só estão aptas a
trabalhar com o pobre com potencial para deixar de ser pobre. Este é o público
alvo predileto. O financiador colocar seu dinheiro e o resultado logo aparece,
através de transformações visíveis e eternizadas, mais facilmente ainda, se o
publico alvo for composto por crianças ou adolescentes.
Não quero elencar qual o público que
necessita de receber o peixe, todos nós sabemos. Só precisamos de trinta
segundos de reflexão para contar inúmeros (igualmente) brasileiros que não têm
qualquer chance de serem atendidos pelos programas mais comuns de inclusão e
cidadania disponíveis, ampliando a exclusão para seus familiares (igualmente)
abandonados.
Peço desculpas ao caríssimo leitor se estou
muito ácido neste texto, mas, falar desse assunto exige posicionamento firme e
claro. O politicamente correto é uma nova elitização na nossa muito
estratificada sociedade.
Não é possível na complexa sociedade atual
ditar soluções universais. Há horas em que se deve dar o peixe. Outras tantas
são momentos eficazes de ensinar a pescar. E há outros momentos em que não se
deve dar o peixe, nem tampouco ensinar a pescar, e sim, formar piscicultores.
Temos, certamente, em nossas mãos os recursos financeiros, tecnológicos,
humanos e materiais que devem nos permitir realizar, agora através de nossas
mãos, o novo Milagre dos Peixes.
Publicado no jornal Cinform
17/08/2009 – Caderno Emprego
Publicado em http://www.administradores.com.br/artigos/empreendedorismo/sobre-dar-o-peixe/84273/
Publicado em http://www.administradores.com.br/artigos/empreendedorismo/sobre-dar-o-peixe/84273/
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