Quando Max Weber (1864-1920) desenvolveu sua teoria sobre a burocracia estava, como todos seus contemporâneos, encantado com as conquistas da revolução industrial. A máquina era, então, o modelo máximo da aventura humana na Terra. Certamente, Weber, ao propor a racionalidade burocrática para a organização pública, o fez imbuído das melhores intenções: proteger o bem público do patrimonialismo largamente dominante e estabelecer regras de funcionamento da estrutura pública visando torná-la mais institucionalizada e menos personalizada. Sua racionalidade, porém, se inspirava na frieza cartesiana das máquinas da época. Aliás, mesma fonte inspiradora da linha de montagem fordista.
Hoje, em muitos casos,
vemos a burocracia ser um fim em si mesmo. Suspende-se o envio da merenda
escolar a um município se este não apresentar os relatórios comprobatórios nos
prazos estabelecidos. Isso porque os
papeis são mais importantes que a merenda de crianças famintas. O mesmo
acontece com a falta de remédio em hospitais por causa de procedimentos
licitatórios questionáveis. Confunde-se impessoalidade com desumanidade.
As organizações humanas
seguem ou deveriam seguir modelos biológicos, inspirados no próprio ser humano,
que são muito mais flexíveis e tolerantes que as engrenagens, polias e
catracas. Uma máquina será inteira e imediatamente prejudicada no seu
funcionamento caso uma engrenagem trave ou se solte. Nestas organizações, a
relação entre um elemento e outro não é tão direta. Provavelmente,
trabalharemos o dia todo em uma empresa sem saber se há um problema no
funcionamento da portaria ou da tesouraria. Tal problema se agravará até
comprometer o todo, somente após dias seguidos de crise. O mesmo acontece com
nosso corpo, quando o mau funcionamento do estômago ou uma bursite, por
exemplo, prejudica nossas atividades sem parar todo o organismo. Muitas vezes
mudamos nossa alimentação ou hábitos para melhor convivermos com nossos males
corpóreos, ou ainda assumimos papéis e rotinas de outros setores da empresa,
posto que estes não desempenham adequadamente suas atribuições. Isto é o modelo
orgânico que prevalece tanto em organismos biológicos quanto empresariais,
governamentais e sociais.
A economia segue o modelo
sistêmico ou biológico de forma plena, por vezes, desobedecendo aos inputs originados em um painel de
controle. A economia, a biologia, a ecologia e as ciências humanas em geral,
são incontroláveis a partir do modelo reducionista vigente. Ou seja, o modelo
científico só responde aos problemas atuais que podemos isolar para estudarmos,
o que é impossível nestas citadas áreas do conhecimento, nas quais nenhum dos atores
consegue controlar o todo, mas apenas perturbá-lo.
À medida que nos afastamos
da máquina como modelo de organização econômica, vemos que o modelo mais
adequado tende a se estruturar em valores humanos, obviamente inexistentes nas
insensíveis engrenagens. O berço do vínculo econômico é a confiança, que se
transforma em capital humano e capital social - fundamentos do desenvolvimento
local.
Um estudo do Banco Mundial
(1995) sobre 192 países concluiu que apenas uma fração do crescimento econômico
(16%) se explica pelo capital físico (máquinas, edifícios e infra-estrutura);
20% provêm do capital natural (petróleo, hidrelétricas, florestas), e 64% são
atribuídos ao capital humano e social.
O ambiente das relações econômicas e negócios
tem aversão, por sua própria natureza, à burocracia. Toda relação no mundo da
economia tende para a informalidade. Por isso, faz grande diferença no
relacionamento conhecer pessoalmente aquele fornecedor de outro Estado com quem
só se comunicava por email ou telefone. Comumente, a relação muda, fica mais
fácil quando há empatia e confiança mútua. A relação cliente-fornecedor tende a
simplificar quando as partes cumprem seus contratos iniciais. Muitos são os
casos em que caducam os contratos de papel e as transações comerciais
prosseguem como se nada houvesse de irregular. O que está no papel só é usado
nos litígios e contendas judiciais.
O crédito é uma forma de
confiança. Quando o banco ou o fornecedor repassa capital, inicialmente exige
cadastro e garantias para depois, uma vez cumprido o acordado, flexibilizar e
incentivar a novas investidas.
A partir dessa tendência
natural à informalidade nas relações econômica surgem grandes armadilhas. A
informalidade (mesmo no sentido mais nobre do termo: estar à vontade com a
outra parte, confiar) não é suportada pelo serviço público brasileiro nas suas
relações com outras entidades, sejam públicas ou privadas. São inúmeros os
casos de empresas que sofrem grandes prejuízos e até fecham suas portas, por
haver confiado em agentes do serviço público já que este está regido pela
impessoalidade. O inverso também é verdadeiro quando um preposto do serviço
público contrata informalmente e/ou paga antecipadamente por um serviço ou
fornecimento que não ocorreu. Este descuidado servidor pagará caro por isso.
Diante da crise econômica atual, várias são as
propostas de maior intervenção governamental na economia. Creio que não será possível num ambiente
econômico saudável esta aproximação. São entes de natureza tão divergentes,
regidos por princípios e velocidades igualmente desencontrados que só conseguem
conviver bem nos momentos em que o instinto de sobrevivência impera, qual o
leão que nada lado a lado com a gazela na planície inundada. Quem será o leão?
Publicado no jornal Cinform
31/08/2009 – Caderno Emprego