As notícias da Coréia do
Norte são preocupantes. Testes nucleares realizados nesse país isolado
demonstram uma grande necessidade de afirmação através do poderio militar para
superação de seus recalques. É mesmo muito preocupante! Parece com a história
da Guerra das Malvinas, protagonizada e agonizada pela Argentina na década de
1980, que criou um fato histórico internacional para desviar a atenção do seu povo
e provocar espasmos nacionalistas durante o desfecho do decadente regime
autoritário que à época governava o país. Mas o caso Coréia do Norte é bem
pior: a insanidade é maior e a história tem outra força.
O século XX marcou
decisivamente a trajetória da humanidade: duas grandes guerras mundiais,
apartheid, acirramento de conflitos entre Árabes e Judeus, genocídios e guerras
civis que produziram dezenas de vezes mais mortes que aquelas entre países. É
também um século de grandes avanços em todos os campos. A Europa, palco de duas
guerras mundiais no século passado, saiu de poderosos estados governados por
imperadores na Áustria, Alemanha e Reino Unido para modernas e estáveis sociais
democracias. A descoberta da penicilina e das vacinas, a emancipação política e
cidadã da mulher, a conquista do espaço, a invenção do computador, a construção
e desconstrução do fordismo, a criação da pílula anticoncepcional, símbolo da
tecnologia que revolucionou costumes ancestrais, a comunicação de massa do
rádio e da televisão, a biotecnologia geradora da revolução verde, o automóvel
imbricado ao modo de vida dos cidadãos dos países ricos, dentre outros fatos
relevantes, marcaram o século XX como a época do avanço tecnológico. Pena que
tal avanço não tenha correspondido nas áreas sociais e ambientais.
Se conseguimos avanços tão
extraordinários no campo da ciência e da tecnologia, também nos utilizamos
deles para desviar o olhar das mazelas que nos revelam incompetentes e
incapazes. “Vejam como somos capazes de realizar viagens espaciais perfeitas”,
dizem os países centrais. Mas, se para a tecnologia a palavra de ordem é perfeição, analogamente para o
meio-ambiente parece que a palavra de ordem é erosão, da mesma forma, quando olhamos para o social vemos que a
palavra de ordem agora é exclusão.
Lamentavelmente!
A humanidade emergiu do século XIX com um otimismo
inabalável. A descoberta da eletricidade, o domínio pleno da siderurgia, a
descoberta da mecânica com suas soluções mirabolantes e a possibilidade de
viver confortavelmente no planeta potencializaram o positivismo e a crença na
ciência como redentora do destino humano. Não faltaram motivos à época para o
homem crer e ter fé no materialismo, e assim caminhar nos primeiros anos do
século XX até os primeiros tiros disparados na guerra de 1914.
A primeira metade do
século passado registra conflitos generalizados no planeta, culminando com o
ataque atômico a Hiroxima e Nagasaki, findando a segunda guerra mundial e
provocando a corrida atômica que levou países a estocarem armamentos em
quantidade capaz de destruir a Terra várias vezes, como se fosse possível. Uma
insanidade!
Já a segunda metade do
século XX se caracteriza por uma superpopulação, pelo consumismo desenfreado,
quebra de tabus e paradigmas e o esgotamento das reservas naturais do planeta.
Descobrimos que a Terra é pequena e que o modelo de desenvolvimento adotado é
irreal e incompatível com a capacidade regenerativa do planeta. Alguns autores
caracterizam o momento atual como turbocapitalista. Isto é, uma era de capitalismo
desenfreado, na qual só há inteligência e controle por setores da economia e
ninguém a controla globalmente. Outra insanidade!
Historicamente, o homem
sempre acreditou que o futuro seria melhor que o presente. Em todas as épocas,
o porvir se anunciava recheado de esperanças de melhores dias. Nossos
antepassados sofreram demais com as adversidades naturais, políticas, sociais e
econômicas. Não havia direito, nem saúde e nem remédio. Restava-lhes homenagear
os mortos e os deuses nos primeiros anos da história (o antigo Egito é um
exemplo disso), até mais tarde os homens se apaixonarem pela matéria, pela vida
na Terra e renegarem os deuses no início do século XX. Era a bela aventura
humana movida pela crença no amanhã que prometia sempre um mundo melhor para
seus descendentes.
Encerramos o século XX com
duas heranças malditas: a primeira decorre da corrida armamentista atômica e a
segunda é conseqüência do esgotamento (literalmente falando) planetário.
Vivemos um ponto de inflexão na trajetória humana: ou mudamos ou mudamos. Não
há outra alternativa para permitir a vida de nossos filhos e netos. A ética do
século XX não serve para o século XXI. Não temos mais o direito de crer que
deuses nos salvarão impunes. Temos a vida das plantas, dos animais e as nossas
sob total responsabilidade própria. Não podemos mais acreditar em
terceirizações na gestão do planeta.
A história nos deu, hoje,
a oportunidade de vivermos a primeira experiência humana de crer que o futuro
será pior que o presente, mas nos deu também a tecnologia, a consciência e o
livre-arbítrio para agirmos corretivamente. O momento é tão desafiador que me
leva a associá-lo com a imagem bíblica da expulsão do paraíso. Como não perco a
fé na humanidade e sou brasileiro, otimistamente acho que de expulsão do
paraíso a gente entende e vai sair desta por cima.
Publicado no jornal Cinform
08/06/2009 – Caderno Emprego
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