terça-feira, 23 de junho de 2009

A vez dos (Micro) Empreendedores Individuais - MEI


O Brasil é um país formado por muitos “países”. Tanto já se disse sobre isso quanto o contrário também. Afinal, se de um lado temos diferenças culturais enormes entre regiões, por outro lado, temos uma unidade nacional invejável considerando as nossas dimensões continentais. Tem muito país que cabe num quarteirão e que deseja se dividir devido às diferenças étnicas, religiosas ou econômicas; enquanto nosso Brasil, gigante pela própria natureza, continua firmemente unido nas diferenças. Quero, porém, mostrar um Brasil que existe em paralelo ao próprio Brasil, feito uma sombra maior, cujo corpo incomoda sua existência, mas que muitas vezes não a vemos porque a mesma luz que produz esta sombra também ofusca o olho do iluminado. É o Brasil da informalidade.

A informalidade é mais danosa ao tecido social que à economia propriamente dita. Isto porque, desconsiderando o crime e o tráfico de drogas, toda atividade informal atinge apenas uma etapa de uma cadeia produtiva sem afetá-la como um todo. Exemplo: o camelô que vende bugigangas sem nota fiscal, provavelmente transportou os produtos com frete oficial, portanto, foi tributado, ou ainda, os produtos foram tributados na matéria-prima, manufatura ou qualquer outro ponto do seu ciclo de produção. Assim, não há plena sonegação nesta atividade comercial. Além disso, está provado que a informalidade tira mais gente da pobreza no Brasil que a formalidade. Já no aspecto social, entendo que o assunto se agrava.  Primeiro, porque o informal, na sua grande maioria, não deseja permanecer na clandestinidade, mas se vê sem alternativa. Segundo, porque o seu trabalho é honesto, mas lhe é negado o direito a cidadania plena.

O cenário empresarial brasileiro é muito hostil: o juro é estratosférico, o crédito existe só para quem prova que não necessita dele, o acesso ao mercado é recheado de atravessadores, a concorrência é frequentemente espúria, a burocracia é uma barreira por vezes intransponível e a elevada carga tributária, dentre outras coisas como o baixo estímulo ao empreendedorismo e à cultura empresarial, inviabilizam o empreendedor que deseja constituir firma para pequenas atividades econômicas. Neste ambiente, o empreendedor é levado direta e automaticamente para a informalidade sem outra chance. É como se o Estado brasileiro o expulsasse de suas fileiras.

O Brasil formal ou “Brasil da luz” possui centros de excelência equivalentes aos melhores do mundo, arranjos produtivos de alta densidade econômica e alta especialização e ilhas de prosperidade unindo grandes, médias, pequenas e micro empresas. Estas duas últimas totalizam aproximadamente 99% do total. São mais de cinco milhões de micro e pequenas empresas formais e trinta e dois milhões de carteiras de trabalho assinadas.  Por outro lado, o Brasil informal ou “Brasil da sombra” possui baixa produtividade e bolsões de pobreza. Suas empresas são micro e pequenas que totalizam mais de dez milhões e mais de quarenta milhões de trabalhadores informais.

Vemos que a maioria dos trabalhadores brasileiros não está protegida pela previdência social e que o número das empresas informais representa o dobro das formais. Aqui não foram considerados os empreendimentos rurais e nem os trabalhadores domésticos. Em Sergipe, existem seiscentos mil trabalhadores informais frente a trezentos mil formais. Melhor se fosse o inverso!

Vejamos a situação: Silva, um vendedor de caldo de cana que trabalha honestamente, tem uma renda mensal liquida de R$ 600,00 e com essa atividade sustenta sua família. Imaginemos que você vai aconselhá-lo a sair da informalidade para dar segurança a três certezas da vida: envelhecer, adoecer e morrer, além de cuidar da saúde dos seus dependentes, ter acesso a crédito e vender com nota fiscal. Pergunto: que alternativa legal e economicamente viável há para esse trabalhador? Até hoje nenhuma. É o buraco negro legal, um vácuo institucional no emaranhado de leis do Estado brasileiro em suas esferas federal, estadual e municipal.

Reconheço significativas melhorias no ambiente legal em favor das micro e pequenas empresas nos últimos anos. A implantação da Lei Geral das Microempresas (Supersimples) trouxe alívio burocrático e tributário à maioria das micro e pequenas empresas. Agora, chegou a vez de possibilitar a inserção de dez milhões de empreendedores que, como Silva do caldo de cana, trabalham a sós ou com até um único empregado. São os vendedores ambulantes, prestadores de pequenos serviços e artesãos. Chegou a oportunidade de pipoqueiros, costureiras, manicures, vendedores de hot dog e outros trabalhadores autônomos de profissões não regulamentadas se tornarem empresários formais, através da Lei Complementar 128/08 que vigora a partir de 1° de julho próximo, regulamentando o (Micro) Empreendedor Individual - MEI. Se a elaboração, articulação política e acompanhamento da tramitação nas casas legislativas destas leis já foram assistidas de perto pelo Sistema S, especialmente pelo Sebrae, agora compete a todos os demais integrantes deste Sistema dar condições para que os potenciais beneficiários façam a passagem da informalidade para a formalidade com segurança, como fará o Senac através da capacitação básica inicial e continuada, acessível a realidade de cada um.

De acordo com a nova lei, poderão se registrar como MEI os trabalhadores informais cujo faturamento bruto anual não ultrapasse R$ 36.000,00, que se enquadrem nas situações já descritas acima e se disponham a pagar até o máximo de R$ 57,15/mês de impostos, que abrangem a Previdência Social (R$51,15), o ISS (R$ 5,00) e/ou ICMS (R$ 1,00). A lei ainda prevê acesso gratuito a escritório de contabilidade para a abertura da empresa e o encerramento do primeiro exercício contábil.

Se da parte do governo esta lei demonstra sensibilidade e responsabilidade para com milhões de brasileiros que estão marginalizados por força das circunstancias, de outro lado, espero que estes brasileiros se adaptem bem a esse novo cenário, estejam seguros e possam pagar seus tributos facilmente a partir dos ganhos de produtividade que só a luz pode dar.    

 

 
Publicado no jornal Cinform 22/06/2009 – Caderno Emprego
Publicado no Jornal do Comércio / SE – Editorial jun/2009

terça-feira, 9 de junho de 2009

Século XX: a última expulsão do paraíso


As notícias da Coréia do Norte são preocupantes. Testes nucleares realizados nesse país isolado demonstram uma grande necessidade de afirmação através do poderio militar para superação de seus recalques. É mesmo muito preocupante! Parece com a história da Guerra das Malvinas, protagonizada e agonizada pela Argentina na década de 1980, que criou um fato histórico internacional para desviar a atenção do seu povo e provocar espasmos nacionalistas durante o desfecho do decadente regime autoritário que à época governava o país. Mas o caso Coréia do Norte é bem pior: a insanidade é maior e a história tem outra força.

O século XX marcou decisivamente a trajetória da humanidade: duas grandes guerras mundiais, apartheid, acirramento de conflitos entre Árabes e Judeus, genocídios e guerras civis que produziram dezenas de vezes mais mortes que aquelas entre países. É também um século de grandes avanços em todos os campos. A Europa, palco de duas guerras mundiais no século passado, saiu de poderosos estados governados por imperadores na Áustria, Alemanha e Reino Unido para modernas e estáveis sociais democracias. A descoberta da penicilina e das vacinas, a emancipação política e cidadã da mulher, a conquista do espaço, a invenção do computador, a construção e desconstrução do fordismo, a criação da pílula anticoncepcional, símbolo da tecnologia que revolucionou costumes ancestrais, a comunicação de massa do rádio e da televisão, a biotecnologia geradora da revolução verde, o automóvel imbricado ao modo de vida dos cidadãos dos países ricos, dentre outros fatos relevantes, marcaram o século XX como a época do avanço tecnológico. Pena que tal avanço não tenha correspondido nas áreas sociais e ambientais.

Se conseguimos avanços tão extraordinários no campo da ciência e da tecnologia, também nos utilizamos deles para desviar o olhar das mazelas que nos revelam incompetentes e incapazes. “Vejam como somos capazes de realizar viagens espaciais perfeitas”, dizem os países centrais. Mas, se para a tecnologia a palavra de ordem é perfeição, analogamente para o meio-ambiente parece que a palavra de ordem é erosão, da mesma forma, quando olhamos para o social vemos que a palavra de ordem agora é exclusão. Lamentavelmente!

            A humanidade emergiu do século XIX com um otimismo inabalável. A descoberta da eletricidade, o domínio pleno da siderurgia, a descoberta da mecânica com suas soluções mirabolantes e a possibilidade de viver confortavelmente no planeta potencializaram o positivismo e a crença na ciência como redentora do destino humano. Não faltaram motivos à época para o homem crer e ter fé no materialismo, e assim caminhar nos primeiros anos do século XX até os primeiros tiros disparados na guerra de 1914.

A primeira metade do século passado registra conflitos generalizados no planeta, culminando com o ataque atômico a Hiroxima e Nagasaki, findando a segunda guerra mundial e provocando a corrida atômica que levou países a estocarem armamentos em quantidade capaz de destruir a Terra várias vezes, como se fosse possível. Uma insanidade!

Já a segunda metade do século XX se caracteriza por uma superpopulação, pelo consumismo desenfreado, quebra de tabus e paradigmas e o esgotamento das reservas naturais do planeta. Descobrimos que a Terra é pequena e que o modelo de desenvolvimento adotado é irreal e incompatível com a capacidade regenerativa do planeta. Alguns autores caracterizam o momento atual como turbocapitalista. Isto é, uma era de capitalismo desenfreado, na qual só há inteligência e controle por setores da economia e ninguém a controla globalmente. Outra insanidade!

Historicamente, o homem sempre acreditou que o futuro seria melhor que o presente. Em todas as épocas, o porvir se anunciava recheado de esperanças de melhores dias. Nossos antepassados sofreram demais com as adversidades naturais, políticas, sociais e econômicas. Não havia direito, nem saúde e nem remédio. Restava-lhes homenagear os mortos e os deuses nos primeiros anos da história (o antigo Egito é um exemplo disso), até mais tarde os homens se apaixonarem pela matéria, pela vida na Terra e renegarem os deuses no início do século XX. Era a bela aventura humana movida pela crença no amanhã que prometia sempre um mundo melhor para seus descendentes.

Encerramos o século XX com duas heranças malditas: a primeira decorre da corrida armamentista atômica e a segunda é conseqüência do esgotamento (literalmente falando) planetário. Vivemos um ponto de inflexão na trajetória humana: ou mudamos ou mudamos. Não há outra alternativa para permitir a vida de nossos filhos e netos. A ética do século XX não serve para o século XXI. Não temos mais o direito de crer que deuses nos salvarão impunes. Temos a vida das plantas, dos animais e as nossas sob total responsabilidade própria. Não podemos mais acreditar em terceirizações na gestão do planeta.

A história nos deu, hoje, a oportunidade de vivermos a primeira experiência humana de crer que o futuro será pior que o presente, mas nos deu também a tecnologia, a consciência e o livre-arbítrio para agirmos corretivamente. O momento é tão desafiador que me leva a associá-lo com a imagem bíblica da expulsão do paraíso. Como não perco a fé na humanidade e sou brasileiro, otimistamente acho que de expulsão do paraíso a gente entende e vai sair desta por cima.  


Publicado no jornal Cinform 08/06/2009 – Caderno Emprego