O Brasil é um país formado
por muitos “países”. Tanto já se disse sobre isso quanto o contrário também.
Afinal, se de um lado temos diferenças culturais enormes entre regiões, por
outro lado, temos uma unidade nacional invejável considerando as nossas
dimensões continentais. Tem muito país que cabe num quarteirão e que deseja se
dividir devido às diferenças étnicas, religiosas ou econômicas; enquanto nosso
Brasil, gigante pela própria natureza, continua firmemente unido nas
diferenças. Quero, porém, mostrar um Brasil que existe em paralelo ao próprio
Brasil, feito uma sombra maior, cujo corpo incomoda sua existência, mas que
muitas vezes não a vemos porque a mesma luz que produz esta sombra também
ofusca o olho do iluminado. É o Brasil da informalidade.
A informalidade é mais
danosa ao tecido social que à economia propriamente dita. Isto porque,
desconsiderando o crime e o tráfico de drogas, toda atividade informal atinge
apenas uma etapa de uma cadeia produtiva sem afetá-la como um todo. Exemplo: o
camelô que vende bugigangas sem nota fiscal, provavelmente transportou os
produtos com frete oficial, portanto, foi tributado, ou ainda, os produtos
foram tributados na matéria-prima, manufatura ou qualquer outro ponto do seu
ciclo de produção. Assim, não há plena sonegação nesta atividade comercial.
Além disso, está provado que a informalidade tira mais gente da pobreza no
Brasil que a formalidade. Já no aspecto social, entendo que o assunto se
agrava. Primeiro, porque o informal, na
sua grande maioria, não deseja permanecer na clandestinidade, mas se vê sem
alternativa. Segundo, porque o seu trabalho é honesto, mas lhe é negado o
direito a cidadania plena.
O cenário empresarial
brasileiro é muito hostil: o juro é estratosférico, o crédito existe só para
quem prova que não necessita dele, o acesso ao mercado é recheado de
atravessadores, a concorrência é frequentemente espúria, a burocracia é uma barreira
por vezes intransponível e a elevada carga tributária, dentre outras coisas
como o baixo estímulo ao empreendedorismo e à cultura empresarial, inviabilizam
o empreendedor que deseja constituir firma para pequenas atividades econômicas.
Neste ambiente, o empreendedor é levado direta e automaticamente para a
informalidade sem outra chance. É como se o Estado brasileiro o expulsasse de
suas fileiras.
O Brasil formal ou “Brasil
da luz” possui centros de excelência equivalentes aos melhores do mundo, arranjos
produtivos de alta densidade econômica e alta especialização e ilhas de
prosperidade unindo grandes, médias, pequenas e micro empresas. Estas duas
últimas totalizam aproximadamente 99% do total. São mais de cinco milhões de
micro e pequenas empresas formais e trinta e dois milhões de carteiras de
trabalho assinadas. Por outro lado, o
Brasil informal ou “Brasil da sombra” possui baixa produtividade e bolsões de
pobreza. Suas empresas são micro e pequenas que totalizam mais de dez milhões e
mais de quarenta milhões de trabalhadores informais.
Vemos que a maioria dos
trabalhadores brasileiros não está protegida pela previdência social e que o
número das empresas informais representa o dobro das formais. Aqui não foram
considerados os empreendimentos rurais e nem os trabalhadores domésticos. Em
Sergipe, existem seiscentos mil trabalhadores informais frente a trezentos mil
formais. Melhor se fosse o inverso!
Vejamos a situação: Silva,
um vendedor de caldo de cana que trabalha honestamente, tem uma renda mensal
liquida de R$ 600,00 e com essa atividade sustenta sua família. Imaginemos que
você vai aconselhá-lo a sair da informalidade para dar segurança a três
certezas da vida: envelhecer, adoecer e morrer, além de cuidar da saúde dos
seus dependentes, ter acesso a crédito e vender com nota fiscal. Pergunto: que
alternativa legal e economicamente viável há para esse trabalhador? Até hoje
nenhuma. É o buraco negro legal, um vácuo institucional no emaranhado de leis
do Estado brasileiro em suas esferas federal, estadual e municipal.
Reconheço significativas
melhorias no ambiente legal em favor das micro e pequenas empresas nos últimos
anos. A implantação da Lei Geral das Microempresas (Supersimples) trouxe alívio
burocrático e tributário à maioria das micro e pequenas empresas. Agora, chegou
a vez de possibilitar a inserção de dez milhões de empreendedores que, como
Silva do caldo de cana, trabalham a sós ou com até um único empregado. São os
vendedores ambulantes, prestadores de pequenos serviços e artesãos. Chegou a
oportunidade de pipoqueiros, costureiras, manicures, vendedores de hot dog e outros trabalhadores autônomos
de profissões não regulamentadas se tornarem empresários formais, através da
Lei Complementar 128/08 que vigora a partir de 1° de julho próximo,
regulamentando o (Micro) Empreendedor Individual - MEI. Se a elaboração,
articulação política e acompanhamento da tramitação nas casas legislativas
destas leis já foram assistidas de perto pelo Sistema S, especialmente pelo
Sebrae, agora compete a todos os demais integrantes deste Sistema dar condições
para que os potenciais beneficiários façam a passagem da informalidade para a
formalidade com segurança, como fará o Senac através da capacitação básica
inicial e continuada, acessível a realidade de cada um.
De acordo com a nova lei,
poderão se registrar como MEI os trabalhadores informais cujo faturamento bruto
anual não ultrapasse R$ 36.000,00, que se enquadrem nas situações já descritas
acima e se disponham a pagar até o máximo de R$ 57,15/mês de impostos, que
abrangem a Previdência Social (R$51,15), o ISS (R$ 5,00) e/ou ICMS (R$ 1,00). A
lei ainda prevê acesso gratuito a escritório de contabilidade para a abertura
da empresa e o encerramento do primeiro exercício contábil.
Se da parte do governo
esta lei demonstra sensibilidade e responsabilidade para com milhões de
brasileiros que estão marginalizados por força das circunstancias, de outro
lado, espero que estes brasileiros se adaptem bem a esse novo cenário, estejam
seguros e possam pagar seus tributos facilmente a partir dos ganhos de
produtividade que só a luz pode dar.
Publicado no jornal Cinform
22/06/2009 – Caderno Emprego
Publicado no Jornal do
Comércio / SE – Editorial jun/2009