Estava
ouvindo distraidamente um noticiário da TV, quando um assunto recorrente me
chamou a atenção. Discutia-se a alteração da legislação para que a maioridade
passasse a ocorrer aos dezesseis anos.
Como tal
assunto me incomoda! Entendo os motivos que levam muitos brasileiros à defesa
dessa mudança: crimes praticados por jovens, quadrilhas que usam jovens para
autoria de delitos a fim de se beneficiarem com a proteção legal que consiste
nas medidas sócio-educativas, que tem o limite temporal de 21 anos para sua aplicação, etc. Neste
assunto, porém, o que mais me incomoda é a sensação de que queremos negar o
direito à juventude a alguns apenas: os jovens pobres em situação de risco.
Vejo jovens
de classe média terem sua juventude e dependência cada vez mais prolongadas,
seja por meio da convivência na casa paterna até aproximadamente os trinta
anos, seja no ingresso ao mercado de trabalho depois de formados e
pós-graduados. Nada contra, são livres decisões que cabem exclusivamente ao
próprio contexto familiar. Vejo ainda, algo emblemático que comprova a
incoerência e a degradação de nossa civilidade. São os transportes escolares:
aquelas Topics que anunciam em seus parabrisas “UNIT à noite” ou “UFS”. Nossos
universitários, maiores de idade, portanto, necessitam de transporte escolar,
geralmente custeado pelos pais, tal qual crianças do ensino fundamental para
irem a suas aulas. Por quê?
Na década de
50, o brasileiro vivia em média 46 anos e a maioridade acontecia aos 21, ou
seja, quase metade da vida era juventude. Atualmente no Brasil, vivemos em
média 72 anos, a maioridade se dá aos 18 anos e alguns querem reduzi-la para os
16; repetindo a conta, a juventude passa a representar apenas 20% do tempo
médio de vida de um brasileiro.
Nem Darwin
explica tal mutação em tão pouco tempo. A maioridade aos 21 anos tem
referências biológicas que ultrapassam nossos códigos legais. Existem leis
biográficas às quais todos nós humanos seguimos. A maturidade se dá no corpo
físico, inclusive, neurologicamente falando. Também no aspecto anímico ocorre
amadurecimento à medida que conseguimos mais e mais controlar nossas emoções e
nossa vontade. Este amadurecimento saudável pode e deve ser proporcionado pela
educação, embora, as escolas como conseqüência de nossa sociedade, valorizem e
avaliem quase exclusivamente o desenvolvimento cognitivo – o saber intelectual.
Pedagogicamente, penso que as atividades escolares devem equilibrar ações que
estimulem o pensar com atividades artísticas, dinâmicas de grupos e esportes
coletivos, promotores do amadurecimento emocional (sentir), além de praticas de
trabalhos manuais com madeira, argila, jardinagem, mecânica, dentre outras que
nos desenvolvem e educam a vontade e o agir no mundo.
Será que não
estamos agindo por impulso quando defendemos ainda mais a redução da maioridade
para os 16? Sem olvidarmos que há em nosso país
quem defenda sua redução para os 14 anos. É possível reduzir verdadeiramente
a adolescência a dois ou três anos apenas? Queremos extirpar a difícil fase da
adolescência por decreto? Seria a juventude um objeto platônico, apenas
idealizada e nunca realizada, já que nós sempre queremos parecer jovens
enquanto o tempo insiste em nos mostrar o contrario com seu argumento
incontornável? Por ser a adolescência
uma fase passageira, será que vale à pena darmos tanta importância a
ela?
São
perguntas difíceis às quais não tenho respostas confortáveis. Sabemos que as
políticas públicas para juventude são precárias demais no Brasil e em muitos
outros países. Os jovens formam o grupo social mais vulnerável e mais exposto a
desafios. Para eles o desemprego é maior, a inserção no mundo do trabalho é
mais difícil, é natural sua dificuldade de relacionamento com os adultos, não
são preparados para a cultura empresarial e suas atitudes e valores facilmente
colidem com as exigências do trabalho.
Políticas
públicas estarão condenadas ao fracasso sempre que tratarem os jovens como
atores sem identidade própria e sem independência e não levarem em conta a
diversidade cultural e material presente entre eles e o seu desenvolvimento
biopsicossocial. De universal mesmo, em nossa sociedade brasileira, vejo um
processo de “juvenilização” dos adultos que os incentiva a omitir-se das suas
responsabilidades, e outro processo de “adultilização” das crianças e jovens
que atropela o ritmo natural e harmonioso de seu desenvolvimento, a exemplo da
maioridade precoce, da erotização e consumismo das crianças, e da antecipação
recente do ensino fundamental e da alfabetização em um ano.
Ao
creditarmos à redução da maioridade penal uma mudança real da segurança
pública, estamos tão somente nos desviando do real problema. Ou será que
menores bebem mais que maiores? Menores se drogam mais que maiores? Menores
roubam mais que maiores? Menores são mais corruptos que maiores? ...? ...?
Quero um
amplo debate da sociedade brasileira sobre o tema. Acredito que a saída está na
educação. Mas não uma educação redentora ou salvadora que nos chegue como
mágica. E sim, numa educação construída num cotidiano honesto nas salas de
aulas, nos lares, nas empresas e nos governos por adultos que colaborem (ao
invés de concorrerem) com os jovens e sejam conscientes de suas responsabilidades
na construção de um país.
Se
reduzirmos a maioridade para os 16 anos, teremos criminosos cada vez mais
jovens e indefesos frente a seus algozes, que, lamento, continuarão aprendendo
pelo mau exemplo dado por maiores, exatamente como já ocorre hoje.
Publicado no jornal Cinform
11/05/2009 – Caderno Emprego
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