Já cansado de saber acerca dos
excessos da nossa sociedade de consumo e do modo que (ab)usa dos recursos naturais
disponíveis, o homem moderno, às vezes, nem parece digno de descender do
macaco. Com efeito, nessa mesma época do ápice da inteligência e da
racionalidade, o ser humano é capaz de manifestar uma preocupante atrofia do
bom senso e dos valores universais, ruborizando a face dos evolucionistas.
Os sinais de enfraquecimento do
tecido social são pronunciados. A banalização da violência, o descuido com a
educação dos filhos, a queda dos padrões de ensino e aprendizado, o descarte de
produtos e pessoas como hábito cotidiano comum, a frouxidão ao orientar os
jovens, principalmente pela falta do exemplo e de coerência entre o que se diz
e o que se faz. Além de outras mazelas que fazem de nossa sociedade um espaço
em que prioridades individuais possam superar as de interesse coletivo.
Parece que confundimos a construção do
livre-arbítrio – individuação ou consciência de si – com o individualismo,
expressão do egoísmo. Nesse último, prevalece a “lei do Gerson”, aquela que nos
orienta a levar vantagem em tudo. Como consequência, próximo de fazer 100 anos,
Macunaíma, o herói sem caráter, representante underground do brasileiro,
exibe um vigor de menino em nossas paragens. Quem sabe, o crescimento notável
da expectativa de vida brasileira tenha beneficiado a todos, indistintamente?
Mario Cortella, no livro “Qual a Sua
Obra?”, conta que em 1974, dois caciques Xavantes saíram de suas aldeias e
foram à cidade de São Paulo. Naturalmente que ficaram chocados com certas obras
como o Metrô e as catedrais financeiras da Avenida Paulista. Levados a um dos
dois shoppings existentes, mostraram-se indignados com a quantidade de espelhos
disponíveis em todos os cantos do centro comercial. E cita: “Eles achavam
inacreditável que, num mundo cheio de gente, a gente gostasse de se ver, em vez
de ver o outro. Se você estava com você o tempo todo, por que ia querer se ver?
Esse excesso de espelho é um símbolo ético também”.
Pouco depois, Caetano Veloso deu a resposta
emblemática com a música Sampa, versando: “É que Narciso acha feio o que não é
espelho”. Desse modo, o poeta fecha a questão enaltecendo o espírito narcisista
e consumista da sociedade brasileira, capitaneada por São Paulo e seus mais de
setenta shoppings bem-espelhados, hoje.
Tropeçando nos astros, humanos migram
seus valores do Ser para o Ter, o que leva a sociedade a se
agigantar na direção inversa: de Ter uma economia de mercado para Ser
uma sociedade de mercado.
A diferença é esta: uma economia de
mercado é uma ferramenta valiosa e eficaz da atividade produtiva. Uma sociedade
de mercado é um modo de vida em que os valores de mercado permeiam cada aspecto
da atividade humana. É um lugar em que as relações sociais são reformatadas à imagem
do mercado. Assim, ensina o professor de Harvard, Michael Sandel, no livro
dele: “O Que o Dinheiro Não Compra”.
Enquanto permitirmos fazer da criança
“a alma do negócio”, cultuarmos em procissão as vitrines dos shoppings, adorarmos
marcas e deixarmos nos seduzir por cartões de crédito, pouco emancipados
seremos. No afã de exibirmos um carro superior ao do vizinho, nos escravizamos
num ritual inseguro de endividamento e distorção de valores, fazendo da compra
do bem um mau negócio. Segundo uma visão antropológica, o consumo é cultural e
os produtos e serviços possuem significados. Mesmo que não tenhamos
consciência, quando compramos algo estamos falando para o outro sobre nós
mesmos. Assim, o consumismo no país é visto de maneira negativa e se
caracteriza quando o indivíduo compra mais do que pode, quando há exagero e
falta limite. Ato que nos torna economicamente vulneráveis pela redução da
poupança e endividamento geral.
Se, é incerta a origem do Ser
humano a partir da evolução animal ou diretamente do barro, com o Ter
humano a situação é outra: ele surge da quebra inapropriada de um animal de
barro, o porquinho-mealheiro.
Publicado no jornal Cinform em 03/06/2013 - Caderno Emprego
Publicado no jornal Cinform em 03/06/2013 - Caderno Emprego
Gostei muito do texto Sr. Paulo, sempre fica ótimo quando cita comentários de outras pessoas sobre o assunto no seu texto.
ResponderExcluirO penúltimo parágrafo é a mais pura realidade no Brasil, irei indicar para uns amigos que tem a fraqueza citada que leiam principalmente este.
Boa Visão.
Um abraço :)