Questionamentos
clássicos, como quem nasceu primeiro, o ovo ou a galinha, nos trazem situações
que desafiam a lógica e o nosso modelo mental. Facilmente, ao tentarmos
responder, entramos em um parafuso sem-fim, que quanto mais gira mais
aprisiona. Por certo, pensamos assim, porque buscamos sempre respostas finais à
luz do conhecimento e bem enquadradas no paradigma atual, mesmo que para
questões anteriores à própria existência humana. Disso, decorre a falência da
resposta concreta.
Se
acaso fôssemos mais criativos e imaginativos, esse assunto da galinha e do ovo
já estaria solucionado há muito tempo. Mas por que não somos mais criativos e
imaginativos? Uma das nossas limitações nessas áreas humanas decorre da atrofia
que nos é imposta pela escola, reprodutora, por sua vez, do modelo social de
nossos dias que supervaloriza a intelectualidade e a memorização.
A
imaginação é a típica “lógica” infantil, e o brincar é a materialização dela.
Assim, crianças que brincam e aprendem a dominar o espaço físico, além de
desenvolverem um organismo mais saudável, também criam uma estrutura mental
mais dinâmica, isto é, mais ágil e flexível para lidar com o inesperado e o
oculto.
“Todo
ato motor conduz ao ato mental”, afirmou Dr. Henri Wallon (1879-1962), médico e
psicólogo, formulador da Psicologia do Desenvolvimento. A atividade motora está
associada à região central do cérebro humano, que deve ser educada a partir de
movimentos corpóreos orientados por desenhos de formas e pela realização de
trabalhos manuais finos, como, por exemplo, miçangas e bordados, alternados com
trabalhos mais pesados, a exemplo de esculpir madeira.
Estudos
recentes apontam que o lado direito do cérebro é a sede do pensamento
sistêmico, intuitivo e emotivo. Do ponto de vista educacional, o
desenvolvimento desse lobo cerebral é potencializado pela vivência artística. A
experimentação prática das artes plásticas, da música, do canto e das artes
cênicas na escola deveria acontecer em proporção similar a das disciplinas
teóricas tradicionais.
O
modelo escolar atual potencializa, exclusivamente, o desenvolvimento do lado
esquerdo da massa cinzenta, região da atividade lógica, racional e teórica,
muito valorizada pelos que querem exibir intelectualidade e pensamento
dedutivo. Por essas características neurofisiológicas, encontramos, nessa
região, o espaço para preparar jovens para competirem em concursos teóricos, a
exemplo do vestibular e de outros exames de proficiência cognitiva.
No
artigo “Salvando a Infância – Um memorando para a pedagogia do fazer”,
publicado agora em português, o doutor Peter Guttenhofer ensina que as escolas
ameaçam a infância e propõe um novo modelo escolar para crianças de 4 a 11
anos, isto é, o período do jardim e do fundamental menor. Ele se vale da
metáfora do bote salva-vidas para conduzi-las numa fase de transição entre o
modelo escolar atual, que ele julga insustentável e destrutivo, para um modelo
ideal inspirado na Pedagogia Waldorf.
Nessa
proposta, deve haver flexibilização do currículo teórico e uma expansão dos trabalhos
manuais, especialmente aqueles que, por meio do brincar, repetem atividades
laborais dos adultos na agricultura, no artesanato e na atividade doméstica.
Nela, o ponto de partida é: professores e alunos trabalham e aprendem juntos.
As crianças de hoje não aceitam mais o professor que parece um “depositário de
conhecimentos teóricos” e, bem assim, recusam um currículo e salas de aulas que
as isolam da vida real.
Para preservar a genialidade das crianças,
como no diálogo a seguir, é que precisamos reformar profundamente o inadequado
modelo escolar vigente: “Quem nasceu primeiro: o ovo ou a galinha?”. Confesso
que depois que fiz essa pergunta a Thiago, um menino de seis anos, muito
criativo e perspicaz, não tive mais dúvida. Ele respondeu com tanta certeza que
me convenceu definitivamente, além de me fazer refletir sobre o quanto essa
questão é simples. Ele me disse: “foi o ovo!”. Perguntei: E quem botou o ovo? -
Deus! – foi a resposta convicta. E devolveu: “Deus prefere ‘botar’ uma galinha
ou botar um ovo?”.
Publicado no jornal Cinform em 05/11/2012 – Caderno Emprego
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