segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Quem nasceu primeiro: o ovo ou a galinha?



     Questionamentos clássicos, como quem nasceu primeiro, o ovo ou a galinha, nos trazem situações que desafiam a lógica e o nosso modelo mental. Facilmente, ao tentarmos responder, entramos em um parafuso sem-fim, que quanto mais gira mais aprisiona. Por certo, pensamos assim, porque buscamos sempre respostas finais à luz do conhecimento e bem enquadradas no paradigma atual, mesmo que para questões anteriores à própria existência humana. Disso, decorre a falência da resposta concreta.

     Se acaso fôssemos mais criativos e imaginativos, esse assunto da galinha e do ovo já estaria solucionado há muito tempo. Mas por que não somos mais criativos e imaginativos? Uma das nossas limitações nessas áreas humanas decorre da atrofia que nos é imposta pela escola, reprodutora, por sua vez, do modelo social de nossos dias que supervaloriza a intelectualidade e a memorização.

     A imaginação é a típica “lógica” infantil, e o brincar é a materialização dela. Assim, crianças que brincam e aprendem a dominar o espaço físico, além de desenvolverem um organismo mais saudável, também criam uma estrutura mental mais dinâmica, isto é, mais ágil e flexível para lidar com o inesperado e o oculto.

     “Todo ato motor conduz ao ato mental”, afirmou Dr. Henri Wallon (1879-1962), médico e psicólogo, formulador da Psicologia do Desenvolvimento. A atividade motora está associada à região central do cérebro humano, que deve ser educada a partir de movimentos corpóreos orientados por desenhos de formas e pela realização de trabalhos manuais finos, como, por exemplo, miçangas e bordados, alternados com trabalhos mais pesados, a exemplo de esculpir madeira.

     Estudos recentes apontam que o lado direito do cérebro é a sede do pensamento sistêmico, intuitivo e emotivo. Do ponto de vista educacional, o desenvolvimento desse lobo cerebral é potencializado pela vivência artística. A experimentação prática das artes plásticas, da música, do canto e das artes cênicas na escola deveria acontecer em proporção similar a das disciplinas teóricas tradicionais.

     O modelo escolar atual potencializa, exclusivamente, o desenvolvimento do lado esquerdo da massa cinzenta, região da atividade lógica, racional e teórica, muito valorizada pelos que querem exibir intelectualidade e pensamento dedutivo. Por essas características neurofisiológicas, encontramos, nessa região, o espaço para preparar jovens para competirem em concursos teóricos, a exemplo do vestibular e de outros exames de proficiência cognitiva.

     No artigo “Salvando a Infância – Um memorando para a pedagogia do fazer”, publicado agora em português, o doutor Peter Guttenhofer ensina que as escolas ameaçam a infância e propõe um novo modelo escolar para crianças de 4 a 11 anos, isto é, o período do jardim e do fundamental menor. Ele se vale da metáfora do bote salva-vidas para conduzi-las numa fase de transição entre o modelo escolar atual, que ele julga insustentável e destrutivo, para um modelo ideal inspirado na Pedagogia Waldorf.

     Nessa proposta, deve haver flexibilização do currículo teórico e uma expansão dos trabalhos manuais, especialmente aqueles que, por meio do brincar, repetem atividades laborais dos adultos na agricultura, no artesanato e na atividade doméstica. Nela, o ponto de partida é: professores e alunos trabalham e aprendem juntos. As crianças de hoje não aceitam mais o professor que parece um “depositário de conhecimentos teóricos” e, bem assim, recusam um currículo e salas de aulas que as isolam da vida real.

      Para preservar a genialidade das crianças, como no diálogo a seguir, é que precisamos reformar profundamente o inadequado modelo escolar vigente: “Quem nasceu primeiro: o ovo ou a galinha?”. Confesso que depois que fiz essa pergunta a Thiago, um menino de seis anos, muito criativo e perspicaz, não tive mais dúvida. Ele respondeu com tanta certeza que me convenceu definitivamente, além de me fazer refletir sobre o quanto essa questão é simples. Ele me disse: “foi o ovo!”. Perguntei: E quem botou o ovo? - Deus! – foi a resposta convicta. E devolveu: “Deus prefere ‘botar’ uma galinha ou botar um ovo?”.


 
      Publicado no jornal Cinform em 05/11/2012 – Caderno Emprego


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