O
uso de computadores na educação parece desconsiderar a mais ínfima razão
pedagógica. Os investimentos nessa área obedecem, em geral, a uma simples chamada mercadológica. Afinal,
para que servem mesmo os computadores na escola?
Um
dos argumentos para sustentar a necessidade dessas máquinas nas escolas vem da
dificuldade, relativamente comum, dos pais usarem os computadores nas mais
variadas versões: celulares, desktops, laptops, tablets, smartphones, netbooks,
Ipods, “I-isso”, “I-aquilo”. Particularmente, penso que a dificuldade que um
jovem de hoje terá de usar um computador será semelhante à que minha geração teve
para usar uma garrafa térmica. As crianças atuais nascem com um chip a mais que
as de décadas atrás. Elas usam um aparelho eletrônico qualquer desde a primeira
vez como se já fossem velhos conhecidos, arrasando definitivamente nossa
autoridade no assunto.
Do
ponto de vista pedagógico, desconheço projeto de uso de computador em ensino
fundamental que possua fundamento superior ao do uso de uma flauta ou uma
aquarela na escola. O que se desenvolve em uma criança durante a interação com
computadores? A autocorreção gramatical? A motricidade? A compaixão? A
capacidade de operar números? A prontidão mastigada e apressada do Google? A
arte de colar? A experiência anônima do MSN? O reflexo condicionado pelos
estímulos visuais? A reação impensada nos games? A representação de um mundo
oco, acelerado e hiperexcitante?
O
Doutor Valdemar Setzer, professor do Instituto de Ciências da Computação da
Universidade de São Paulo - USP, é um aguerrido defensor da inutilidade
pedagógica dessas máquinas digitais. Ele argumenta que, por possuir uma
estrutura fria e inflexível, a lógica do software empobrece a capacidade
imaginativa da criança por meio de um condicionamento limitado do pensar, além
de apresentar imagens simuladas da realidade por mero recurso matemático, o
mesmo acontecendo com o som. Dessa forma, sustenta o professor Setzer, esse
mergulho no ambiente virtual afasta a criança da realidade concreta, na qual as
coisas têm peso, textura, temperatura, sombras, coerência entre tamanho e
massa, produzem sons característicos e, acima de tudo, nos dão segurança na
existência.
Pais
costumam crer que os computadores devem ser manipulados desde cedo pelas
crianças, pensando no futuro delas. Filhos veem os computadores como coisas do
passado - afinal, já existiam no mundo antes de eles nascerem. Esse é o
descompasso entre gerações habitantes do novato século XXI.
Sim,
já houve conflitos mais tensos entre gerações. Certamente, ter um filho hippie
ou guerrilheiro desorientava bem mais os pais de 40 anos atrás. Mas esses
filhos contestadores e inconformados formavam minorias e não aprendiam esses
comportamentos sociais na escola. Preocupante, hoje, é a submissão em larga
escala das crianças a esse mundo virtual, incentivadas por “educadores” (des)orientados
e (des)preparados pela indução do mercado, que dita tendências educacionais autorrealizáveis
e narcisistas.
Deixar
uma criança sozinha na internet é semelhante a largá-la a sós em uma esquina de
uma grande cidade à noite, assim diz o professor Setzer. Semelhantemente, não
vemos crime quando nosso filho faz um download
desautorizado de um livro. Porém, não aceitaríamos, com veemência, se
ele roubasse esse mesmo livro da prateleira de uma livraria. Isso mostra que
não sabemos educar para esse mundo virtual. Falta-nos a mais elementar compreensão
do universo imaterial.
Um
ligeiro e genial conto, “Pai Não Entende Nada”, de Luís Fernando Veríssimo,
ilustra bem a imaterialidade crescente das coisas e as diferentes visões de
mundo entre gerações:
-
Um biquíni novo?
-
É, pai.
-
Você comprou um no ano passado!
-
Não serve mais, pai. Eu cresci.
-
Como não serve? No ano passado, você tinha 14 anos. Este ano, tem 15. Não
cresceu tanto assim.
-
Não serve, pai.
-
Está bem, está bem. Toma o dinheiro. Compra um biquíni maior.
-
Maior não, pai. Menor.
Aquele
pai, também, não entendia nada.
Publicado no jornal Cinform em 26/11/2012 – Caderno Emprego
Publicado na revista Tecnologia da Informação & Negócios nº 11/2013