Em um passado próximo, tive uma
surpresa ao conversar com uma mulher que fazia um rápido curso de formação
profissional na instituição em que eu trabalhava. Ela comentou, em tom de
queixa, que estava desacostumada de sentar algumas horas em uma carteira
escolar. Disse ainda que fazia quinze anos que não cursava nada e, por isso,
estava cansada. Perguntei-lhe sobre o que ela fazia profissionalmente. E, para
espanto de ambos, já que percebi que “a ficha caiu” para ela no instante em que
nem completou a resposta, ela disse: “Eu ensin...”.
Aquele momento, para a declarada
professora, foi de profunda reflexão e contradição. Ela, ali, se deu conta do
descuido de sua trajetória profissional ao perceber que ensinar sem estudar é,
no mínimo, uma falha imperdoável. Particularmente, senti um mal estar ao pensar
nos alunos dela e nos possíveis danos pedagógicos sofridos. A conversa foi
encerrada nesse momento, pois, acredito, precisávamos digerir aquele rico e
misterioso instante reconhecido como desagradável - mas feliz -, porque se
caracterizou como revelador. Por certo, um importante ponto de inflexão na vida
dessa docente.
“Segundo o criador da Pedagogia
Waldorf, Rudolf Steiner, o professor é a pessoa que mais deve ter aprendido no
final do ano letivo; se assim não tiver acontecido, seu ensino provavelmente
terá sido ruim. Isso porque um bom ensino se faz à custa de um grande esforço que
sempre custaria muito! O professor que cultiva uma modéstia íntima, sabendo-se
imperfeito, certamente está no caminho pedagógico correto. Também o faz aquele
que realiza o magistério com um ceticismo interior, autêntico e nobre, possibilitando
um trabalho de humildade, o qual se reverte em resultados favoráveis ao seu
aluno”. Assim está no livro “Saúde se aprende, educação é que cura”, de Elaine
Marasca.
A chave para o processo de
aprendizagem é o reconhecimento e o apreço do aluno pelo professor. Há, na
cabeça dos aprendizes, uma fechadura que só abre por dentro, semelhante àquelas
usadas nas portas dos banheiros. Assim, cabe ao mestre fazer os alunos, com boa
vontade, abrirem essa porta, que só eles têm acesso, para estabelecer o fluxo
de aprendizagem. E, para isso, nada é melhor que o próprio exemplo de estar
sempre aprendendo.
“Por último, Steiner nos chama a
atenção para o chavão pedagógico de que o ensino deve ser sempre uma alegria
para a criança. Segundo ele, isso é impossível, como realmente se vê na
prática, pois de fato algumas coisas no processo de aprendizado não produzem
essa alegria, mas, apesar disso, devem ser feitas. Como se poderia desenvolver,
por exemplo, o sentimento do dever sem o esforço da superação de obstáculos? No
entanto, a parceria entre professor e aluno pode favorecer a aliança para essa
superação. Acredita-se que se o aluno desenvolver afeição pelo professor fará
até o que lhe parece mais difícil. A relação professor-aluno será, portanto, a
base para tudo que se pode denominar educação.”
Prossegue a escritora Elaine Marasca.
O professor que agir de forma
controversa a essa orientação corre o risco de ter a autoridade dele desabada
em um único segundo, especialmente se seus alunos forem adolescentes e algum,
dentre eles, possuir um humor sarcástico e desafiador, como na situação abaixo:
Aparício Torelly, mais conhecido
como Barão de Itararé, cursava Medicina. Certo dia, o professor se dirigiu a
ele e perguntou: “Quantos rins nós temos”? Ele respondeu: “Quatro”, e ouviu uma
gargalhada do arrogante professor que, não satisfeito,
ainda ordenou ao assistente dele: “Traga-me um punhado de capim, pois temos um
asno na sala”. Aparício aproveitou a deixa e pediu: “E para mim, um cafezinho!”.
Foi expulso da sala, mas, na
saída, ainda teve a audácia de corrigir o professor: “O senhor me perguntou
quantos rins nós temos. “Nós” temos quatro: dois meus e dois seus. “Nós” é a 1ª
pessoa do plural. Tenha um bom apetite, seu capim está chegando”.
Talvez, nesse mesmo dia, o nosso Barão de
Itararé tenha criado a máxima: “Sábio é o homem que chega a ter consciência da
sua ignorância”.
Publicado no jornal Cinform em 24/09/2012 – Caderno Emprego