segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Professor que não aprende não ensina



Em um passado próximo, tive uma surpresa ao conversar com uma mulher que fazia um rápido curso de formação profissional na instituição em que eu trabalhava. Ela comentou, em tom de queixa, que estava desacostumada de sentar algumas horas em uma carteira escolar. Disse ainda que fazia quinze anos que não cursava nada e, por isso, estava cansada. Perguntei-lhe sobre o que ela fazia profissionalmente. E, para espanto de ambos, já que percebi que “a ficha caiu” para ela no instante em que nem completou a resposta, ela disse: “Eu ensin...”.

Aquele momento, para a declarada professora, foi de profunda reflexão e contradição. Ela, ali, se deu conta do descuido de sua trajetória profissional ao perceber que ensinar sem estudar é, no mínimo, uma falha imperdoável. Particularmente, senti um mal estar ao pensar nos alunos dela e nos possíveis danos pedagógicos sofridos. A conversa foi encerrada nesse momento, pois, acredito, precisávamos digerir aquele rico e misterioso instante reconhecido como desagradável - mas feliz -, porque se caracterizou como revelador. Por certo, um importante ponto de inflexão na vida dessa docente.

“Segundo o criador da Pedagogia Waldorf, Rudolf Steiner, o professor é a pessoa que mais deve ter aprendido no final do ano letivo; se assim não tiver acontecido, seu ensino provavelmente terá sido ruim. Isso porque um bom ensino se faz à custa de um grande esforço que sempre custaria muito! O professor que cultiva uma modéstia íntima, sabendo-se imperfeito, certamente está no caminho pedagógico correto. Também o faz aquele que realiza o magistério com um ceticismo interior, autêntico e nobre, possibilitando um trabalho de humildade, o qual se reverte em resultados favoráveis ao seu aluno”. Assim está no livro “Saúde se aprende, educação é que cura”, de Elaine Marasca.

A chave para o processo de aprendizagem é o reconhecimento e o apreço do aluno pelo professor. Há, na cabeça dos aprendizes, uma fechadura que só abre por dentro, semelhante àquelas usadas nas portas dos banheiros. Assim, cabe ao mestre fazer os alunos, com boa vontade, abrirem essa porta, que só eles têm acesso, para estabelecer o fluxo de aprendizagem. E, para isso, nada é melhor que o próprio exemplo de estar sempre aprendendo.

“Por último, Steiner nos chama a atenção para o chavão pedagógico de que o ensino deve ser sempre uma alegria para a criança. Segundo ele, isso é impossível, como realmente se vê na prática, pois de fato algumas coisas no processo de aprendizado não produzem essa alegria, mas, apesar disso, devem ser feitas. Como se poderia desenvolver, por exemplo, o sentimento do dever sem o esforço da superação de obstáculos? No entanto, a parceria entre professor e aluno pode favorecer a aliança para essa superação. Acredita-se que se o aluno desenvolver afeição pelo professor fará até o que lhe parece mais difícil. A relação professor-aluno será, portanto, a base para tudo que se pode denominar educação.” Prossegue a escritora Elaine Marasca.

O professor que agir de forma controversa a essa orientação corre o risco de ter a autoridade dele desabada em um único segundo, especialmente se seus alunos forem adolescentes e algum, dentre eles, possuir um humor sarcástico e desafiador, como na situação abaixo:

Aparício Torelly, mais conhecido como Barão de Itararé, cursava Medicina. Certo dia, o professor se dirigiu a ele e perguntou: “Quantos rins nós temos”? Ele respondeu: “Quatro”, e ouviu uma gargalhada do arrogante professor que, não satisfeito, ainda ordenou ao assistente dele: “Traga-me um punhado de capim, pois temos um asno na sala”. Aparício aproveitou a deixa e pediu: “E para mim, um cafezinho!”.

Foi expulso da sala, mas, na saída, ainda teve a audácia de corrigir o professor: “O senhor me perguntou quantos rins nós temos. “Nós” temos quatro: dois meus e dois seus. “Nós” é a 1ª pessoa do plural. Tenha um bom apetite, seu capim está chegando”.

 Talvez, nesse mesmo dia, o nosso Barão de Itararé tenha criado a máxima: “Sábio é o homem que chega a ter consciência da sua ignorância”.



        Publicado no jornal Cinform em 24/09/2012 – Caderno Emprego

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Juventude “indoor”



Desculpem-me pelo uso de uma palavra da língua inglesa no título deste artigo, mas, por vezes, existem algumas que exprimem com absoluta clareza o que queremos dizer. O vocábulo “indoor” se aplica a situações  em que o fato ou o evento ocorre em locais fechados. Assim, são chamadas “kart indoor” as competições de kart que se realizam dentro de galpões.

Semelhantemente, muitos de nossos jovens, em especial aqueles moradores das grandes cidades, levam a vida em ambientes fechados, sem contato com a natureza e desconhecendo até a existência da própria lua.

Um professor de ensino médio de São Paulo me contou a seguinte história: “Um aluno escreveu que a Terra possui quatro luas: a lua cheia, a lua minguante, a lua crescente e, por último, a lua nova. Totalizando, dessa forma quatro luas.”

Questionado pelo professor, que, a princípio, acreditou se tratar  de uma brincadeira, o jovem assegurou a plena crença na existência das quatro luas, pois a interpretara assim a partir da leitura de livros.  Essa cena lamentável exibe a distância crescente entre nossas vidas e a mãe natureza. Facilmente, esse acidente de percurso de aprendizado pode estar acontecendo com uma geração inteira, na medida em que jovens vivem em shoppings indiferentes à luz do sol; circulam em metrôs subterrâneos; mergulham na internet em uma sobrevivência relacional por meio de redes sociais artificiais e estudam em escolas que poucas atividades executam ao ar livre.

Existe um movimento econômico que favorece a padronização dos produtos e serviços que consumimos chamada “comoditização”, termo aportuguesado a partir da palavra inglesa “commodity”, que significa produto ordinário, de fácil substituição por outro de origem diversa, devido à baixa diferenciação. Exemplo disso são os produtos do agronegócio, como a soja, o trigo, o milho, o açúcar, entre outros. De igual maneira, situam-se o petróleo e o minério de ferro. Essa tendência se expande a setores antes bem diferenciados, mas, agora, altamente assemelhados, a exemplo dos modernos carros, que estão submetidos à ditadura do design aerodinâmico, cuja tendência maior é tornar todos eles muito parecidos entre si e, em particular, os modelos “hatch”, que se parecem com a forma ideal de um ovo.

É tão fácil quanto alienante ligarmos um aparelho elétrico numa tomada em casa ou no escritório e desfrutarmos a presença da energia elétrica naquele ponto. Quanto ao conforto, não há o que discutir. Porém, sob a ótica da alienação, ocorre uma total desvinculação entre causa e efeito. Nada nos diz sobre a origem daquela energia. Será ela oriunda de uma termoelétrica, de uma hidrelétrica do Rio São Francisco ou de uma placa solar? Não sabemos. Mas que diferença isso faz na qualidade da energia elétrica em si? Em princípio, nada disso muda para o usuário, exemplificando, aqui, o efeito da “comoditização” industrial a distanciar a causa do efeito.

Sob a ótica pedagógica, estamos usufruindo  um mundo de fenômenos vazios, no qual o GPS faz o papel das estrelas fixas na orientação dos navegadores, o raio laser substitui o prumo gravitacional nas construções e as estações do ano pouco alteram nossas rotinas e nossas provisões, exceto pelas novas coleções da moda. Assim, somos usuários de produtos e serviços de um mundo distante, inimaginável até. Deixamos de ser provedores para sermos ferrenhos consumidores, ou melhor, consumistas contumazes. Vivemos a fazer downloads de água nas torneiras, de energia elétrica nas tomadas, de imagens televisivas, de informações desconexas e de produtos digitais na internet. Com certeza, estamos a “baixar” amores fortuitos ao “ficarmos” casualmente com parceiros ou parceiras nas baladas, cinemas e praças de alimentação “macdonaldas”, para em seguida deletá-los por rápida obsolescência aplicada e aprendida na escola no descarte anual de livros escolares, de professores que ficam para a série anterior e de fardamentos que saem de moda. Só nos interessa o modelo do ano ou da estação.

Espero não chegar o tempo em que teremos saudade dos alienados que viviam no mundo da lua, pois os de hoje, de repente, nem lá estão.



Publicado no jornal Cinform em 10/09/2012 – Caderno Emprego