Muito se fala em inclusão
digital. A repetição do termo banaliza o tema, às vezes confunde o significado,
noutras tantas vezes ilude politicamente a sociedade. Certamente, não serei eu
o iluminado ou “salvador da pátria” que neste curto espaço vai encerrar as
dúvidas cabíveis em tão intrigante assunto. Porém, convido-os para reflexão
viajando pela história humana, ainda que contada pela turma dominante.
Dizem que a cerca de dez
mil anos atrás o homem deixou de ser nômade para se dedicar a agricultura e
criação de animais domesticáveis. Para isso, nosso antepassado desenvolveu
ferramentas rudes, providas apenas de um corpo físico que funcionavam como
extensão de seu próprio corpo como uma pá, por exemplo, ou como prolongamento
do corpo de um animal, como o arado. Vejam que falei apenas de instrumentos
primitivos, mas creio que já podemos visualizar claramente um processo
excludente intimamente relacionado à tecnologia. Certamente nessa época muitos
foram alijados do processo histórico por causa da insensível pá. Para se
corrigir uma injustiça social de então, creio que bastaria ao cacique
pré-histórico distribuir pás para todos que a inclusão aconteceria.
Bem mais adiante, no
século XVIII, o homem domina diversas formas de energia: vapor, eletricidade,
química, etc., produz máquinas “vitalizadas” capazes de gerar grande produção
de excedentes. Um tear artesanal jamais competirá em produtividade com uma
máquina têxtil industrial. Quanto tempo levará uma dona de casa que queira
bater no garfo o que um simples liquidificador faz em segundos? Desta dita
revolução industrial a humanidade herda o consumismo e a obsessão pela
produtividade em tudo que faz. Nesse período, as ferramentas já não são simples
extensões físicas adaptadas ao trabalho muscular, mas sim, equipamentos dotados
de corpo físico e vitalidade própria adquirida pela conversão energética. Aqui
a coisa começa a complicar. Uma dona de casa que não possua seu liquidificador
pode estar tão excluída quanto a que já o possui, mas, não dispõe de energia
elétrica para fazê-lo funcionar. A exclusão cresce potencialmente com o avanço
tecnológico. Caso o zeloso monarca da época viesse a distribuir liquidificador
para todas (ou todos) já não resolveria. Seria preciso distribuir eletricidade
também.
Na atual sociedade do
conhecimento, ou pós-industrial, as máquinas ganham um componente adicional, o
software. Isto é, são programáveis e realizam instruções a partir da leitura do
programa posto em sua memória. Tal programa vai ditar o “comportamento” da
máquina. Ou seja, trocou o programa, trocou a ação da máquina sem mexer em
nenhum parafuso ou componente físico. Tal programa anima a ação da máquina. Um
exemplo visível é a máquina de bordar, destas que vemos em estandes nos shoppings
reproduzindo no tecido o desenho que está carregado em sua memória naquele
instante. Troca-se o desenho e a máquina fará novo e diferente bordado. Nossa
atualizada máquina mostra-se tridimensional, a saber: uma dimensão física
formada por motores, eixos, polias, etc.; uma dimensão vital caracterizada pela
eletricidade e finalmente uma dimensão digital definida pela lógica do programa
que a instrui. Estou certo que a exclusão cresceu em maior proporção. Não basta
ao gestor público contemporâneo distribuir máquinas bordadeiras e eletricidade
para todos – tem que, além disso, distribuir conhecimento (sic) para programar
a exigente máquina. Neste ambiente digital o conhecimento deixa de ser um
acessório valioso para ser um fator determinante, condição sine qua non (sem a qual não).
Essa é a questão: não se
pode distribuir conhecimento como se distribui pás, liquidificadores ou
eletricidade. Conhecimento se adquire, explicita ou implicitamente, mas sempre
a partir de informações captadas pelos nossos órgãos dos sentidos, desde que
estejamos abertos a internalizá-las e, na visão de Piaget, tenhamos estrutura
cognitiva compatível (já acomodada) para que possamos assimilar tais
informações.
Alguns autores afirmam que
para superar a exclusão digital é necessário atender a três distintos pilares:
acesso às TIC’s (tecnologias da informação e comunicação), renda e educação. O
primeiro pilar está bem avançado, especialmente pelo trabalho prestado pelas lan houses e similares, visto que 67%
dos usuários de internet do nordeste brasileiro utilizam lan houses segundo pesquisa recente do CGIBR – Comitê Gestor da
Internet do Brasil. O segundo pilar encontra-se favorecido pela redução dos
preços das TIC’s e pelo crescimento da renda das classes populares; embora o
custo de acesso doméstico a internet seja uma grande barreira ainda. E,
finalmente o terceiro e mais importante pilar que infelizmente não acompanha a
evolução dos dois primeiros no Brasil – EDUCAÇÃO.
Será necessário promover
inclusão digital no Brasil ou assumir que o que nos falta é inclusão
educacional?
Publicado no jornal Cinform
16/03/2009 – Caderno Emprego
Nenhum comentário:
Postar um comentário