segunda-feira, 16 de março de 2009

Inclusão digital ou inclusão educacional?



Muito se fala em inclusão digital. A repetição do termo banaliza o tema, às vezes confunde o significado, noutras tantas vezes ilude politicamente a sociedade. Certamente, não serei eu o iluminado ou “salvador da pátria” que neste curto espaço vai encerrar as dúvidas cabíveis em tão intrigante assunto. Porém, convido-os para reflexão viajando pela história humana, ainda que contada pela turma dominante.

Dizem que a cerca de dez mil anos atrás o homem deixou de ser nômade para se dedicar a agricultura e criação de animais domesticáveis. Para isso, nosso antepassado desenvolveu ferramentas rudes, providas apenas de um corpo físico que funcionavam como extensão de seu próprio corpo como uma pá, por exemplo, ou como prolongamento do corpo de um animal, como o arado. Vejam que falei apenas de instrumentos primitivos, mas creio que já podemos visualizar claramente um processo excludente intimamente relacionado à tecnologia. Certamente nessa época muitos foram alijados do processo histórico por causa da insensível pá. Para se corrigir uma injustiça social de então, creio que bastaria ao cacique pré-histórico distribuir pás para todos que a inclusão aconteceria.

Bem mais adiante, no século XVIII, o homem domina diversas formas de energia: vapor, eletricidade, química, etc., produz máquinas “vitalizadas” capazes de gerar grande produção de excedentes. Um tear artesanal jamais competirá em produtividade com uma máquina têxtil industrial. Quanto tempo levará uma dona de casa que queira bater no garfo o que um simples liquidificador faz em segundos? Desta dita revolução industrial a humanidade herda o consumismo e a obsessão pela produtividade em tudo que faz. Nesse período, as ferramentas já não são simples extensões físicas adaptadas ao trabalho muscular, mas sim, equipamentos dotados de corpo físico e vitalidade própria adquirida pela conversão energética. Aqui a coisa começa a complicar. Uma dona de casa que não possua seu liquidificador pode estar tão excluída quanto a que já o possui, mas, não dispõe de energia elétrica para fazê-lo funcionar. A exclusão cresce potencialmente com o avanço tecnológico. Caso o zeloso monarca da época viesse a distribuir liquidificador para todas (ou todos) já não resolveria. Seria preciso distribuir eletricidade também.

Na atual sociedade do conhecimento, ou pós-industrial, as máquinas ganham um componente adicional, o software. Isto é, são programáveis e realizam instruções a partir da leitura do programa posto em sua memória. Tal programa vai ditar o “comportamento” da máquina. Ou seja, trocou o programa, trocou a ação da máquina sem mexer em nenhum parafuso ou componente físico. Tal programa anima a ação da máquina. Um exemplo visível é a máquina de bordar, destas que vemos em estandes nos shoppings reproduzindo no tecido o desenho que está carregado em sua memória naquele instante. Troca-se o desenho e a máquina fará novo e diferente bordado. Nossa atualizada máquina mostra-se tridimensional, a saber: uma dimensão física formada por motores, eixos, polias, etc.; uma dimensão vital caracterizada pela eletricidade e finalmente uma dimensão digital definida pela lógica do programa que a instrui. Estou certo que a exclusão cresceu em maior proporção. Não basta ao gestor público contemporâneo distribuir máquinas bordadeiras e eletricidade para todos – tem que, além disso, distribuir conhecimento (sic) para programar a exigente máquina. Neste ambiente digital o conhecimento deixa de ser um acessório valioso para ser um fator determinante, condição sine qua non (sem a qual não).

Essa é a questão: não se pode distribuir conhecimento como se distribui pás, liquidificadores ou eletricidade. Conhecimento se adquire, explicita ou implicitamente, mas sempre a partir de informações captadas pelos nossos órgãos dos sentidos, desde que estejamos abertos a internalizá-las e, na visão de Piaget, tenhamos estrutura cognitiva compatível (já acomodada) para que possamos assimilar tais informações.

Alguns autores afirmam que para superar a exclusão digital é necessário atender a três distintos pilares: acesso às TIC’s (tecnologias da informação e comunicação), renda e educação. O primeiro pilar está bem avançado, especialmente pelo trabalho prestado pelas lan houses e similares, visto que 67% dos usuários de internet do nordeste brasileiro utilizam lan houses segundo pesquisa recente do CGIBR – Comitê Gestor da Internet do Brasil. O segundo pilar encontra-se favorecido pela redução dos preços das TIC’s e pelo crescimento da renda das classes populares; embora o custo de acesso doméstico a internet seja uma grande barreira ainda. E, finalmente o terceiro e mais importante pilar que infelizmente não acompanha a evolução dos dois primeiros no Brasil – EDUCAÇÃO.

Será necessário promover inclusão digital no Brasil ou assumir que o que nos falta é inclusão educacional?


Publicado no jornal Cinform 16/03/2009 – Caderno Emprego

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