Recentemente saiu uma reportagem na grande imprensa sobre a existência de índios brasileiros, viventes ou sobreviventes da selva amazônica, sem contato com nossa civilização. As fotos mostram uma meia dúzia deles, apontando belicosamente suas flechas contra o intruso helicóptero. Esse distante encontro revela um momento muito especial porque nos apresenta um Brasil ainda mais complexo e amplo na sua arquitetura social. No mesmo país que possui um astronauta que já viveu o futuro em sua aventura espacial, e vivenciou a oportunidade que poucos terráqueos tiveram ao ver como o mundo é grande e o planeta é pequeno; também, assenta habitantes índios que vivem como se mais de dez mil anos atrás fosse, sem domínio da linguagem escrita e do ferro, por exemplo. Diferentemente do astronauta, imersos na sensação que o mundo é pequeno e a Terra imensa.
Diante desse
cenário enxergamos a amplitude das realidades presentes no campo sociológico,
que rebatem para todas as demais áreas do conhecimento humano, notadamente a
política. Neste exemplo, citamos casos reais, porém, extremos. Ocorre que entre
eles estamos nós, demais brasileiros com diferentes níveis de acesso a
tecnologias, escolaridades, remunerações e oportunidades. São os infinitos
estratos da elástica pirâmide social brasileira. Assim, não é difícil
transportar tais características do país hexacampeão de futebol para a realidade
do trabalho.
Historicamente,
o primeiro termo usado para o trabalho foi ‘érgon’, palavra grega que se traduz
por ação e esforço físico. Também, dela deriva a palavra ‘ergástulo’
significando cárcere. Hoje, ergonomia e ergometria são termos integrante do vocabulário
da área de saúde e segurança do trabalho, assegurando ao trabalhador conforto
no espaço físico e em seus movimentos.
Não
satisfeitos com a associação direta de trabalho a cárcere, nossos raivosos
antepassados cunharam outra expressão para o, literalmente penoso, trabalho:
‘tripaliare’. Palavra do latim que significa penalizar com o ‘tripalium’,
instrumento de tortura composto de um tripé, no qual se amarrava o preso.
Com o
advento da era cristã, o trabalho sobe um pouco de nível, melhorando seu status
de sofrimento, mas, claramente sem pressa para uma solução definitiva. Por essa
época surge a denominação ‘labor’, que qualquer aurélio nos ensina: ‘dor,
fadiga experimentada pela realização de um trabalho’. Desta forma, o labor soa
como condenação já que
depois daquela história da maçã, o homem foi obrigado a comer o pão regado com
o suor do rosto. E a mulher, a parir seus filhos com dor. Redundantemente,
chamado de trabalho de parto.
Na lenta ascensão
qualitativa do trabalho alguns autores citam o termo sacrifício como composto
por sagrado e ofício, denotando ato divino. O que reforça a natureza divina,
porém, ainda, punitiva da atividade laboral.
O trabalho só começa a
melhorar quando surge a palavra ‘opus’ aplicada à realização de uma obra. Então,
a labuta ganha a componente artística na sua ação, perdendo o vínculo com algo
de natureza meramente física e material.
Finalmente, o termo
‘poiesis’ chega para que possamos festejar o trabalho como ‘algo criativo e
capaz de despertar o sentimento do belo e o que há de elevado e comovente nas
pessoas e nas coisas’. Assim, afirma o dicionário, traduzindo a palavra grega
em ‘ação de fazer algo’ com inspiração.
Como vimos, existe uma
história evolutiva do trabalho. À medida que o tempo passou e as sociedades
evoluíram juntamente com os homens, as relações de produção sofreram profundas
transformações em favor da dignidade humana. Semelhantemente ao caso do
astronauta e do índio brasileiros, nosso ambiente produtivo, ao mesmo tempo que
apresenta relações trabalhistas pré-históricas em alguns lugares, também exibe
harmonia e dignidade humana em outros, formando um mix de situações, frutos da
combinação de diferentes conhecimentos, habilidades e atitudes.
Creio que o trabalho
pode ser a oportunidade de crescimento humano para todos, pois, com os modernos
meios de produção geramos tantos excedentes, que somos capazes de atender a
inúmeras e anônimas pessoas com o nosso ganha-pão. Assim, não vejo mais ninguém
que trabalha para si, como era comum até a Idade Média. Hoje, trabalhamos
exclusivamente para os outros, e o fazemos da melhor forma possível, mesmo
quando não sabemos quem se beneficiará de nossa produção. Isso afirma a
presença da fraternidade imbricada a atividade econômica.
1º de maio pode ser o
dia da abolição da escravatura se nos conscientizamos de que no trabalho
servimos ao próximo e construímos uma sociedade altruísta. Ou, seremos escravos
de uma visão míope, torturante e distorcida do trabalho como veículo de
degradação moral, destinado à mera (in)satisfação pessoal.
Publicado no jornal Cinform
25/04/2011 – Caderno Emprego