segunda-feira, 25 de abril de 2011

1° de maio – Abolição da escravatura



     Recentemente saiu uma reportagem na grande imprensa sobre a existência de índios brasileiros, viventes ou sobreviventes da selva amazônica, sem contato com nossa civilização. As fotos mostram uma meia dúzia deles, apontando belicosamente suas flechas contra o intruso helicóptero. Esse distante encontro revela um momento muito especial porque nos apresenta um Brasil ainda mais complexo e amplo na sua arquitetura social. No mesmo país que possui um astronauta que já viveu o futuro em sua aventura espacial, e vivenciou a oportunidade que poucos terráqueos tiveram ao ver como o mundo é grande e o planeta é pequeno; também, assenta habitantes índios que vivem como se mais de dez mil anos atrás fosse, sem domínio da linguagem escrita e do ferro, por exemplo. Diferentemente do astronauta, imersos na sensação que o mundo é pequeno e a Terra imensa.


Diante desse cenário enxergamos a amplitude das realidades presentes no campo sociológico, que rebatem para todas as demais áreas do conhecimento humano, notadamente a política. Neste exemplo, citamos casos reais, porém, extremos. Ocorre que entre eles estamos nós, demais brasileiros com diferentes níveis de acesso a tecnologias, escolaridades, remunerações e oportunidades. São os infinitos estratos da elástica pirâmide social brasileira. Assim, não é difícil transportar tais características do país hexacampeão de futebol para a realidade do trabalho.


Historicamente, o primeiro termo usado para o trabalho foi ‘érgon’, palavra grega que se traduz por ação e esforço físico. Também, dela deriva a palavra ‘ergástulo’ significando cárcere. Hoje, ergonomia e ergometria são termos integrante do vocabulário da área de saúde e segurança do trabalho, assegurando ao trabalhador conforto no espaço físico e em seus movimentos.


Não satisfeitos com a associação direta de trabalho a cárcere, nossos raivosos antepassados cunharam outra expressão para o, literalmente penoso, trabalho: ‘tripaliare’. Palavra do latim que significa penalizar com o ‘tripalium’, instrumento de tortura composto de um tripé, no qual se amarrava o preso.


Com o advento da era cristã, o trabalho sobe um pouco de nível, melhorando seu status de sofrimento, mas, claramente sem pressa para uma solução definitiva. Por essa época surge a denominação ‘labor’, que qualquer aurélio nos ensina: ‘dor, fadiga experimentada pela realização de um trabalho’. Desta forma, o labor soa como condenação já que depois daquela história da maçã, o homem foi obrigado a comer o pão regado com o suor do rosto. E a mulher, a parir seus filhos com dor. Redundantemente, chamado de trabalho de parto.


Na lenta ascensão qualitativa do trabalho alguns autores citam o termo sacrifício como composto por sagrado e ofício, denotando ato divino. O que reforça a natureza divina, porém, ainda, punitiva da atividade laboral.


O trabalho só começa a melhorar quando surge a palavra ‘opus’ aplicada à realização de uma obra. Então, a labuta ganha a componente artística na sua ação, perdendo o vínculo com algo de natureza meramente física e material.


Finalmente, o termo ‘poiesis’ chega para que possamos festejar o trabalho como ‘algo criativo e capaz de despertar o sentimento do belo e o que há de elevado e comovente nas pessoas e nas coisas’. Assim, afirma o dicionário, traduzindo a palavra grega em ‘ação de fazer algo’ com inspiração.


Como vimos, existe uma história evolutiva do trabalho. À medida que o tempo passou e as sociedades evoluíram juntamente com os homens, as relações de produção sofreram profundas transformações em favor da dignidade humana. Semelhantemente ao caso do astronauta e do índio brasileiros, nosso ambiente produtivo, ao mesmo tempo que apresenta relações trabalhistas pré-históricas em alguns lugares, também exibe harmonia e dignidade humana em outros, formando um mix de situações, frutos da combinação de diferentes conhecimentos, habilidades e atitudes.


Creio que o trabalho pode ser a oportunidade de crescimento humano para todos, pois, com os modernos meios de produção geramos tantos excedentes, que somos capazes de atender a inúmeras e anônimas pessoas com o nosso ganha-pão. Assim, não vejo mais ninguém que trabalha para si, como era comum até a Idade Média. Hoje, trabalhamos exclusivamente para os outros, e o fazemos da melhor forma possível, mesmo quando não sabemos quem se beneficiará de nossa produção. Isso afirma a presença da fraternidade imbricada a atividade econômica.


1º de maio pode ser o dia da abolição da escravatura se nos conscientizamos de que no trabalho servimos ao próximo e construímos uma sociedade altruísta. Ou, seremos escravos de uma visão míope, torturante e distorcida do trabalho como veículo de degradação moral, destinado à mera (in)satisfação pessoal.      




Publicado no jornal Cinform 25/04/2011 – Caderno Emprego

segunda-feira, 11 de abril de 2011

Índio quer apito? Não!!! Índio quer iPad



     Diz a lenda que com a chegada dos portugueses em nossas terras tupiniquins, a aproximação pacífica junto aos índios aconteceu sob a oferta de presentes inusitados aos antigos donos da terra. Dentre estas quinquilharias estavam espelhinhos, adereços, colares, adornos, e outros um-e-noventa-e-nove.


Trato esse assunto como lenda por não acreditar que nossos antepassados, de ambos os lados, fossem tão ingênuos. Também não sei como é possível um povo invasor, numericamente insignificante, dominar outro em sua própria selva. Penso que a única explicação plausível é a formação de alianças militares entre portugueses e índios para combater outros índios. O combate na floresta é dificílimo. Que o diga o americano derrotado no Vietnã, a despeito de toda tecnologia de guerra moderna, ainda ineficaz na selva.


O lance mais sedutor desse descobrimento brasileiro foi o acesso a tecnologias desconhecidas pelos anfitriões. O aço dos facões, as embarcações, os tecidos, os animais domésticos, especialmente as galinhas e cães. Em troca, os nativos forneceram pau-brasil, matéria-prima para a produção de tintas vermelhas, raras para a indústria têxtil da época, e animais silvestres. Para nossos índios, esse encontro significou um salto tecnológico de dezenas de milhares de anos, pois, aí tiveram contato com a linguagem escrita, a tecnologia do ferro e as naus transatlânticas, dentre outras tecnologias úteis ao dia a dia, a exemplo dos anzóis e machadinhas. Imaginemos que ganho isso representou para eles. Em contrapartida vieram doenças terríveis e vícios pessoais e sociais.


Assim, começa um longo processo de Brasil colônia. Brasil da exportação de matéria-prima e da importação de bens tecnológicos que perdura ainda hoje. Um interessante parâmetro para avaliar nosso desempenho industrial é o preço do quilo de bens exportados comparado ao preço do quilo dos bens importados. Nessa comparação veremos que não estamos bem na foto. Grosso modo, um único quilo de satélite, que importamos, tem o mesmo preço que um milhão de quilos de soja que exportamos. Assim, afirmam autores de referência.


Então, para melhorar a qualidade dos produtos brasileiros exportados, além dos necessários investimentos em pesquisa e desenvolvimento – P&D, pré-requisito para a inovação e a redução da sufocante e injusta carga tributária, nós temos de investir maciçamente em formação tecnológica e em educação básica, bem como, ajustar o câmbio à realidade.


À medida que mantemos o Real artificialmente forte priorizamos as importações e dificultamos as exportações. Isso significa sucateamento da indústria nacional e consequente perda de competitividade. Em outras palavras, criamos um círculo vicioso que nos afasta cada vez mais do mercado internacional e compromete nosso saldo da balança comercial. Este saldo incrementa a reserva cambial e nos dá segurança contra movimentos especulativos e quebradeira econômica, embora seja um dinheiro caro por ser muito mal remunerado quando comparado aos nossos estratosféricos juros internos: quatro vezes superior. Há economistas que afirmam que essa reserva, mal remunerada, nos custa 1% do PIB anualmente.


Devido aos robustos 300 bilhões de dólares de nossa reserva cambial recentemente convivemos com a crise financeira internacional que não se fez tão visível contra nossa economia. Mas, seguramente teve um custo alto para todos nós, na forma de dívida interna e custo da máquina pública.


A economia de bens e serviços produzidos pelo país não pode existir na qualidade de refém da abusiva valorização do Real. A permanência nesses níveis cambiais pode significar um retrocesso ao desenvolvimento. Isto é, um desastroso retorno ao Brasil rural do início do século passado, com o agravante de nem sequer possuirmos um agronegócio verdadeiramente nosso, posto que sua tecnologia é, também, importada e sua operacionalidade através de satélites, GPS e transgênicos nada tem a ver com o nosso homem do campo. Trata-se de uma agricultura usuária da área rural, mas, notadamente gerida técnica, comercial e financeiramente nos grandes centros cosmopolitas. Com o cambio atual geramos bons empregos na China, EUA e Europa; e subempregos no Brasil.


Deixando o economês para lá, podemos ver que a história do Brasil muda de atores e cenários, mas continua sendo palco de um mesmo enredo colonialista. Onde a soja é o novo pau-brasil e o iPad o moderno e inusitado espelhinho do século XXI.    


Se a humanidade nasceu de uma mesma origem, a chegada dos europeus por aqui significa um momento muito especial. Daí, termos a responsabilidade de encaminhar ao desenvolvimento comum a terra que permitiu o reencontro de toda a humanidade, emblematicamente ocorrido num transformador Domingo de Páscoa.


            

Publicado no jornal Cinform 11/04/2011 – Caderno Emprego
Publicado no Jornal do Comércio / SE – Editorial abr/2011
Publicado na revista Tecnologia da Informação & Negócios nº 00/2011 – edição inaugural