A
convergência tecnológica é uma tendência dominante no inovador e moderno
ambiente econômico. Sob a ótica da tecnologia, consiste no encontro de
diferentes serviços que compartilham uma mesma infraestrutura. Já sob o olhar
econômico, se afirma que a convergência tecnológica é um processo de mudança
qualitativa que liga dois ou mais mercados existentes e anteriormente
distintos. Certamente, através de exemplos entenderemos com mais clareza esse
assunto, como no caso de um dos seus ícones: o telefone celular. Nele
encontramos diversos outros dispositivos embutidos, tais como filmadora,
máquina fotográfica, agenda eletrônica, cartão de crédito, despertador, rádio,
TV, computador com acesso a internet, secretária eletrônica, GPS, walkman e,
até lanterna.
Por trás
dessa salada tecnológica há uma nova oportunidade comercial em cada descoberta
de uso inédito. Seguramente, o autor de uma inovação tecnológica não é capaz de
antever todas as utilidades decorrentes de seu invento. Os usuários passam a
escrever a história funcional do instrumento para além da sua finalidade
original. E aí a coisa não tem mais limites.
Um caso
inusitado de convergência tecnológica vem da Nike, tradicional marca de
material esportivo, em especial de tênis de corrida e calçados esportivos. Em
2001, após o lançamento do iPod da Apple, executivos da Nike observaram que em
todo o mundo pessoas corriam escutando música com seus iPods e viram nisso a
oportunidade de combinar música e dados. Daí nasceu a parceria com a Apple que
produziu em 2006 o tênis Nike+ (NikePlus). Esse calçado possui um sensor
inteligente que se comunica com o iPod ou iPhone, registrando o tempo e a
distância da corrida enquanto você ouve música. Caso algum recorde seja batido,
é dado um aviso parabenizando e estimulando o corredor a uma nova superação.
Após cada
corrida, pode-se transferir as informações para um site comunitário da Nike,
onde seus dados são armazenados e analisados para serem transformados em
tabelas e gráficos comparativos de seu desempenho histórico, da média mundial e
dos grandes corredores do planeta. Este site ainda permite a criação de grupos
que se unem fisicamente ou não, para superar desafios coletivos do tipo: “nosso
grupo vai correr 1.600
quilômetros este mês”, cabendo aos diversos membros a
contribuição individual para a obtenção da meta coletiva.
Bem mais que
um serviço criativo ofertado pela Nike, este entrosamento direto com usuários
de seus produtos resultou na possibilidade de ver cristalinamente a forma,
intensidade, ciclo de vida, perfil do usuário profissional ou amador, dentre
outras informações privilegiadas dos consumidores de seus tênis. Em 2009 já
eram mais de 2 milhões de pessoas registradas no site Nike+, formando uma rede
social colaborativa para o aperfeiçoamento e o desenvolvimento dos produtos da
marca. Esses benefícios se constituem em grande capital estratégico para a
empresa.
Desse
estratégico encontro do sapato com a música extraímos alguns números
grandiosos: em agosto de 2009, mais de 240 milhões de quilômetros haviam sido
registrados por mais de 1,3 milhões de corredores que queimaram mais de 14
bilhões de calorias e elevaram a participação da Nike no mercado americano de
tênis de corrida de 46% em 2006 para 61% nesta ultima data.
Sem sombra
de dúvida, este sistema composto de calçados inteligentes com iPods, amparados
por recursos informáticos, é capaz de levar pessoas a tecerem uma rede social.
Feliz exemplo de cocriação por meio de uma plataforma de engajamento que abriga
milhões de consumidores dispostos a cooperar com a marca.
Este caso
apresentado aqui não deve ser visto como um fenômeno de sucesso no mundo dos
negócios. Deve sim ser encarado, sobretudo, como uma tendência que
cotidianamente enaltece a experiência do consumidor com o produto, na qual, o
centro, obviamente, é a pessoa ao invés do produto. Uma nova revolução
copérnica se anuncia, agora na relação entre produtores e consumidores.
Certamente, estes últimos formarão o centro em torno do qual a indústria
orbitará ou se perderá no espaço oco.
Porém, nem
tudo são flores na convergência tecnológica. Estes dias fomos surpreendidos com
a notícia de que o Vaticano proibiu a confissão dos fiéis por meio do aplicativo
‘Confession’ do iPhone. Analiso o fato com o devido afastamento que requer essa
exagerada convergência tecnológica. Se do lado de cá está um confesso pecador,
do outro lado penso ser simplesmente inacreditável que o céu tenha caído nessa
fútil, mercadológica, transitória e mortal tentação.
Assim, como
há casos geniais de convergência tecnológica capazes de nos conectar dos pés à
cabeça, há outros que nos parecem sem pé nem cabeça.
Publicado no jornal Cinform 14/02/2011
– Caderno Emprego
Publicado na revista
Tecnologia da Informação & Negócios nº 03/2011
Publicado em 28/01/2015 em
http://www.administradores.com.br/artigos/tecnologia/convergencia-tecnologica-dos-pes-a-cabeca/84411/