Costumo dizer que
possuímos maior facilidade de responder às nossas questões por meio de uma visão
bipolar que de uma visão tridimensional. Tal forma de ler o mundo nos
compromete a uma melhor compreensão devido à insuficiência de dados.
Lamentavelmente, o homem costuma degradar para facilitar o que pretende
controlar ou produzir, numa relação extremamente danosa para o equilíbrio da
natureza e seus sistemas ecológicos. Essa degradação nos leva a descristalizar
o reino mineral, de onde extraímos suas riquezas, abandonando substâncias
amorfas. No reino vegetal adicionamos às plantas sais minerais, fertilizantes
ou defensivos, talvez numa tentativa de mineralizar e, portanto, degradar os
vegetais. Com os animais, tendemos, cada vez mais, ao confinamento abusivo, no
qual há severas restrições à mobilidade. Mais uma vez, degradamos, agora com a
aplicação de uma vida vegetativa ao reino animal. E, finalmente, quando
avaliamos as práticas da condução do ser humano, vemos insistentemente, ações
de coletivização contrárias ao desenvolvimento do livre arbítrio, objeto maior
de nossa aventura humana. A negação da individualidade nos leva a sermos vistos
como uma espécie dotada de comportamentos padrões massificados, e não como
indivíduos únicos.
A compreensão de um
universo dotado de dois pólos é uma imagem simplista da verdadeira realidade.
Luz ou escuridão, mercado ou Estado, dentro ou fora, criacionista ou
evolucionista, simpatia ou antipatia, sujeito ou objeto, atração ou repulsa,
vivo ou morto, dentre outros, é uma classificação pobre e insuficiente para a
complexidade do nosso universo.
A chave inicial para
ampliar a nossa compreensão do mundo está na tridimensionalidade das coisas, e
não na bidimensionalidade. Desde quando nossos mais remotos antepassados
começaram a observar as estrelas que notaram a tridimensionalidade das coisas
presentes no mundo. A partir dos astros perceberam o tempo cronológico dividido
em passado, presente e futuro. Também aprenderam a se deslocar no espaço
físico, coincidentemente, dotado das três dimensões: altura, largura e
profundidade.
Nós, seres humanos, somos
dotados de instrumentos naturais para a leitura tridimensional do que
observamos: o pensar, o sentir e o agir. Esses instrumentos se aplicam as três
dimensões a seguir.
O pensar nos relaciona ao
passado vivido e já registrado em nosso cérebro. Por isso, temos muito mais
facilidade em dizer quais foram os últimos mil resultados de loterias já
realizadas que apenas um único resultado futuro. No espaço tridimensional temos
o pensar associado à profundidade.
Já o sentir, isto é, o
emocional humano, é nosso instrumento de leitura do presente, do aqui e agora.
É o sistema responsável por nos centrar no que fazemos e pensamos. Em resumo, é
a sede de nossas atitudes e da nossa convivência social. No espaço
tridimensional o sentir relaciona-se à largura, ou seja, à horizontalidade.
Assim, obviamente, o agir
é o nosso instrumento do futuro. Através de nossas ações fazemos o futuro
acontecer. É o elemento transformador. As mudanças resultantes de nossas ações
são sempre posteriores a elas. Por isso, só podemos mudar o futuro e jamais o
passado. Dentre as três dimensões espaciais, associamos o agir ao erguer, isto
é, à verticalidade.
Para aplicarmos a
tridimensionalidade nos exemplos anteriormente citados veremos: que entre a luz
e a escuridão encontram-se todas as cores. Que, além de mercado e Estado
encontramos o terceiro setor. Veremos ainda que a borda encontra-se tanto
dentro quanto fora de uma figura geométrica. Que antropósofos formam uma
terceira via entre criacionistas e evolucionistas. Que a empatia supera a
simples simpatia ou antipatia. Que entre o objeto e o sujeito está o
conhecimento, ou não haveria o sujeito. Que além da atração e repulsa estão
todas as órbitas. Que para vivo ou morto, ops....prefiro que leiam abaixo.
No livro Artistas do
invisível, de Allan Kaplan, há uma linda história, originada em uma vila de
Botsuana, a respeito de alguns jovens que queriam desafiar a sabedoria do
ancião da aldeia. O líder desses jovens pegou um passarinho, apertou-o com
firmeza para escondê-lo na mão e foi ter com o ancião, levando o seguinte
desafio: “Você, que tanto sabe, diga-nos se esse pássaro está vivo ou morto”. A
ideia era que, se o ancião respondesse que o pássaro estava morto, o jovem o
soltaria, para provar-lhe que estava errado. E, se o ancião respondesse que o
pássaro estava vivo, o jovem o esmagaria na mão, para provar-lhe que estava
errado. Enfim, não havia jeito de o ancião vencer a prova. Diante do desafio, o
velho homem olhou bem nos olhos do jovem e disse, com toda segurança: “A
resposta está em suas mãos”.
Publicado no jornal Cinform
27/09/2010 – Caderno Emprego