O Brasil é pródigo em ofertar personagens polêmicos e marcantes de seu tempo. Um desses personagens foi o famoso Barão de Itararé (1895-1971), o Apparício Fernando de Brinkerhoff Torelly. Sempre irreverente, em 1930, com a revolução, o humorista proclama-se Duque de Itararé, herói da batalha que não houve. Semanas depois, rebaixa-se a Barão como prova de modéstia. Pois vem dele a máxima: “De onde menos se espera, daí é que não sai nada”.
Penso
que essa frase está bastante atualizada no imaginário nacional em função do
pífio desempenho da nossa seleção na recente Copa do Mundo da África do Sul.
Particularmente, considero exagerada a cobrança que fazemos sobre o nosso time,
pois desmerecemos assim, todos os demais. No mundo globalizado de hoje o
futebol já não está vinculado ao status local. Os jogadores são profissionais
de grande mobilidade entre times de todo o planeta, levando técnica,
estratégias e habilidades para todos.
Mas, como falamos em Copa
do Mundo e aproveitando o momento de melancolia brasileira, é oportuno mostrar
que numa competição como esta, apenas um time ou país sai plenamente feliz do
grande evento: o vencedor. É típico do ambiente de competição essa
característica de generalizar, ou melhor, socializar a tristeza enquanto se
elitiza a alegria. Dos trinta e dois times que iniciaram a competição, apenas
um sai vencedor. Ou seja, TRISTES 31 X 1 FELIZ. Exclusão é a lógica da
competição. Nesse perverso processo é melhor sair em terceiro que em segundo
lugar, pois sai vitorioso na última partida. O técnico da perdedora Holanda
desqualificou o excelente segundo lugar do torneio ao arrancar sua medalha do
pescoço imediatamente após a homenagem.
Que alternativa temos para
a competição? A cooperação. E esse é o caminho que devemos buscar em nossas
ações no dia a dia. No nosso trabalho, se bem observarmos, tudo que fazemos é
para os outros, já que hoje, praticamente, ninguém trabalha para si próprio,
uma vez que é impossível consumir tudo o que somos capazes de produzir.
No campo educacional
conheço escolas que mesclam competição com cooperação até na prática esportiva:
no futebol, por exemplo, a cada gol os jogadores são misturados entre os dois
times, reforçando a colaboração individual para o conjunto sem a tristeza de
perdedores posto que assim não os haja. Todos jogam em ambos os lados. Outra
experiência interessante praticada por alguns professores da disciplina
Empreendedorismo no ensino médio da rede pública estadual de Sergipe é a
organização do todos os trabalhos escolares em equipes, aí chamadas de
empreendimentos cujo “faturamento” destes é o resultado da soma das notas dos
seus membros em todas as disciplinas cursadas naquele ano. Assim, cada aluno
coopera para o sucesso do empreendimento com suas notas valorizando o
desempenho escolar e a permanência na escola como fator visível para o bem de
todos, desmistificando a ideia de que o insucesso escolar é problema apenas de
natureza individual.
Vejamos como uma
competição transforma-se em cooperação numa paraolimpíada ocorrida em 1994 nos
Estados Unidos. É um texto colhido na internet que atinge profunda e
inesperadamente nossas almas nos dando uma grande lição:
“Há alguns anos, nas
olimpíadas especiais de Seattle, também chamada de Paraolimpíadas, nove
participantes, todos com deficiência mental ou física, alinharam-se para a
largada da corrida dos cem metros rasos.
Ao sinal, todos partiram,
não exatamente em disparada, mas com vontade de dar o melhor de si, terminar a
corrida e ganhar. Todos, com exceção de um garoto, que tropeçou no piso, caiu
rolando e começou a chorar. Os outros oito ouviram o choro. Diminuíram o passo
e olharam para trás. Viram o garoto no chão, pararam e voltaram. Todos eles!
Uma das meninas, com
síndrome de down, ajoelhou-se, deu um beijo no garoto e disse: "pronto,
agora vai sarar". E todos os nove competidores deram os braços e andaram
juntos até a linha de chegada. O estádio inteiro levantou e não tinha um único
par de olhos secos. E os aplausos duraram longos minutos.
E as pessoas que estavam
ali, naquele dia, repetem essa história até hoje. Por que? Porque lá no fundo,
nós sabemos que o que importa nesta vida é mais do que ganhar sozinho. O que
importa é ajudar os outros a vencer”, cita a matéria.
Toda vez que leio esse
texto fico emocionado. Acredito que na mão de uma pessoa iluminada, rica
espiritualmente, não existe gesto banal, tudo que faz revela nobreza
independentemente de sua condição física ou mental.
Essa paraolimpíada me dá a
certeza que o pensamento do Barão de Itararé felizmente está equivocado. É
fruto da nossa visão míope, preconceituosa e estanque. Creio que de onde menos
se espera... é que virá surpreendentemente, um novo mundo melhor.
Publicado no jornal Cinform
19/07/2010 – Caderno Emprego
Publicado no Jornal do
Comércio / SE – Editorial jul/2010