segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Carvão é coisa séria



     É interessante como certas coisas adquirem estigmas negativos e pagam um preço alto por isso. Um forte estigma danoso foi associado a lan houses, e acredito, elas prestam um serviço inestimável à população mais carente por reduzir a exclusão digital no Brasil. No nosso Nordeste, dois terços dos internautas usam as lan houses como meio de acesso a grande rede, enquanto as iniciativas governamentais e não-governamentais respondem por apenas seis por cento destes. Por conta disso, o próprio governo já começa a ver as lan houses com outros olhos, apesar da resistência de alguns.


Outra atividade econômica altamente estigmatizada é a madeireira. O madeireiro leva a fama de exterminar florestas, quando para ele isso é antieconômico. Seu interesse é focado em algumas espécies valiosas e não em toda a mata. Por que gastar mais para derrubar toda a floresta quando se deseja apenas uma parte menor dela? Quem derruba toda a mata é o criador de gado para suas pastagens e o carvoeiro ganancioso para tudo carbonizar.


Penso que quem danifica o meio ambiente e a sociedade não é a atividade econômica e sim o caráter humano. A falta de escrúpulo e as “grandes verdades” distorcem nossa visão da realidade e nos fazem acreditar em papais noéis fora de época. Certamente é mais prejudicial para o planeta a queima irrecuperável do petróleo que a queima do carvão vegetal, por ser este fonte de energia renovável. Porém entendemos, ou somos levados a entender, que o petróleo é bom e o carvão não é.


O estigma, como um mau rótulo, está associado a algo de ruim. Trata-se de uma marca que a pessoa leva para o resto da vida. Antigamente, malfeitores que cometiam algum crime eram “tatuados” com uma marca bem visível chamada estigma que os faziam serem reconhecidos como criminosas ainda que já houvessem sido punidos, e, portanto, pago por seus erros. Esta marca está presente também em certas atividades econômicas, como vemos.


Não quero ser defensor de todos os madeireiros, todas as lan houses ou qualquer carvoaria. Não, em hipótese alguma defenderei atividades irresponsáveis com o planeta, a sociedade atual ou com nossas futuras gerações. Mas também não aceito ser levado por bandeiras que fecundam inverdades, existem interesses encobertos e enviesados que julgam algumas atividades econômicas e outras não, e que querem nos convencer de todo modo, para que façamos o mesmo julgamento raso. Conheço madeireiros, donos de lan houses e carvoeiros honestos, construtores de uma sociedade melhor, e que têm que lutar severamente contra o estigma que lhes é imputado injustamente.


Conheço uma empresa nordestina produtora de carvão que atua beneficiando a própria mata nativa de onde extrai seu produto. É, como disse, uma atividade empresarial, e como tal, lucrativa e responsável. Todo seu expertise decorre do manejo da floresta: a área foi dividida em lotes pares e impares. Cada lote é manejado em um dia de trabalho, alternando-se lote sim, lote não. Ou seja, só se manejará os lotes pares após se esgotar todos os lotes impares. Desta forma, só ocorrerá um novo manejo de um lote após mais de dez anos, tempo suficiente para a reposição natural, com sobra, neste bioma.


Como é o manejo em cada lote? São unidades equivalentes a um hectare que tem suas árvores inventariadas e assim escolhidas segundo critérios técnicos: retiram-se árvores doentes, árvores velhas, espécies atingidas por cupins e arvoredos com mais de sete centímetros de diâmetro – na altura do peito (ADP). Preservam-se as árvores que têm ninhos de pássaros, as espécies protegidas por lei, as cinqüenta melhores árvores do lote e os arvoredos menores, ainda em crescimento. Além disso, o trabalho dentro da área é auxiliado por jumentos na remoção da madeira cortada até a estrada, o que acarreta menor impacto ambiental.


Nesse manejo ocorre um processo de sanitização da floresta através da eliminação das plantas doentes e/ou contaminadas. O sol, então, atinge o solo encoberto por resíduos orgânicos como folhas e lenha decorrentes do trato, acelerando o crescimento das novas árvores, antes prejudicadas pelo excesso de sombra. Também, são comuns as rebrotas, isto é, o renascimento vigoroso de árvores cortadas a partir de suas raízes intactas e superdimensionadas para a nova copa. Por tudo isso, acredita-se que o próximo manejo de um mesmo lote será mais produtivo que o primeiro.


A visão que temos de uma área após o manejo é parecida com a visão da área virgem, tal a quantidade de mata nativa preservada, dispensando o plantio de espécies exóticas ou nativas. A reposição da vegetação é natural, bem ao modo darwinista.


As conseqüências deste trabalho, no Piauí, é a transformação social na região de mais baixo IDH do país. Neste projeto, todo trabalhador tem carteira de trabalho assinada, duas refeições diárias gratuitas em refeitório da própria fazenda, obrigatoriedade de uso de todos os equipamentos de segurança, ganhos extra por produção, treinamento, seguro de vida, banheiros dignos e água potável mesmo junto aos fornos. Até os jumentos recebem ração adequada durante a jornada de trabalho. Já é visível a ascensão social da comunidade local. Na pequena cidade surgem financeiras para intermediar compras de eletrodomésticos, carros e motos dos trabalhadores que agora tem comprovantes de renda. Toda uma rede de serviços e produtos diversos começou a se formar para prover a demanda do projeto e dos colaboradores, até alimentos orgânicos – os preferidos para o refeitório da fazenda – além de um espaço cultural na cidade visando reforçar com qualidade a educação das crianças e a valorização da cultura da região, inspirado na pedagogia Waldorf.


Vejo nesta iniciativa o surgimento de um modelo que alia o lucro natural de uma atividade empresarial com o respeito aos limites da natureza e, acima de tudo, a aliança com o desenvolvimento humano local e saudável. Até o jumento, tão presente na cultura do lugar foi resgatado. É, ...porque carvão é coisa séria!   





Publicado no jornal Cinform 22/02/2010 – Caderno Emprego

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Redes sociais, um pouco de Brasil




O nosso Brasil, conhecido como o país do futebol, também pode tornar-se conhecido como o país das redes sociais na internet. Nas pesquisas mundiais referentes ao tema, o Brasil se destaca como o país que mais utiliza sites de relacionamento, a exemplo do Orkut, o primeiro do ranking nacional mas que, curiosamente, está fora das listas dos dez mais utilizados no mundo.


Esse uso da internet brasileira (se é que existe internet de algum lugar?) revela qual a visão e compreensão que os brasileiros têm da grande rede: um ambiente de relacionamento pessoal. Certamente, estamos bem diferenciados nesta visão, pois, ao contrário, os Estados Unidos, berço da internet, a utiliza prioritariamente para negócios ou buziness, como chamam por lá. Etnologias à parte, penso que essa diferença de pontos de vista merece uma análise mais cuidadosa a partir da história econômica.


Uma distinção relevante deriva do perfil econômico dos dois países, EUA e Brasil. Hoje, a economia tradicional da indústria americana representa muito pouco no seu PIB. Menos de dez por cento dos trabalhadores estão na indústria, e apenas três por cento estão na agricultura. O grande motor econômico do Tio Sam é a produção de bens intangíveis e imateriais, como o software, as patentes, os games e o entretenimento. Apenas a Califórnia, sede de Hollywood e do Vale do Silício, possui um PIB bem superior a todo o PIB brasileiro.


Essa indústria de bens intangíveis está montada sobre fluxos e redes, e não sobre formas ou estruturas como ocorre na indústria tradicional. Nós brasileiros, ainda estamos muito presos ao modelo da revolução industrial, que é pesada fisicamente e agarrada a estruturas rígidas e hierárquicas. Assim, somos comumente levados a pensar soluções inadequadas para a nova ordem econômica. Exemplo: Se reunirmos no Brasil um grupo de pessoas diversas para discutir a criação de uma escola de idiomas, a conversa logo versará sobre a localização, o número de salas de aulas, quem será o diretor, os equipamentos e computadores necessários, a fachada, o horário de funcionamento, a biblioteca, etc. Para não dizer que alguém até já tem um jardineiro ótimo pra indicar. Tudo isso está predominantemente relacionado a formas e estruturas.


De outra maneira, poderia existir a mesma escola exclusivamente para atuar através de educação a distância via internet, e aí a discussão seria totalmente diferente. Neste caso, a conversa seria focada no método pedagógico, na dinâmica do site, no acompanhamento dos alunos, na formação de turmas flexíveis, no software que suportaria a solução educacional, etc.


É inegável que ambas as hipóteses são escolas de idiomas, que precisam de amparo legal para seu funcionamento, que exigem administração competente e que, embora concorrentes, são propostas originárias de conceitos distintos. Enquanto a primeira se prende ao rígido e ao material, a segunda está amparada por mídias eletrônicas e funciona à base de flexibilidade e imaterialidade. Esse caso ilustra algo sobre o uso da internet como acessório no Brasil frente ao uso econômico dela no EUA.


Neste mês de janeiro, estive em São Paulo, na III Campus Party que é o maior evento mundial de internet. Lá, durante a minha explanação sobre o tema “Lan House: um fenômeno de empreendedorismo”, reforcei mais uma vez o pioneirismo de Sergipe no trabalho de inclusão digital e social para pessoas de menor renda através das lan houses.


O mais interessante da Campus Party é ver a materialização da internet. Os participantes pertencem às mais diversas tribos. Tem a turma dos blogueiros, da robótica, do modding de computadores, do software livre, da inclusão digital, dos games, dos programadores, dos inovadores, dos hackers, e mais um pouco de tudo nos demais. Verdadeiramente me senti entre os demais.


Os números deste evento são fantásticos: banda larga de 10 giga livre para os participantes compartilharem, a maior do mundo em eventos internacionais até agora; 553 atividades, totalizando 700 horas; 6000 participantes inscritos, dos quais 3877 acamparam lá durante uma semana e 3900 levaram seus computadores pessoais; participantes dos 27 Estados brasileiros e de 20 outros países; 90000 visitantes; 40000 metros de cabos de rede, 20000 metros de fibras óticas e 18000 metros de fios elétricos; 1017 jornalistas e blogueiros cadastrados para cobertura; e tudo isso entre 25 e 31 de janeiro num espaço de 45000 metros quadrados. E, o mais importante, porque revela a qualidade do público participante: 34% de download e 66% de upload no uso da conexão.


Refiro-me à qualidade do público participante porque fazer uploads é produção intelectual, é autoria, é disponibilizar conteúdos e assim fazer o que a internet nos propicia de mais rico, que é a possibilidade inédita na história de produzir comunicação de muitos para muitos. Hoje, qualquer jovem talentoso, sem precisar ser rico, pode ser um emissor de TV, ao vivo, a partir da geração de imagens do seu computador pessoal, uma espécie de big brother doméstico. Pode também ser produtor de filmes, de clipes musicais, de programas de rádio ou produtor de textos.


A ferramenta está aí. Precisamos aprender a utilizá-la e produzir conteúdos e soluções inteligentes e construtivas. A receita parece simples, mas prescinde de educação de verdade e em larga escala para que se transforme o Brasil no novo país que ele realmente merece ser.       



           

Publicado no jornal Cinform 08/02/2010 – Caderno Emprego
            Publicado no Jornal do Comércio / SE – Editorial fev/2010