É interessante como certas coisas adquirem estigmas negativos e pagam um preço alto por isso. Um forte estigma danoso foi associado a lan houses, e acredito, elas prestam um serviço inestimável à população mais carente por reduzir a exclusão digital no Brasil. No nosso Nordeste, dois terços dos internautas usam as lan houses como meio de acesso a grande rede, enquanto as iniciativas governamentais e não-governamentais respondem por apenas seis por cento destes. Por conta disso, o próprio governo já começa a ver as lan houses com outros olhos, apesar da resistência de alguns.
Outra atividade econômica
altamente estigmatizada é a madeireira. O madeireiro leva a fama de exterminar
florestas, quando para ele isso é antieconômico. Seu interesse é focado em
algumas espécies valiosas e não em toda a mata. Por que gastar mais para
derrubar toda a floresta quando se deseja apenas uma parte menor dela? Quem
derruba toda a mata é o criador de gado para suas pastagens e o carvoeiro
ganancioso para tudo carbonizar.
Penso que quem danifica o
meio ambiente e a sociedade não é a atividade econômica e sim o caráter humano.
A falta de escrúpulo e as “grandes verdades” distorcem nossa visão da realidade
e nos fazem acreditar em papais noéis fora de época. Certamente é mais
prejudicial para o planeta a queima irrecuperável do petróleo que a queima do
carvão vegetal, por ser este fonte de energia renovável. Porém entendemos, ou
somos levados a entender, que o petróleo é bom e o carvão não é.
O estigma, como um mau
rótulo, está associado a algo de ruim. Trata-se de uma marca que a pessoa leva
para o resto da vida. Antigamente, malfeitores que cometiam algum crime eram
“tatuados” com uma marca bem visível chamada estigma que os faziam serem
reconhecidos como criminosas ainda que já houvessem sido punidos, e, portanto,
pago por seus erros. Esta marca está presente também em certas atividades
econômicas, como vemos.
Não quero ser defensor de
todos os madeireiros, todas as lan houses ou qualquer carvoaria. Não, em
hipótese alguma defenderei atividades irresponsáveis com o planeta, a sociedade
atual ou com nossas futuras gerações. Mas também não aceito ser levado por
bandeiras que fecundam inverdades, existem interesses encobertos e enviesados
que julgam algumas atividades econômicas e outras não, e que querem nos
convencer de todo modo, para que façamos o mesmo julgamento raso. Conheço
madeireiros, donos de lan houses e carvoeiros honestos, construtores de uma
sociedade melhor, e que têm que lutar severamente contra o estigma que lhes é
imputado injustamente.
Conheço uma empresa
nordestina produtora de carvão que atua beneficiando a própria mata nativa de
onde extrai seu produto. É, como disse, uma atividade empresarial, e como tal,
lucrativa e responsável. Todo seu expertise decorre do manejo da floresta: a
área foi dividida em lotes pares e impares. Cada lote é manejado em um dia de
trabalho, alternando-se lote sim, lote não. Ou seja, só se manejará os lotes
pares após se esgotar todos os lotes impares. Desta forma, só ocorrerá um novo
manejo de um lote após mais de dez anos, tempo suficiente para a reposição
natural, com sobra, neste bioma.
Como é o manejo em cada
lote? São unidades equivalentes a um hectare que tem suas árvores inventariadas
e assim escolhidas segundo critérios técnicos: retiram-se árvores doentes,
árvores velhas, espécies atingidas por cupins e arvoredos com mais de sete
centímetros de diâmetro – na altura do peito (ADP). Preservam-se as árvores que
têm ninhos de pássaros, as espécies protegidas por lei, as cinqüenta melhores
árvores do lote e os arvoredos menores, ainda em crescimento. Além
disso, o trabalho dentro da área é auxiliado por jumentos na remoção da madeira
cortada até a estrada, o que acarreta menor impacto ambiental.
Nesse manejo ocorre um
processo de sanitização da floresta através da eliminação das plantas doentes
e/ou contaminadas. O sol, então, atinge o solo encoberto por resíduos orgânicos
como folhas e lenha decorrentes do trato, acelerando o crescimento das novas
árvores, antes prejudicadas pelo excesso de sombra. Também, são comuns as rebrotas,
isto é, o renascimento vigoroso de árvores cortadas a partir de suas raízes
intactas e superdimensionadas para a nova copa. Por tudo isso, acredita-se que
o próximo manejo de um mesmo lote será mais produtivo que o primeiro.
A visão que temos de uma
área após o manejo é parecida com a visão da área virgem, tal a quantidade de
mata nativa preservada, dispensando o plantio de espécies exóticas ou nativas.
A reposição da vegetação é natural, bem ao modo darwinista.
As conseqüências deste
trabalho, no Piauí, é a transformação social na região de mais baixo IDH do
país. Neste projeto, todo trabalhador tem carteira de trabalho assinada, duas
refeições diárias gratuitas em refeitório da própria fazenda, obrigatoriedade
de uso de todos os equipamentos de segurança, ganhos extra por produção,
treinamento, seguro de vida, banheiros dignos e água potável mesmo junto aos
fornos. Até os jumentos recebem ração adequada durante a jornada de trabalho.
Já é visível a ascensão social da comunidade local. Na pequena cidade surgem
financeiras para intermediar compras de eletrodomésticos, carros e motos dos
trabalhadores que agora tem comprovantes de renda. Toda uma rede de serviços e
produtos diversos começou a se formar para prover a demanda do projeto e dos
colaboradores, até alimentos orgânicos – os preferidos para o refeitório da
fazenda – além de um espaço cultural na cidade visando reforçar com qualidade a
educação das crianças e a valorização da cultura da região, inspirado na
pedagogia Waldorf.
Vejo nesta iniciativa o
surgimento de um modelo que alia o lucro natural de uma atividade empresarial
com o respeito aos limites da natureza e, acima de tudo, a aliança com o
desenvolvimento humano local e saudável. Até o jumento, tão presente na cultura
do lugar foi resgatado. É, ...porque carvão é coisa séria!
Publicado no jornal Cinform
22/02/2010 – Caderno Emprego