terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Trabalho e fraternidade

 

Ao voltarmos um pouco no tempo, veremos que o trabalho sofreu grandes transformações na sua essência. Nem todos vemos isso com clareza, pois ainda somos fortemente influenciados por modelos mentais antigos e também pelo meio cultural em que vivemos. Paralelamente, existem no Brasil ambientes culturais profundamente diferenciados. Como exemplo, pode-se citar o contraste dos grandes centros financeiros e tecnológicos do Sudeste com a agricultura familiar de subsistência nordestina e também a cultura nortistas que ainda sobrevive da coleta na floresta.


Ao olharmos a linha do tempo do trabalho humano, vislumbramos que na Idade Média, excluindo-se o trabalho escravo, as famílias produziam o que podiam para elas mesmas. O agricultor produzia o que sua família necessitava consumir, assim como fazia o artesão. As possibilidades comerciais eram limitadíssimas e o mundo destas pessoas era menor ainda. Hoje, numa sociedade industrial ou pós-industrial, desconheço trabalhador que produza para si ou para a própria família. Auxiliados pela tecnologia, vivemos a época da grande produção de excedentes que têm sua distribuição potencialmente pulverizada por todo o globo.  


Saímos de uma relação socialmente restrita do trabalho para um contexto social amplo e complexo da nossa participação na vida econômica. Não se pode dizer que é uma mudança pequena ou desconsiderável. Trabalhamos para os outros, geralmente anônimos e desconhecidos. O fruto de nosso trabalho nas grandes organizações é destinado a consumidores inimagináveis, mas certamente exigentes de qualidade e segurança no que consomem.


A regra básica de sobrevivência econômica é produzir bens - e serviços -  da melhor forma possível para um consumidor desconhecido. Sem a obediência a essa lei, a chance de sucesso empresarial é nula. Penso que essa regra possui a mesma natureza original do conceito de fraternidade: fazer o bem sem olhar a quem.


Precisamos nos conscientizar da verdadeira lei que rege a atividade econômica, e portanto, nosso trabalho: a fraternidade. Quando estamos no nosso labor, estamos à disposição do outro, seja colega de empresa, fornecedor, consumidor, ou outros. Para eles dedicamos nosso conhecimento, nosso tempo, nossas ações e até, nossos sentimentos. Acredito que trabalharemos melhor e mais satisfeitos se pensarmos dessa forma, posto que enfrentaremos menos conflitos internos e externos.


Muitas vezes insistimos em erros que nem sabemos por que. Temos a tendência a reproduzir os ensinamentos que recebemos seguindo a mesma metodologia e, assim, somos conservadores e ousamos pouco. Porém, temos uma chama dentro de nós que nos alerta que algo que reproduzimos ou conceituamos hoje já não cabe bem frente à nova realidade. Creio que com o trabalho deve acontecer o mesmo quando insistimos em ser mais competitivos que colaborativos. Mas, a natureza humana é boa e cheia de luz, ainda que reprimida. Porém, quando lhe é dado espaço para se manifestar a explosão resultante contagia a todos à sua volta e nos faz viver momentos inesquecíveis do contato com essa luz interior, como em uma notícia divulgada na internet:


“Há alguns anos, nas olimpíadas especiais de Seattle, também chamada de Paraolimpíadas, nove participantes, todos com deficiência mental ou física, alinharam-se para a largada da corrida dos cem metros rasos.


Ao sinal, todos partiram, não exatamente em disparada, mas com vontade de dar o melhor de si, terminar a corrida e ganhar. Todos, com exceção de um garoto, que tropeçou no piso, caiu rolando e começou a chorar. Os outros oito ouviram o choro. Diminuíram o passo e olharam para trás. Viram o garoto no chão, pararam e voltaram. Todos eles!


Uma das meninas, com síndrome de down, ajoelhou-se, deu um beijo no garoto e disse: "pronto, agora vai sarar". E todos os nove competidores deram os braços e andaram juntos até a linha de chegada. O estádio inteiro levantou e não tinha um único par de olhos secos. E os aplausos duraram longos minutos.


E as pessoas que estavam ali, naquele dia, repetem essa história até hoje. Por que? Porque lá no fundo, nós sabemos que o que importa nesta vida é mais do que ganhar sozinho. O que importa é ajudar os outros a vencer”, cita a matéria.


A experiência da colaboração traz a todos nós a sensação de que é impossível agir de outra forma na construção de uma sociedade mais justa e solidária. E essa nova sociedade será fruto do nosso trabalho em equipe.


Reflita sobre sua ação no mundo e seja feliz, afinal Trabalho é fraternidade.





Publicado no jornal Cinform 28/12/2009 – Caderno Emprego
Publicado no Jornal do Comércio / SE – Editorial dez/2009

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Robótica e educação



 

                                    “Conhecer não é suficiente, deve ser aplicado.
Querer não é suficiente, deve ser feito”. Goethe.

  
Nos meus tempos de criança, várias vezes assisti o desenho animado “Os Jetsons”. Ali, o futuro se mostrava altamente cibernético e biônico.  Até os cachorros usavam patins à jato, tipo aeroespaciais. Esse seriado sinalizou a imagem do amanhã para muitos, como eu, que amava inocentemente as conquistas da revolução industrial e apostava num inesgotável aprimoramento físico-mecânico.


Hoje, olhando para trás, vejo que o futuro que se realizou é constituído pela pluralidade, pela fusão de conhecimentos, pelas metáforas insuperáveis, pela visão sistêmica/orgânica e pela interdisciplinaridade. Inversamente à monocultura mecânica do desenho animado.


Do ponto de vista técnico, a robótica não avançou na velocidade esperada porque se somos perfeitos no campo da mecânica e conseguimos milagres na eletrônica, o mesmo não podemos dizer do software. Em programação de computadores nós apenas engatinhamos e os desafios para a programação de um robô são os grandes obstáculos atuais. Os robôs industriais, aqueles das montadoras de automóveis, ainda são exageradamente limitados e limitantes na medida que não aceitam qualquer alteração na linha de montagem fora do que foram programados. Assim, o robô só age com a sua reconhecida precisão superior se todo o seu entorno também for rigidamente preciso. Um aparente contra-senso à tendência de flexibilização da indústria pós-fordista. Num robô, a mecânica é o corpo físico, a energia é a vitalidade e o software é a alma. Assim, o que caracteriza um robô é a possibilidade de alterar seu comportamento ou funcionamento sem mexer em um único parafuso ou dispositivo do seu corpo, apenas substituindo sua alma, ou seja, a sua programação.


É nesse contexto de hoje que exalto a robótica como instrumento educacional. A construção de um robô exige o desenvolvimento de conhecimentos e habilidades necessárias ao moderno mundo do trabalho, quais sejam: intimidade e compreensão do ambiente computacional, criatividade e autoria de soluções, desenvolvimento da colaboração e cooperação (quando se trabalha em equipe, conforme é recomendado), aceitação e superação dos erros honestos através da aprendizagem que eles nos proporcionam e a descoberta da existência de múltiplas soluções reais para problemas reais, diferindo das situações ideais com solução única, tão presente nos currículos e práticas escolares.


As principais teorias educacionais norteadoras do modelo educacional da robótica provêm de Piaget e Vygotsky. O construtivismo de Piaget se reconfigura como construcionismo a partir das contribuições do seu discípulo Seymour Papert, Diretor do Instituto de Tecnologia de Massassuchets - MIT (EUA), ao afirmar que a aprendizagem se dá pela motivação e inteligência somadas à ação frente a uma interessante problematização. Já a pedagogia de Vygotsky pressupõe que a aprendizagem é fundamentalmente uma experiência social de interação pela linguagem e pela ação. 


Por que se aprende tanto construindo robôs? Para tal pergunta, apresentamos as seguintes respostas: 1) A construção de um robô exige um contexto, isto é, o ambiente onde o robô funcionará, que definirá seu ótimo design físico-funcional. Uma proximidade com a engenharia e outras ciências exatas, além da possibilidade de usar materiais reciclados. 2) Suas fontes de suprimentos, a energia (eletricidade, petróleo, solar, etc) e o software (download, upload) a partir de um computador. Um espaço rico para as ciências biológicas, ambientais e sociais. 3) A animação, isto é, a dinâmica dos movimentos será conduzida por programação de computador, cujo design deve dialogar com a forma física construída para o melhor funcionamento. Um mergulho de corpo inteiro na lógica em um ambiente real, longe, portanto, da virtualidade ilusória do computador.


Pergunto: Que disciplina curricular é suficiente para atender todos os itens acima? Penso que individualmente nenhuma.  Então vamos inverter a pergunta: Que disciplina escolar fica excluída de todos estes itens acima? Também nenhuma, acredito.


Então concluímos que a natureza interdisciplinar é intrínseca à robótica.  Impossível construir coletivamente sem o exercício da comunicação e da linguagem. Também, não o fazemos sem aplicações diretas da matemática e da lógica. A missão que o robô executará será em um lugar geográfico, em um momento histórico, em um ecossistema, com impactos ambientais e sociais, para que benefícios ao homem? Todos ou quais?


Essa é a escola que defendo. A escola onde o mundo faça eco, que permita prazer à aprendizagem, que valorize a individualidade através da autoria e desenvolva os talentos num mergulho em si próprio. E que também valorize o coletivo através da colaboração de todos para a construção do projeto comum, com conseqüente desenvolvimento do caráter, tão necessário aos nossos dias, resultante dos embates naturais que permeiam o trabalho interativo e o aprendizado das regras de convivência social.





Publicado no jornal Cinform 14/12/2009 – Caderno Emprego