A incômoda pergunta
“dinheiro traz felicidade?” foi a questão norteadora de uma pesquisa científica
realizada pela Universidade da Columbia Britânica, no Canadá e pela Harvard
Business School, nos Estados Unidos. No primeiro grupo investigado, uma equipe
de pesquisadores aplicou um teste numa amostra de 630 pessoas para conhecer seu
perfil econômico, hábitos de consumo e seus rendimentos, além, obviamente, os
níveis de felicidade que reportavam. Para o segundo grupo pesquisado, formado
por 16 funcionários de uma firma em Boston, foram distribuídos bônus entre 3 e
8 mil dólares que tiveram sua destinação acompanhada e o decorrente impacto na
felicidade dos abonados. Finalmente, um terceiro grupo composto de voluntários
que receberam cerca de 20 dólares para gastar até determinada hora enquanto
eram monitorados sistematicamente.
Definitivamente, a
resposta a essa pergunta é: “Sim! Dinheiro traz felicidade. Porém...”. Porém,
isso só acontece de forma duradoura e evidente quando o usamos a fim de comprar
coisas para os outros e não para nós mesmos. “Gastar dinheiro com os outros
pode representar um caminho efetivo para a felicidade”, afirmou Elizabeth Dunn,
chefe da equipe de pesquisa.
Se olharmos bem para o
funcionamento do sistema econômico veremos que há, paralelamente ao movimento
financeiro visível, um grande ambiente de caráter afetivo ou emocional recheado
de subjetividades e valores humanos. O crédito é uma ação econômica fundamental
à saúde e sobrevivência dos mercados. E ele só acontece em um ambiente honesto
quando confiamos em quem nos deverá, independentemente das garantias porventura
exigidas. Ofertar crédito é acreditar, confiar e viabilizar o sonho do outro,
ou seja, dar crédito é comprometer-se com a idéia do outro. Quantas emoções se
fazem presentes nas transações creditícias?
Outro aspecto muito
interessante está vinculado à regra geral de sobrevivência dos agentes
econômicos. Por mais competitivo e selvagem que seja o ambiente onde seu
negócio está inserido, você deve fabricar seu produto da melhor forma que lhe é
possível sempre, mesmo sem saber a quem se destina. Assim, um fabricante de
chinelos buscará fazê-los da melhor forma que possa satisfazer seus usuários,
ainda que sejam completamente desconhecidos, podendo até ser um desafeto dele.
É mais ou menos como, fazer o bem sem olhar a quem. Ou não?
Os recursos tecnológicos
disponíveis pela revolução industrial e, mais recentemente, pela economia
digital, nos fazem grandes produtores de excedentes a partir do nosso trabalho.
Produzimos muito mais que somos capazes de consumir. Um simples liquidificador
é utilizado apenas 5 minutos por dia para dar cabo de nossas necessidades,
ficando o resto do tempo ocioso. O mesmo acontece com quem tem um sítio e um
trator geralmente superdimensionado e, portanto, ocioso. Um pequeno forno é
suficiente para produzir alimentos destinados a várias famílias. Que fazer com
esses excedentes?
Mais significativo ainda, é a nossa condição
moderna resultante da economia do conhecimento, na qual a matéria-prima não se
esgota com o uso. Pelo contrário, conhecimento não se divide – se multiplica.
Passar conhecimento para outra pessoa não diminui este em nada, mas
contrariamente, o amplia. Será o capital humano uma forma de capital
absolutamente não degradável?
De forma pragmática, o que
vemos nas relações comerciais é uma tendência crescente em direção a
informalidade nas relações duradouras. À medida que convivemos com parceiros
comerciais éticos, relaxamos naturalmente os nossos controles. Esse é o caminho
espontâneo das transações econômicas: substituir valores materiais, as
garantias e cauções, por exemplo, por valores humanos como a confiança e a
solidariedade nas parcerias comerciais.
No início do século XX,
Rudolf Steiner, pesquisador e filósofo austríaco, fundador da Antroposofia,
desenvolveu um modelo de organização social que denominou de “Trimembração do
Organismo Social”, no qual a atividade econômica, que é um dos 3 membros deste
organismo, se inspirava na FRATERNIDADE. Tal modelo, implantado
experimentalmente em uma pequena sociedade alemã foi logo desfeito em função de
perseguições do dominante e crescente nazismo de então. Nesta proposta, a
fraternidade é apresentada como sendo a origem arquetípica ou primitiva da
atividade produtiva. De fato, a rigor nosso trabalho é realizado para os outros
e pela necessidade dos outros – os nossos clientes, geralmente anônimos.
Pode parecer difícil
enxergar fraternidade no conturbado ambiente econômico, porém, me parece a cada
dia mais evidente essa convergência. Os argumentos acima apresentados me fazem
crer que Steiner estava certo na sua tese. Organizações que superaram esse
paradigma tumultuado da visão de negócios através de parcerias, associativismo,
cooperação ou práticas colaborativas nos negócios alcançaram patamares
diferenciados no próprio fortalecimento e tornaram-se uma referência no que
fazem. Acredito que a ganância, a cobiça, o consumismo e a indiferença aos
valores humanos no meio dos negócios são apenas metamorfoses patológicas
oriundas de uma leitura do mundo feita com a lente errada por um Ser Humano que
também não se conhece e se ilude, mas que também é incapaz de alterar a
verdade.
Publicado no jornal Cinform
26/10/2009 – Caderno Emprego