Mudanças tecnológicas são
muito velozes. Esteja certo que quando lhe chegar a sensação de conforto e
segurança no uso de um programa de computador ou de um aparelho celular é
porque estes já estarão superados ou obsoletos. O normal, hoje, é improvisar no
uso destes instrumentos, é ser criativo para descobrir utilidades impensadas
até pelo desenvolvedor ou inventor do produto, visto que com certeza este
também não teve tempo suficiente para conhecer a fundo sua criação e as possibilidades
de suas aplicações.
Dizem que o ótimo é
inimigo do bom. Na indústria do software isso é uma verdade. Se desejarmos
lançar um programa de computador livre de erros, os chamados bugs, não o lançaremos nunca. Existe uma
curva em um gráfico cartesiano que aponta o índice tolerável de falhas para o
lançamento comercial do produto. O software é lançado com versões futuras já em
construção onde se elimina algumas falhas mais comprometedoras, além de pacotes
com correções que são baixadas pela internet, às vezes automaticamente. Só em
2006, foram 7.427 bugs catalogados
entre os dez maiores desenvolvedores de softwares do mundo.
Dentro deste atropelo
calculado, impositivas são as regras do mercado que orientam o lançamento e o
descarte de produtos e serviços num giro de máxima rentabilidade, sem levar em
conta questões ambientais e sociais. O lixo tecnológico é altamente tóxico e
resistente à decomposição na natureza. E o pior, estamos assimilando a cultura
do descartável, da superficialidade e da efemeridade em nossas relações
afetivas, sociais e econômicas. Em alguns casos, há uma verdadeira inversão de
valores que passa aparentemente despercebida: os programas aplicativos, como o Word ou Excell, estão
indevidamente em posição superior aos conteúdos criados a partir deles. Para
ser mais claro: imagine que um notável romancista escreveu seu livro mais
promissor, uma obra-prima, usando o extinto WordStar ou o desaparecido Carta
Certa e guardou muito bem uma cópia eletrônica para futura edição. Certamente hoje o desavisado escritor já está em apuros. E muito mais
ficará à medida que o tempo avançar. Onde abrir seu arquivo? Como recuperar seu
livro?
A situação acima decorre
da falta de padronização para editores de textos, de planilhas, de
apresentações, etc. Ficamos escravos de determinados fornecedores,
proprietários de “padrões” que muitas vezes são voláteis e descontinuados em
pleno desrespeito aos seus usuários. Na pueril indústria da informática essas
coisas acontecem sem reação dos consumidores. Em outros casos, essas ações
desrespeitosas seriam repelidas veementemente por todos os consumidores.
Ninguém aceitaria que a companhia de distribuição de energia elétrica,
combinada com a indústria de eletrodomésticos, resolvesse alterar a voltagem da
rede de 110 para 325 volts a fim de nos obrigar a rever nossos contratos e
vender novos eletrodomésticos adaptados a esta inesperada realidade. Também
seria inimaginável que seus DVDs só pudessem ser assistidos nos equipamentos da
marca tal.
Lembro que no final da
década de 70, a
Sony lançou um padrão de videocassete exclusivo, chamado Betamax, e disputava a
preferência com o padrão VHS, de qualidade inferior. A Sony saiu perdendo,
apesar da superioridade tecnológica de seu produto, porque a indústria do
entretenimento ofertou mais títulos em VHS. Moral da história: o principal valor está no
conteúdo e não na mídia ou no veículo. Assim, será com a informática também.
A tendência a padrões está
sendo consolidada e defendida pelo modelo adotado pela internet. Nesta, a
partir de computadores de diversos fabricantes, de diversos sistemas
operacionais, de vários navegadores, de diversas conexões, é possível navegar
pelos mesmos sites numa demonstração exemplar de compatibilidade e
interoperabilidade.
Em janeiro deste ano,
participando do Campus-party Brasil em São Paulo , assisti uma palestra interessante
sobre a adoção pela ABNT – Associação Brasileira de Normas Técnicas, do padrão
ODF, abreviação de “OASIS Open Document Format for Office Applications”, que
trata de um formato aberto para armazenar e trocar documentos de escritório
como memorandos, relatórios, livros, planilhas, bases de dados, gráficos e
apresentações. Esta norma é referenciada como NBR ISO/IEC 26300, publicada em
12 de maio de 2008, que normatiza o padrão universal para portabilidade de
documentos entre aplicativos de diversos fabricantes, sejam Linux, Windows,
Google, etc.
Tal palestra
fazia um paralelo entre o desvendar dos hieróglifos da Pedra de Roseta,
descoberta em 1799 e que permitiu em 1822 a compreensão da escrita egípcia, com os
“novos hieróglifos” produzidos atualmente pela indústria da informática através
dos programas aplicativos descontinuados. Comparou também nossa realidade atual
com a perda da Biblioteca de Alexandria em 646 dC, totalmente destruída pelo
fogo com seus mais de 1000 anos de história humana arquivada. Quantas pesquisas
acadêmicas, obras artísticas, projetos, documentos empresariais e anais, dentre
outros, estão armazenados em arquivos eletrônicos, porém, inacessíveis aos computadores
atuais.
Penso que o mais
importante da informática é o que fazemos através dela. É o nosso trabalho. Não
é a máquina, é o humano. Só quando respeitarem nosso trabalho e toda a
informática for um meio de interesse público e social, é que deixaremos de ser
reféns de tiranias tecnológicas e oportunismos mercadológicos. Quem sabe se com
o padrão ODF funcionando para valer possamos dizer: Seja livre, use o que
quiser!
Publicado no jornal Cinform
20/07/2009 – Caderno Emprego
Publicado na revista TI&N, nº 10, nov/2012
Publicado na revista TI&N, nº 10, nov/2012