segunda-feira, 20 de julho de 2009

Novos hieróglifos


Mudanças tecnológicas são muito velozes. Esteja certo que quando lhe chegar a sensação de conforto e segurança no uso de um programa de computador ou de um aparelho celular é porque estes já estarão superados ou obsoletos. O normal, hoje, é improvisar no uso destes instrumentos, é ser criativo para descobrir utilidades impensadas até pelo desenvolvedor ou inventor do produto, visto que com certeza este também não teve tempo suficiente para conhecer a fundo sua criação e as possibilidades de suas aplicações.

        Dizem que o ótimo é inimigo do bom. Na indústria do software isso é uma verdade. Se desejarmos lançar um programa de computador livre de erros, os chamados bugs, não o lançaremos nunca. Existe uma curva em um gráfico cartesiano que aponta o índice tolerável de falhas para o lançamento comercial do produto. O software é lançado com versões futuras já em construção onde se elimina algumas falhas mais comprometedoras, além de pacotes com correções que são baixadas pela internet, às vezes automaticamente. Só em 2006, foram 7.427 bugs catalogados entre os dez maiores desenvolvedores de softwares do mundo.

        Dentro deste atropelo calculado, impositivas são as regras do mercado que orientam o lançamento e o descarte de produtos e serviços num giro de máxima rentabilidade, sem levar em conta questões ambientais e sociais. O lixo tecnológico é altamente tóxico e resistente à decomposição na natureza. E o pior, estamos assimilando a cultura do descartável, da superficialidade e da efemeridade em nossas relações afetivas, sociais e econômicas. Em alguns casos, há uma verdadeira inversão de valores que passa aparentemente despercebida: os programas  aplicativos, como o Word ou Excell, estão indevidamente em posição superior aos conteúdos criados a partir deles. Para ser mais claro: imagine que um notável romancista escreveu seu livro mais promissor, uma obra-prima, usando o extinto WordStar ou o desaparecido Carta Certa e guardou muito bem uma cópia eletrônica para futura edição. Certamente  hoje o desavisado escritor já está em apuros. E muito mais ficará à medida que o tempo avançar. Onde abrir seu arquivo? Como recuperar seu livro? 

A situação acima decorre da falta de padronização para editores de textos, de planilhas, de apresentações, etc. Ficamos escravos de determinados fornecedores, proprietários de “padrões” que muitas vezes são voláteis e descontinuados em pleno desrespeito aos seus usuários. Na pueril indústria da informática essas coisas acontecem sem reação dos consumidores. Em outros casos, essas ações desrespeitosas seriam repelidas veementemente por todos os consumidores. Ninguém aceitaria que a companhia de distribuição de energia elétrica, combinada com a indústria de eletrodomésticos, resolvesse alterar a voltagem da rede de 110 para 325 volts a fim de nos obrigar a rever nossos contratos e vender novos eletrodomésticos adaptados a esta inesperada realidade. Também seria inimaginável que seus DVDs só pudessem ser assistidos nos equipamentos da marca tal.

Lembro que no final da década de 70, a Sony lançou um padrão de videocassete exclusivo, chamado Betamax, e disputava a preferência com o padrão VHS, de qualidade inferior. A Sony saiu perdendo, apesar da superioridade tecnológica de seu produto, porque a indústria do entretenimento ofertou mais títulos em VHS. Moral da história: o principal valor está no conteúdo e não na mídia ou no veículo. Assim, será com a informática também.

A tendência a padrões está sendo consolidada e defendida pelo modelo adotado pela internet. Nesta, a partir de computadores de diversos fabricantes, de diversos sistemas operacionais, de vários navegadores, de diversas conexões, é possível navegar pelos mesmos sites numa demonstração exemplar de compatibilidade e interoperabilidade.

          Em janeiro deste ano, participando do Campus-party Brasil em São Paulo, assisti uma palestra interessante sobre a adoção pela ABNT – Associação Brasileira de Normas Técnicas, do padrão ODF, abreviação de “OASIS Open Document Format for Office Applications”, que trata de um formato aberto para armazenar e trocar documentos de escritório como memorandos, relatórios, livros, planilhas, bases de dados, gráficos e apresentações. Esta norma é referenciada como NBR ISO/IEC 26300, publicada em 12 de maio de 2008, que normatiza o padrão universal para portabilidade de documentos entre aplicativos de diversos fabricantes, sejam Linux, Windows, Google, etc.

            Tal palestra fazia um paralelo entre o desvendar dos hieróglifos da Pedra de Roseta, descoberta em 1799 e que permitiu em 1822 a compreensão da escrita egípcia, com os “novos hieróglifos” produzidos atualmente pela indústria da informática através dos programas aplicativos descontinuados. Comparou também nossa realidade atual com a perda da Biblioteca de Alexandria em 646 dC, totalmente destruída pelo fogo com seus mais de 1000 anos de história humana arquivada. Quantas pesquisas acadêmicas, obras artísticas, projetos, documentos empresariais e anais, dentre outros, estão armazenados em arquivos eletrônicos, porém, inacessíveis aos computadores atuais.

            Penso que o mais importante da informática é o que fazemos através dela. É o nosso trabalho. Não é a máquina, é o humano. Só quando respeitarem nosso trabalho e toda a informática for um meio de interesse público e social, é que deixaremos de ser reféns de tiranias tecnológicas e oportunismos mercadológicos. Quem sabe se com o padrão ODF funcionando para valer possamos dizer: Seja livre, use o que quiser!



 Publicado no jornal Cinform 20/07/2009 – Caderno Emprego
 Publicado na revista TI&N, nº 10, nov/2012





terça-feira, 7 de julho de 2009

Informalidade e improdutividade


       A informalidade é a principal barreira ao desenvolvimento econômico brasileiro, segundo pesquisa realizada pela consultoria McKinsey em 2005. Nesse estudo, atribui-se à informalidade a grandeza de 39% da perda de produtividade no Brasil, além de outros fatores que apresentamos a seguir: a instabilidade macroeconômica com 13%; ineficiência e precariedade dos serviços públicos com 8%, e falta de infra-estrutura com 5% da mencionada  perda. Todos estes fatores, aponta o estudo, podem ser resolvidos de curto a médio prazo através de políticas de Estado estáveis e bem sucedidas, aplicadas ao longo de 12 anos, que consistem na redução da informalidade de 40% para 20% do PIB; na diminuição da instabilidade macroeconômica, cortando gastos correntes do governo de 30% para 25% do PIB; no corte pela metade do tempo de solução e do número de novos processos judiciais e na melhoria da infra-estrutura, aumentando o percentual de investimentos de 2,4% para 6% do PIB. Tais medidas elevariam a renda per capita brasileira para 16.400 dólares, dobrando seu valor em termos reais, em 10 anos.

Esta pesquisa revela ainda que a produtividade do brasileiro é de apenas 18% face à produtividade do trabalhador norte-americano. Desta forma, temos de trabalhar em média 5 vezes mais que eles para gerar o mesmo produto. Digo em média, porque a perda de produtividade varia conforme o setor econômico. O setor de menor perda comparativa entre Brasil e EUA é o bancário, no qual atingimos a marca de 67% da produtividade dos “senhores de olhos azuis”. Sequencialmente temos o setor automotivo com 29%, a construção com 28%, o varejo com 25%, e, pasmem, a agricultura com ínfimos 5%.

É de se estranhar que justamente o setor agrícola, abrigo do nosso pujante agro-negócio, que participa decisivamente da nossa carteira de exportações, apresente índice tão acanhado de produtividade. O esclarecimento provém da agricultura de subsistência, carente de recursos tecnológicos mínimos. Ela se mostra desigual entre a agricultura mecanizada, dita de precisão, e a rudimentar agricultura familiar de subsistência.

A análise dos números acima nos faz ler que quanto menor a informalidade (setor bancário), maior a produtividade, e vice-versa (setor agrícola).

Esta consultoria McKinsey já afirmou em outra pesquisa que uma redução de 20% da informalidade dará ao Brasil ganho de 1,5% no PIB, além de revelar que o Brasil é responsável por 10% da pirataria musical do mundo e que 55% dos nossos trabalhadores estão desprotegidos.

 São números expressivos que, por si só, justificam a implantação de políticas econômicas planejadas e elaboradas com a visão de longo prazo, típica de programas nacionais de desenvolvimento com visão sistêmica, que independam de governos e orientações ideológicas.

Análises comparativas entre países nos mostram que a renda per capita está diretamente relacionada à produtividade. Se, como vimos, a produtividade norte-americana é 5 vezes superior à nossa, também vemos a renda per capita do Tio Sam ser 4 vezes superior à Tupininquim. Esta proximidade de números relativos entre a renda e a produtividade per capita se repete em vários outros países quando dispostos em um gráfico cartesiano, formando uma nuvem quase reta de pontos.

Como este estudo aponta que a produtividade das iniciativas informais é de apenas 45% da produtividade das formais, sugiro que os programas governamentais de combate à informalidade sigam na direção do ganho de produtividade. Assim, a passagem da informalidade para a formalidade será vantajosa para todos. Ganha o empreendedor, ganha o Estado e, principalmente, ganha a sociedade brasileira. Não basta a vantagem relativa, ofertada pelo tratamento tributário diferenciado, a exemplo do (Micro) Empreendedor Individual – MEI - Lei Complementar 128/08. É preciso sensibilizar o público para quebrar a cultura da informalidade que, lamentavelmente, está tão presente na cabeça do brasileiro, e capacitar o pequeno empreendedor para que se instrumentalize e cresça produtivamente no combate ao desperdício, na visibilidade do seu negócio (publicidade), no giro otimizado do estoque e do capital, nas melhores práticas do seu ramo de atividade, na formação correta de preços, na visão de mercado e seu posicionamento (marketing), no acesso ao crédito, na cultura do associativismo, dentre outras inúmeras noções de técnica de gestão e profissionalização. Nesse espaço o Sistema “S” passa a ser decisivo: tem competência comprovada, tradição e credibilidade, recursos humanos, pedagógicos, materiais e capilaridade para enfrentar a desafiadora missão como nenhum outro organismo no país.  

Outro fator que responde por 35% da perda de produtividade é a excessiva pobreza presente na Terra Brasilis. Neste nível, a pobreza produz continuamente um círculo vicioso de ampliação da própria pobreza. A escola pública é ruim, mas “é grátis”, então não se deve reclamar. Ou ainda, “ruim com ela, pior sem ela”.

A nossa elite é muito reduzida para dar conta rapidamente do passivo social brasileiro. A saída só é possível a longo prazo, porém, é consensual e  se chama educação. Entenda-se educação no sentido amplo da palavra: educar o pensar (cognição), o fazer (volição) e o sentir (emoção), tarefa de pais e educadores.

Por fim, espero ver o dia em que informalidade seja sinônimo de confiança nas relações pessoais e empresariais e ainda de desburocratização, e não sinônimo de clandestinidade, como hoje se aplica no nosso querido Brasil.



Publicado no jornal Cinform 06/07/2009 – Caderno Emprego