segunda-feira, 30 de março de 2009

A Economia Industrial e a Economia do Conhecimento: dois paradigmas


Duas economias estão muito presentes no nosso mundo e creio que pouco nos apercebemos das radicais diferenças que as edificam. São elas: a Economia Industrial e a Economia do Conhecimento.

A primeira economia deriva da produção de bens materiais, é a mais tradicional, mais antiga e mais visível. Dela vêm os automóveis, os eletroeletrônicos, os bens duráveis, as edificações, enfim, as coisas tangíveis que podemos tocar, pesar e mensurar. Aqui se valorizam mais as formas e as estruturas, e ainda, mais valem os produtos que quem os produz. Para compreensão dessa economia mais palpável, o homem desenvolveu teorias inspiradas em concepções materialistas e até muito mecânicas, tipo causa-efeito. O preço está diretamente relacionado à escassez – Por exemplo, se Zé quer comprar bananas na entressafra, então certamente, Zé vai pagar mais caro por elas. É lógico!  Da mesma forma, Jorge, lojista de pneus, se desfaz dos pneus que possui em estoque para ser remunerado. Assim, Jorge só terá dinheiro quando não tiver pneu. Já com Alfredo aconteceu de emprestar seu fusca para rodarem muito e por conta desse compartilhamento o carro depreciou perdendo valor de mercado – Esse é o paradigma desta economia.

A segunda economia é a dos bens imateriais, das coisas que não tocamos com nossas mãos, cujos produtos são extremamente fluídos e dependentes de mídias para nosso consumo. Seus principais produtos são: software, isto é, programas para computadores; entretenimento, jogos, filmes, lazer nas diversas formas; música, literatura, artes, cultura em geral; educação e consultoria; marcas e patentes; etc. Esta é a economia do conhecimento ou de bens intangíveis em que se valoriza mais o fluxo que a forma e mais também, a flexibilidade que a estrutura. É a economia da abundância e do excesso de informações. Os verbetes “paulo freire” e “paleolítico” tem 1.350.000 e 261.000 entradas no Google respectivamente. Da pra ler? Imaginemos, nesse cenário, que Jorge agora não mais vende pneus, ele é um consultor , portanto, vende conhecimento. Pergunto: o estoque de conhecimento de Jorge reduz à medida que é vendido? Certamente a resposta é NÃO: nessa situação o conhecimento e a renda crescem a cada consultoria realizada. Continuemos a imaginar não mais com Jorge, porém, com o Alfredo que não é mais o atormentado proprietário de fusca: ele é programador de computador e desenvolveu um software que informa com precisão cirúrgica quando vai chover no sertão. Todos querem seu programa e na mesma proporção que Alfredo o compartilha, valoriza seu produto, contrariamente ao que aconteceu com o estimado e mensurável fusquinha.   

A principal economia mundial de hoje é a do conhecimento. Está muito presente nos países centrais, misturada nos países intermediários como o Brasil e praticamente ausente na periferia mundial. A Califórnia, estado do desértico oeste americano, tem PIB bem superior ao brasileiro e ao Francês, alimentado pela indústria da inovação do Vale do Silício (lê-se a gestação de Google, Microsoft, Apple, Yahoo, Intel, AMD, Symantec, HP...) e pela produção dos conhecidos filmes de Hollywood. É quase tudo intangível. Acredito que, hoje, por conta dessa preponderância acentuada da economia do conhecimento sobre a economia industrial é que chegamos a ter o barril de petróleo em 2008 acima de 150 dólares por barril sem susto, diferentemente da década de 70, ocasião em que o mundo se ajoelhou porque o petróleo atingiu 60 dólares. 

As regras clássicas da Economia Industrial não podem ser aplicadas diretamente na economia do conhecimento. Parece mais acertado inverter as normas se quanto mais usado mais vale e se quando mais compartilho mais tenho. Além disso, na nova economia o principal valor do produto não esta na matéria e sim na tecnologia embutida (e invisível) visto que 1 kg de satélite tem o mesmo preço que 100.000.000 kg de soja. A aplicação de conceitos clássicos da economia tradicional nessa nova economia levou alguns pioneiros ao fracasso e ainda perturba muitos outros empreendedores. A Netscape, em 1995, no primeiro dia de negociação na bolsa americana NASDAQ (que negocia ações de empresas de alta tecnologia) foi cotada a 3 bilhões de dólares, quando tinha um faturamento anual de 17 milhões de dólares e não era uma empresa lucrativa, num completo descolamento de números.

O problema mais complexo decorrente da falta de coerência no manuseio e domínio da economia do conhecimento é a pirataria. A cópia ilegal existe à sombra da incompatibilidade de modelos. Na fabricação de bens tangíveis a escala de produção, os prazos, a rastreabilidade e a qualidade não dão espaço para que aventureiros copiem com sucesso a imensa maioria dos produtos, existindo problemas pontuais apenas. Já na indústria de bens intangíveis o problema da pirataria é sistêmico, decorre da dificuldade de reter conhecimento. Conhecimento não se divide, se multiplica, se potencializa. Nesse campo a solução só virá com a mudança de paradigma, pois, se não há “perda” na passagem de conhecimento de quem sabe para quem não sabe, então, como produzir “ganho” para ele?

Um exemplo de como inibir a pirataria é a produção intelectual de domínio público. Neste mês de março, durante a semana da inclusão digital, o CDI/SE – Comitê para Democratização da Informática em Sergipe, o Senac/SE, o Sebrae/SE, a Faculdade São Luís de França e o Instituto Social Micael lançaram a cartilha “Internet ponto a ponto” para orientar crianças, jovens, pais e professores a fazerem bom uso da internet. A elaboração do conteúdo (o intangível) desta cartilha foi um trabalho voluntário e ela está disponível para cópia no site www.se.senac.br e com os fotolitos prontos na Info Graphics para impressão (o tangível) por conta da instituição que a desejar distribuir. Em um recorte da capa está a imagem de um pirata que pode ser substituída pela marca do encomendante, simbolizando que onde há colaboração o pirata não tem vez.  

Penso que as bases do novo paradigma econômico serão a fraternidade e a cooperação. As constelações parecem apontar para uma saída honrosa para a história econômica da humanidade. Espero assistir vivo a este resgate.   


Publicado no jornal Cinform 30/03/2009 – Caderno Emprego

segunda-feira, 16 de março de 2009

Inclusão digital ou inclusão educacional?



Muito se fala em inclusão digital. A repetição do termo banaliza o tema, às vezes confunde o significado, noutras tantas vezes ilude politicamente a sociedade. Certamente, não serei eu o iluminado ou “salvador da pátria” que neste curto espaço vai encerrar as dúvidas cabíveis em tão intrigante assunto. Porém, convido-os para reflexão viajando pela história humana, ainda que contada pela turma dominante.

Dizem que a cerca de dez mil anos atrás o homem deixou de ser nômade para se dedicar a agricultura e criação de animais domesticáveis. Para isso, nosso antepassado desenvolveu ferramentas rudes, providas apenas de um corpo físico que funcionavam como extensão de seu próprio corpo como uma pá, por exemplo, ou como prolongamento do corpo de um animal, como o arado. Vejam que falei apenas de instrumentos primitivos, mas creio que já podemos visualizar claramente um processo excludente intimamente relacionado à tecnologia. Certamente nessa época muitos foram alijados do processo histórico por causa da insensível pá. Para se corrigir uma injustiça social de então, creio que bastaria ao cacique pré-histórico distribuir pás para todos que a inclusão aconteceria.

Bem mais adiante, no século XVIII, o homem domina diversas formas de energia: vapor, eletricidade, química, etc., produz máquinas “vitalizadas” capazes de gerar grande produção de excedentes. Um tear artesanal jamais competirá em produtividade com uma máquina têxtil industrial. Quanto tempo levará uma dona de casa que queira bater no garfo o que um simples liquidificador faz em segundos? Desta dita revolução industrial a humanidade herda o consumismo e a obsessão pela produtividade em tudo que faz. Nesse período, as ferramentas já não são simples extensões físicas adaptadas ao trabalho muscular, mas sim, equipamentos dotados de corpo físico e vitalidade própria adquirida pela conversão energética. Aqui a coisa começa a complicar. Uma dona de casa que não possua seu liquidificador pode estar tão excluída quanto a que já o possui, mas, não dispõe de energia elétrica para fazê-lo funcionar. A exclusão cresce potencialmente com o avanço tecnológico. Caso o zeloso monarca da época viesse a distribuir liquidificador para todas (ou todos) já não resolveria. Seria preciso distribuir eletricidade também.

Na atual sociedade do conhecimento, ou pós-industrial, as máquinas ganham um componente adicional, o software. Isto é, são programáveis e realizam instruções a partir da leitura do programa posto em sua memória. Tal programa vai ditar o “comportamento” da máquina. Ou seja, trocou o programa, trocou a ação da máquina sem mexer em nenhum parafuso ou componente físico. Tal programa anima a ação da máquina. Um exemplo visível é a máquina de bordar, destas que vemos em estandes nos shoppings reproduzindo no tecido o desenho que está carregado em sua memória naquele instante. Troca-se o desenho e a máquina fará novo e diferente bordado. Nossa atualizada máquina mostra-se tridimensional, a saber: uma dimensão física formada por motores, eixos, polias, etc.; uma dimensão vital caracterizada pela eletricidade e finalmente uma dimensão digital definida pela lógica do programa que a instrui. Estou certo que a exclusão cresceu em maior proporção. Não basta ao gestor público contemporâneo distribuir máquinas bordadeiras e eletricidade para todos – tem que, além disso, distribuir conhecimento (sic) para programar a exigente máquina. Neste ambiente digital o conhecimento deixa de ser um acessório valioso para ser um fator determinante, condição sine qua non (sem a qual não).

Essa é a questão: não se pode distribuir conhecimento como se distribui pás, liquidificadores ou eletricidade. Conhecimento se adquire, explicita ou implicitamente, mas sempre a partir de informações captadas pelos nossos órgãos dos sentidos, desde que estejamos abertos a internalizá-las e, na visão de Piaget, tenhamos estrutura cognitiva compatível (já acomodada) para que possamos assimilar tais informações.

Alguns autores afirmam que para superar a exclusão digital é necessário atender a três distintos pilares: acesso às TIC’s (tecnologias da informação e comunicação), renda e educação. O primeiro pilar está bem avançado, especialmente pelo trabalho prestado pelas lan houses e similares, visto que 67% dos usuários de internet do nordeste brasileiro utilizam lan houses segundo pesquisa recente do CGIBR – Comitê Gestor da Internet do Brasil. O segundo pilar encontra-se favorecido pela redução dos preços das TIC’s e pelo crescimento da renda das classes populares; embora o custo de acesso doméstico a internet seja uma grande barreira ainda. E, finalmente o terceiro e mais importante pilar que infelizmente não acompanha a evolução dos dois primeiros no Brasil – EDUCAÇÃO.

Será necessário promover inclusão digital no Brasil ou assumir que o que nos falta é inclusão educacional?


Publicado no jornal Cinform 16/03/2009 – Caderno Emprego