Duas
economias estão muito presentes no nosso mundo e creio que pouco nos
apercebemos das radicais diferenças que as edificam. São elas: a Economia
Industrial e a Economia do Conhecimento.
A primeira
economia deriva da produção de bens materiais, é a mais tradicional, mais
antiga e mais visível. Dela vêm os automóveis, os eletroeletrônicos, os bens
duráveis, as edificações, enfim, as coisas tangíveis que podemos tocar, pesar e
mensurar. Aqui se valorizam mais as formas e as estruturas, e ainda, mais valem
os produtos que quem os produz. Para compreensão dessa economia mais palpável,
o homem desenvolveu teorias inspiradas em concepções materialistas e até muito
mecânicas, tipo causa-efeito. O preço está diretamente relacionado à escassez –
Por exemplo, se Zé quer comprar bananas na entressafra, então certamente, Zé
vai pagar mais caro por elas. É lógico!
Da mesma forma, Jorge, lojista de pneus, se desfaz dos pneus que possui
em estoque para ser remunerado. Assim, Jorge só terá dinheiro quando não tiver
pneu. Já com Alfredo aconteceu de emprestar seu fusca para rodarem muito e por
conta desse compartilhamento o carro depreciou perdendo valor de mercado – Esse
é o paradigma desta economia.
A segunda
economia é a dos bens imateriais, das coisas que não tocamos com nossas mãos,
cujos produtos são extremamente fluídos e dependentes de mídias para nosso
consumo. Seus principais produtos são: software, isto é, programas para
computadores; entretenimento, jogos, filmes, lazer nas diversas formas; música,
literatura, artes, cultura em geral; educação e consultoria; marcas e patentes;
etc. Esta é a economia do conhecimento ou de bens intangíveis em que se
valoriza mais o fluxo que a forma e mais também, a flexibilidade que a
estrutura. É a economia da abundância e do excesso de informações. Os verbetes
“paulo freire” e “paleolítico” tem 1.350.000 e 261.000 entradas no Google
respectivamente. Da pra ler? Imaginemos, nesse cenário, que Jorge agora não
mais vende pneus, ele é um consultor , portanto, vende conhecimento. Pergunto:
o estoque de conhecimento de Jorge reduz à medida que é vendido? Certamente a
resposta é NÃO: nessa situação o conhecimento e a renda crescem a cada
consultoria realizada. Continuemos a imaginar não mais com Jorge, porém, com o
Alfredo que não é mais o atormentado proprietário de fusca: ele é programador
de computador e desenvolveu um software que informa com precisão cirúrgica
quando vai chover no sertão. Todos querem seu programa e na mesma proporção que
Alfredo o compartilha, valoriza seu produto, contrariamente ao que aconteceu
com o estimado e mensurável fusquinha.
A principal
economia mundial de hoje é a do conhecimento. Está muito presente nos países
centrais, misturada nos países intermediários como o Brasil e praticamente
ausente na periferia mundial. A Califórnia, estado do desértico oeste
americano, tem PIB bem superior ao brasileiro e ao Francês, alimentado pela
indústria da inovação do Vale do Silício (lê-se a gestação de Google, Microsoft,
Apple, Yahoo, Intel, AMD, Symantec, HP...) e pela produção dos conhecidos
filmes de Hollywood. É quase tudo intangível. Acredito que, hoje, por conta
dessa preponderância acentuada da economia do conhecimento sobre a economia
industrial é que chegamos a ter o barril de petróleo em 2008 acima de 150
dólares por barril sem susto, diferentemente da década de 70, ocasião em que o
mundo se ajoelhou porque o petróleo atingiu 60 dólares.
As regras
clássicas da Economia Industrial não podem ser aplicadas diretamente na
economia do conhecimento. Parece mais acertado inverter as normas se quanto
mais usado mais vale e se quando mais compartilho mais tenho. Além disso, na
nova economia o principal valor do produto não esta na matéria e sim na
tecnologia embutida (e invisível) visto que 1 kg de satélite tem o mesmo
preço que 100.000.000
kg de soja. A aplicação de conceitos clássicos da
economia tradicional nessa nova economia levou alguns pioneiros ao fracasso e
ainda perturba muitos outros empreendedores. A Netscape, em 1995, no primeiro
dia de negociação na bolsa americana NASDAQ (que negocia ações de empresas de
alta tecnologia) foi cotada a 3 bilhões de dólares, quando tinha um faturamento
anual de 17 milhões de dólares e não era uma empresa lucrativa, num completo
descolamento de números.
O problema
mais complexo decorrente da falta de coerência no manuseio e domínio da
economia do conhecimento é a pirataria. A cópia ilegal existe à sombra da
incompatibilidade de modelos. Na fabricação de bens tangíveis a escala de
produção, os prazos, a rastreabilidade e a qualidade não dão espaço para que
aventureiros copiem com sucesso a imensa maioria dos produtos, existindo
problemas pontuais apenas. Já na indústria de bens intangíveis o problema da
pirataria é sistêmico, decorre da dificuldade de reter conhecimento.
Conhecimento não se divide, se multiplica, se potencializa. Nesse campo a
solução só virá com a mudança de paradigma, pois, se não há “perda” na passagem
de conhecimento de quem sabe para quem não sabe, então, como produzir “ganho”
para ele?
Um exemplo
de como inibir a pirataria é a produção intelectual de domínio público. Neste
mês de março, durante a semana da inclusão digital, o CDI/SE – Comitê para
Democratização da Informática em Sergipe, o Senac/SE, o Sebrae/SE, a Faculdade
São Luís de França e o Instituto Social Micael lançaram a cartilha “Internet
ponto a ponto” para orientar crianças, jovens, pais e professores a fazerem bom
uso da internet. A elaboração do conteúdo (o intangível) desta cartilha foi um
trabalho voluntário e ela está disponível para cópia no site www.se.senac.br
e com os fotolitos prontos na Info Graphics para impressão (o tangível) por
conta da instituição que a desejar distribuir. Em um recorte da capa está a
imagem de um pirata que pode ser substituída pela marca do encomendante,
simbolizando que onde há colaboração o pirata não tem vez.
Penso que as
bases do novo paradigma econômico serão a fraternidade e a cooperação. As
constelações parecem apontar para uma saída honrosa para a história econômica
da humanidade. Espero assistir vivo a este resgate.
Publicado no jornal Cinform 30/03/2009 – Caderno Emprego