Entrevista: Educação
Empreendedora nas Escolas
Desde 2013, o Sebrae vem
trabalhando com o Programa Nacional de Educação Empreendedora, em parceria com
escolas públicas e privadas. O projeto visa estimular a criatividade, o
pensamento crítico e o protagonismo juvenil. Em Sergipe, teve início em 2015, e
de lá até 2018, cerca de 22 mil estudantes já foram atendidos e 1.150
professores capacitados em sua metodologia. Nesta entrevista ao Caderno de
Educação, o superintendente do Sebrae/SE, Paulo do Eirado Dias Filho, conta
como a Educação Empreendedora pode incentivar o protagonismo dos alunos.
Caderno
de Educação – Por que investir em educação empreendedora nas instituições de
ensino?
Paulo
do Eirado - Quando falamos em educação empreendedora, a primeira
coisa que a gente deve pensar é que esse empreendedorismo vem no sentido de
trazer um projeto de vida, de trazer emancipação, de trazer alternativas para o
futuro desses alunos que estão frequentando, hoje, o ensino fundamental, o
ensino médio, ou até mesmo o ensino superior. A gente vive num mundo com muitas
mudanças e a questão comportamental é onde está havendo, talvez, a maior crise.
De um modo geral, vivemos numa época meio que “obcecada” pelo conhecimento.
Todo mundo acha que conhecimento é tudo. Mas, conhecer não é tudo. A gente
precisa ter também o lado atitudinal, que está muito ligado ao nosso emocional.
O lado da ação, da força de vontade, de fazer as coisas acontecerem, não ficar
só no mundo das ideias. Tudo isso deve fazer parte de um projeto de educação
que seja, de fato, um projeto sério, um projeto comprometido com o que vai
acontecer no futuro daquela pessoa.
CE
– Qual a diferença de trabalhar o empreendedorismo nas escolas, do trabalho do
SEBRAE com micro e pequenos empresários?
Paulo
do Eirado - Quando trabalhamos empreendedorismo na educação, a gente
trabalha muito focado na questão comportamental, principalmente para um futuro
onde haverá profissões que a gente não prevê hoje. E como a gente prepara uma
pessoa para um futuro em que não se faz a menor ideia do que possa acontecer? É
exatamente através do desenvolvimento de habilidades que possam dar equilíbrio emocional,
dar uma visão de mundo, incentivar a criatividade pra que a pessoa se torne
inovadora, para que se torne capaz de se adaptar a esse mundo novo. A outra
vertente, quando falamos em empreendedorismo objetivamente refere-se a questão
da atividade econômica. O Sebrae tem uma grande responsabilidade com relação
aso ambiente de negócios, que é preparar as empresas, os empreendedores que
estão já com seus negócios em andamento. Esperamos que eles tenham mais
condição de acompanhar as mudanças de mercado, a concorrência, as questões
tributárias...enfim, todo esse universo de desafios que estão presentes no dia
a dia das empresas.
CE
– Como funciona o projeto de Educação Empreendedora nas Escolas?
Paulo
do Eirado – O Sebrae trabalha a educação empreendedora junto à rede
pública, junto com as escolas particulares também, no sentido comportamental.
Nesses lugares, a gente não está numa escola técnica de empreendedores, de
formar empresários, mas sim de formar pessoas que precisam ter um projeto de
vida, de pessoas que precisam desenvolver uma visão de longo prazo, para fazer suas
escolhas. Nós damos ferramentas e treinamento aos professores e encorajamos os
alunos, por exemplo, a conviverem e calcularem riscos, para evitar aqueles
riscos que sejam maiores que a própria perna. Tudo isso, dentro de um projeto
educacional bem feito, que vai enriquecer o próprio currículo da escola.
CE
– Qual a vantagem de a escola abraçar um projeto como a Educação Empreendedora
em sua grade curricular?
Paulo
do Eirado – Existe um relatório da Unesco, o Delors, que já previa a
educação empreendedora, não com esse nome, mas quando propôs os quatro pilares
para a educação nesse novo milênio. Dentre esses quatro pilares, um a escola já
pratica com destreza, que é um lado mais cognitivo, o “Aprender a Conhecer”. O
segundo pilar, que é o “Aprender a Conviver”, acontece de forma relativamente espontânea,
entre os grupos de alunos, as “tribos”, como eles mesmos se referem, que vão se
organizando por afinidade. A escola não interfere muito nisso, mas observa. E o
terceiro pilar, importantíssimo, é o “Aprender a Fazer”. Em geral, esse pilar
ainda está muito distante da escola. É difícil colocar centenas de alunos pra
fazer coisas dentro da escola, né? Que tamanho de produção é essa? Que
equipamentos, espaços e materiais seriam necessários? Tudo isso é custo. A
Unesco diz que esses três pilares, juntos, vão construir um quarto pilar, que
seria o “Aprender a Ser”. Bom, se nós trabalharmos esses três pilares, a gente
realmente consegue fazer uma educação de extrema qualidade. Quando levamos o
projeto empreendedorismo para a educação, que de fato seja integrado com as
propostas da escola, com seus conteúdos curriculares, estamos levando, dentre
outros, o aprender a fazer, que é exatamente praticar alguma coisa
empreendedora, como um projeto, onde ele é protagonista.
CE
– Num país, como o nosso, que ainda está em crise, educar para empreender é a
solução?
Paulo
do Eirado – É uma das soluções, na medida em que isso venha a
enriquecer a Educação. A gente tem que ter cuidado para que esse
empreendedorismo não seja uma válvula de escape. Ah! Já que não existe emprego,
então, vamos transformar ele em empreendedor? Não é assim. Até porque, de um
modo geral, são poucas pessoas que, de fato, são empreendedores, que tem essa
vocação. A maior parcela das pessoas não busca conviver com o risco
permanentemente ou lida bem com as incertezas. A gente tem que respeitar as
pessoas como são. Imagine uma sociedade em que todo mundo é empreendedor? Seria
uma sociedade de todos contra todos. Quem vai ser líder de quem? Já começava
daí a briga, né? (risos). Então, a gente tem que entender e respeitar a
natureza humana, respeitar o aluno.
CE
– Quais o próximos passos do Sebrae em relação a educação empreendedora?
Paulo
do Eirado – O Sebrae vai aperfeiçoando o seu material pedagógico, a
sua maneira de abordar as escolas. A grande prioridade é o professor – fazer ele
entender que quando vai usar essas ferramentas tecnológicas, ele tem que ir com
o papel de mediador, de orientador, de visão crítica para essas tecnologias. A
criança ou adolescente, quando entra em contato com essas tecnologias, ele vai
de cabeça, não tem realmente filtros e tem limitações pra ter uma visão mais
crítica. Esses alunos chegaram nativos digitais. Eles têm um “chip” a mais,
então, realmente, a intimidade deles com essas ferramentas é diferente de
gerações anteriores. E o professor não deve jamais se cobrar de ter um
desempenho no uso dessas ferramentas melhor que seus alunos. Acaba com isso,
vamos esquecer. Eu pergunto aos professores, será que o técnico de futebol joga
melhor do que o jogador? Da mesma forma o professor, na mediação dessas
ferramentas. Ele vai ser aquele técnico, aquele orientador, aquele que organiza
o seu time e que o leva a vitória: uso construtivo da tecnologia. Porque do
mesmo jeito que ela tem um potencial positivo muito grande, também tem um
potencial destrutivo muito grande. Cabe à escola não ser absolutamente
encantada com o uso dessas ferramentas, pois uma boa aula não depende somente
de tecnologia, depende principalmente da motivação do professor, da relação
dele com os alunos. Eu acho que é isso que a gente tem de repensar, de como
abordar, de como chegar no aluno, de como ser um adulto de referência pra eles.
Publicado
no Caderno de Educação do Jornal da Cidade em 17 de julho de 2019, pág. 8