segunda-feira, 22 de maio de 2000

Abaixo a “Datadura”



Eu estudei em escolas e universidades públicas, tenho vinte anos de carteira assinada no ramo da informática. Assim, sinto a obrigação cidadã de contribuir com meu país e seu povo, através desta visão crítica do sistema eleitoral brasileiro.

ANO 2000
Neste ano 2000 teremos a eleição inteiramente eletrônica. Serão milhões de eleitores elegendo mais de 70.000 prefeitos e vereadores em centenas de milhares urnas eletrônicas. A maior eleição eletrônica do mundo e a única informatizada em todas as etapas.

URNA ELETRÔNICA
A urna eletrônica é um microcomputador. Os programas desenvolvidos pelo TSE formam apenas uma parte do conjunto de software necessário ao seu funcionamento. Toda a garantia do voto eletrônico baseia-se exclusivamente na confiança e idoneidade dos autores de programas brasileiros e estrangeiros, visto que as urnas eletrônicas funcionam sem comprovações.

FRAUDES ELETRÔNICAS
30% das empresas brasileiras atuantes em transações eletrônicas já foram lesadas eletronicamente (2), porém sistemas auditáveis deixam rastros nas chamadas trilhas para auditoria. A Receita Federal foi palco do furto de milhões de Declarações do Imposto de Renda e é uma entidade cujo o site foi reconhecido internacionalmente por sua versatilidade e segurança (?).
Sabemos que não existem sistemas 100% seguros. No processo eleitoral a questão da segurança se torna mais grave, já que o eleitor não pode ser associado ao seu voto. Assim o único fiscal do voto é o próprio eleitor e não existe autoridade no país com competência para argüir o voto de um cidadão. Temos na mão, enfim, um sistema inauditável.

SIGILO DO VOTO
O problema do sigilo é o nº do título de eleitor ser digitado na mesma urna eletrônica onde é depositado o voto.
Toda a arquitetura dos computadores é desenvolvida no sentido de associar dados. Mantê-los absolutamente desvinculados é impossível. Aleatório em computação não existe, só pseudo-aleatório.
A solução é não digitar o título de eleitor em nenhum meio eletrônico ou mecânico durante a votação. Isso permitiria até a utilização de mais de uma urna por seção eleitoral, eliminando filas e esperas.
                      
HONESTIDADE DO VOTO
Outra questão é que vemos a foto e o nome do candidato na tela e não temos certeza deste mesmo voto ser gravado no disquete. Apenas acreditamos, já que o disquete é ilegível aos nossos olhos.
Aqui a solução é usar a impressora já existente na urna. Esta poderia imprimir o voto, a cada vez que se aperta a tecla "confirma", e mantê-lo visível ao eleitor através de um visor. Ao último comando de cada eleitor, o papel seria cortado mecanicamente, caindo dentro da urna para posterior conferência ou recontagem. Aí o eleitor pode ter certeza de que seu voto foi para o candidato escolhido pois o voto impresso no papel é legível ao único fiscal possível nesse processo - o próprio eleitor.
No final, pega-se 2% das urnas e faz- se a comparação disquete x voto impresso. Não deve haver diferença.

REFLEXÕES - Eleição de 1998
" ... isso não significa que não vá haver tentativas de fraudes. Mas quem for tentar terá de subornar pelo menos uns 30" - Paulo Camarão ­ Sec. Informática do TSE à Folha de São Paulo (Caderno Eleições, pág. 5) em 23/09/98.
Haverão interesses nacionais e internacionais em eleições brasileiras?
É possível a um partido político auditar o funcionamento de sistemas operacionais, drivers diversos, memória ROM e sistemas das urnas?
Quantas? Todas? Quando? Em que ambiente e circunstâncias?
Que certificadora nacional ou internacional séria atestou o modelo da nossa urna eletrônica?
Por que países de sólidas democracias e tecnologicamente superiores ao Brasil não adotam modelo similar nas suas eleições?
Por que o TSE não reconhece a fragilidade do sistema adotado e muda-o já?
Existe o Projeto de Lei do Senado PLS 194/99 do senador Roberto Requião, já aprovado na Comissão de Constituição e Justiça, que modifica radicalmente o modelo de eleição eletrônica brasileiro, adotando muitas idéias como as aqui sugeridas.
Onde estão as entidades de classes, sindicatos, associações, diretórios acadêmicos, universidades, OAB, ABNT e classe política que vêem o país submeter-se a um sistema eleitoral sem referência histórica e geográfica e não abrem sequer um debate sobre o assunto?
Por que é legal o procedimento eletrônico sem papel, exclusivamente no sistema eleitoral? 
No sistema bancário toda transação eletrônica tem um voucher (testemunho/comprovante). Nos terminais eletrônicos de vendas do comércio o consumidor recebe uma via da nota fiscal, ficando a outra rebobinada dentro da máquina. No Brasil, fax, e-mail e carta não-registrada não tem valor documental. Por que o voto eletrônico terá?
Se o TSE tem a fórmula contra interferências indesejadas nos sistemas eletrônicos, por que não vendemos ou doamos este modelo para empresas bancárias, e­commerce, portais da Internet e ainda à Receita Federal. Além de IBM, AT&T, Microsoft, Netscape, etc? O mundo agradecerá.
CONCLUSÃO
Não sou contra a eleição eletrônica. Muito pelo contrário! O processo eletrônico sério elimina uma grande soma de pequenas fraudes, resultantes de erros e "mapismos" do processo tradicional. Porém, o processo eletrônico não-sério abre espaço para poucas fraudes de grande poder, além de criar a fraude limpa ­ irrecorrível.
Desconheço a existência de fraudes ocorridas até hoje em nossas eleições eletrônicas. Tudo que apresento aqui é para que elas não aconteçam. As mudanças aqui propostas não tem custo alto. Falta muito pouco para ter-se um sistema realmente confiável. Já se gastou US$ 500,000,000.00 com urnas eletrônicas (1).
Democracia não tem preço.
Abaixo a datadura!
Referências:
(1) 
Fórum do Voto Eletrônico
(2) Jornal da Globo, 22/11/99.



Paulo do Eirado Dias Filho
Publicado no jornal Cinform em 22 de maio de 2000

Opinião do Leitor, Caderno Principal pag. 2