segunda-feira, 21 de outubro de 1996

Eleição eletrônica e “viruscracia”


Na qualidade de Auditor de Sistemas, contratado pela "Coligação Aracaju Quer Maria", recebi a missão de acompanhar os trabalhos de apuração eletrônica através dos disquetes originários das urnas eletrônicas. Bem recebido, fiquei instalado dentro de uma sala do TRE/SE, onde estavam os microcomputadores do TSE programados para a leitura destes dados. Percebi claramente o cuidado com a segurança, visto haver vários níveis de bloqueios, impedindo que estes disquetes pudessem ter sido manipulados em outros computadores. É praticamente impossível a violação de um disquete destes com sucesso, para nossa tranqüilidade.
Congratulo o TRE e TSE pela seriedade e cuidados na condução desta primeira eleição eletrônica. Contudo, quem merece os maiores elogios é o povo brasileiro que demonstrou sua habilidade frente à nova tecnologia produzindo o resultado eleitoral limpo e consciente que podemos ver no quadro abaixo.

ARACAJÚ - 1996

Votantes
250.799
Ausentes
40.265
Presentes
210.534

Votos para prefeito
Votos para vereador
NULO
21.332 ou 10,1%
18.954 ou 9%
BRANCO
2.231 ou 1,06%
6.748 ou 3,2%

À primeira vista, concluímos que a opção pelos votos em branco e nulo, na sua maior parte, é intencional. Ou, como explicar que houve mais voto nulo para prefeito que para vereador, que mais exige do eleitor.
Esta modernidade deu um salto qualitativo no processo eleitoral, reduzindo as fraudes e o estresse da apuração manual. Contudo criou-se espaço para um novo inimigo extremamente perigoso: o software. Isto mesmo, o software, o programa de computador que é responsável pelo funcionamento da urna eletrônica (que é um computador dedicado a este fim).
Se na rotina eleitoral tradicional as fraudes eram freqüentes, também deixavam rastros e sua abrangência estava limitada a algumas urnas. Agora, através dos computadores o seu alcance pode ser total e hermético.
Precisamos tomar medidas reais e concretas contra esta possibilidade. Hoje o mundo gira bilhões de dólares em dinheiro eletrônico e quase nada ouvimos falar sobre fraudes, é que as empresas lesadas preferem calar-se e assumir o prejuízo para não colocar a credibilidade de seus sistemas em risco.
Tenho conhecimento de um cartão de crédito nacional que sofre lesões mensais da ordem de um milhão de reais e agüenta calado, repassa este rombo aos clientes através da taxa de juros. E vejam que estou falando de dados acessíveis para auditoria, que possuem comprovantes, contabilidade, testemunhas e outras provas.
Como técnico de informática venho levantar as seguintes questões:
Como o eleitor tem a garantia de que o voto realmente gravado no disquete e impresso na fita de papel corresponde ao que ele selecionou na tela?
Como se pode comprovar que o programa em uso no dia da eleição está funcionando exatamente como quando testado pelo TSE e partidos políticos? É possível fazer um programa mutante, que se automodifica em função de circunstancias previstas pelo programador, a exemplo de data, hora, etc.
Sendo o sigilo do voto uma garantia constitucional, entendo que o único fiscal contra fraude eletrônica é o próprio eleitor, que deverá ver o seu voto impresso e caso haja discordância entre o selecionado na tela e o impresso na fita de papel, deverá acionar uma tecla de emergência (semelhante a usada nos elevadores) que congele a máquina neste ponto até a chegada do juiz responsável por aquela seção.
Vamos mudar as urnas eletrônicas já, acrescentando um visor à sua impressora e um botão de "emergência". Vamos aproveitar este primeiro teste, bem sucedido, para corrigir rumos, ou, passar um dia o vexame de ter "vírus" escolhendo governantes de homens.



Publicado no Jornal da Manhã em 21/10/1996